Altas temperaturas e tempestades tropicais que devastaram cidades por onde passaram. Nas plataformas públicas, os discursos de líderes mundias, ainda que com muitos pormenores que os diferenciem, chegam a uma retórica básica: o mundo precisa correr para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. E isso não é algo novo. Mas em 2023, foi possível sentir os estágios iniciais dos efeitos que as mudanças climáticas e o aquecimento dos oceanos podem gerar no planeta Terra.
O coordenador do Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais, Paulo Eduardo Artaxo Netto, explica que “não há a menor dúvida que o ano de 2023 foi caracterizado por forte aumento dos eventos climáticos extremos e também por uma aceleração do aquecimento global”, podendo ser notado em casos como as secas na Amazônia, chuvas torrenciais no Sul e incêndios catastróficos no Canadá.
Temperaturas extremas, tempestades tropicais mais constantes e os desastres climáticos vistos em diversas localidades do mundo acabaram sendo agravados pelo El Niño, e levantou ainda mais as discussões sobre a corrida contra o tempo para reverter os estragos causados até o momento. Mas vamos começar do início, e relembrar as desastres naturais que assolaram o mundo em 2023.
Tempestades pelo mundo
O ano começou com fortes tempestades atingindo a costa oeste dos Estados Unidos. No dia 8 de janeiro, a tempestade, que nasceu no Oceano Pacífico, atingiu a Califórnia, deixando ao menos seis mortos e mais de 500 mil casas sem energia. Além disso, as fortes chuvas fizeram com que os rios transbordaram, causando enchentes no estado.
Em maio, a região de Emilia-Romagna, no norte da Itália, foi vítima de fortes chuvas que deixou cerca de 8 mortos. As cidades que compõe a região ficaram submersas após 21 rios transbordarem. As tempestades que atingiram a região deixou milhares de pessoas desabrigadas, além de gerar destruição de vias públicas.
No Paquistão, em julho, o Serviço Nacional de Gestão de Catástrofe paquistanês anunciou que as fortes chuvas, que geravam inundações e deslizamentos, deixaram mais de 50 mortos. Na época, o país passava pela temporada de monção, que provoca chuvas que correspondem a cerca de 70% das chuvas registradas em todo o ano na região. As fortes chuvas geraram problemas no abastecimento de energia elétrica e água no país, além do comprometimento das vias públicas.
Na mesma semana, na Coreia do Sul, uma tempestade deixou cerca de 40 mortos, apontando uma má gestão das áreas de vulnerabilidade do país em épocas de atividades climáticas atípicas. As tempestades atingem o centro e o sul do país, deixando quase 20 mil hectares de fazendas ficaram alagados, além de causar deslizamentos nas áreas montanhosas do país. Na época, o presidente Yoon Suk Yeol disse: “Enfatizamos repetidamente o controle de acesso a áreas perigosas e a evacuação preventiva desde o ano passado, mas se os princípios básicos de resposta a desastres não são mantidos no local, é difícil garantir a segurança pública".
Em agosto, uma nova tempestade atinge os Estados Unidos, deixando quase 1 milhão de casas sem energia. Dessa vez, as regiões atingidas são da Carolina do Norte, Geórgia e Pensilvânia. Duas pessoas morreram com as fortes chuvas.
Tufões, tornados, ciclones e furacões: as tempestades tropicais intensas de 2023
No final de fevereiro e início de março, a África Meridional foi vítima do ciclone Freddy, que deixou mais de 250 mortos. Passando por Moçambique e Madagascar, o ciclone fez mais vítimas quando chegou em Malawi. Com a destruição de pontes, fortes enchentes e deslizamentos nas regiões montanhosas, a passagem do ciclone foi devastadora.
Entre o final de março e o início de abril, os Estados Unidos passaram pela passagem de tornados que deixaram os estados do Mississípi , Arkansas, Alabama e Tennessee com fortes estragos. Além das devastações nas construções, cerca de 26 pessoas morreram por conta dos fortes ventos.
Em julho, em Pequim, o tufão Doksuri moveu mais de 1 milhão pessoas de suas casas por conta das enchentes provocadas pelas fortes chuvas. Ao menos 11 pessoas morreram. Três dos cinco rios que compõem a bacia do rio Hai subiram para níveis perigosos, resultando em deslizamentos de terra, inundações, rodovias destruídas e alagamento de ruas e casas.
No Japão, o tufão Khanun atingiu as províncias de Okinawa e Kagoshima em agosto, deixando mais de 60 feridos e ao menos dois mortos. Com ventos de até 234 km/h, a tempestade se dirigia para o Mar da China Oriental. Quase 160 mil casas ficaram sem energia, e os voos foram cancelados.
Ainda em agosto, o furacão Idalia chegou a Flórida, nos Estados Unidos. Com categoria 4 de 5, os ventos passavam de 200 km/h e atingiram principalmente a região de Big Bend, no centro do estado. Dez pessoas morreram com a passagem do furacão e mais de 400 mil pessoas ficaram sem energia. A região ainda acendeu alertas para o surgimento do furacão Lee , mas que acabou não passando com tanta intensidade em setembro, sem causar danos.
Na Líbia, a tempestade Daniel apareceu de forma devastadora no país, ganhando rapidamente o status de furacão, em setembro de 2023. Por contas das fortes enchentes provocadas pelas chuvas, o porta-voz dos Serviços de Emergência do governo de união nacional, Oussama Ali, informou que 5,3 mil pessoas morreram e outras 7 mil ficaram feridas, além dos 10 mil desaparecidos.
Também em setembro, um tornado atingiu o leste da China, matando 10 pessoas e deixando 1,5 mil pessoas desabrigadas. Suqian e Yancheng, ambas localizadas na província chinesa de Jiangsu, foram os alvos do evento climático.
Em outubro, 5 cidade de Acapulco, no México, foram atingidas pelo furacão Otis. 39 pessoas morreram com a passagem do furacão. As cidades ficaram devastadas com os fortes ventos, que foi classificado em categoria 5.
Em dezembro, o ano finaliza com dois eventos climáticos: um nos Estados Unidos e outro na Argentina. Nos Estados Unidos, mas especificamente no Tennessee, tornados deixaram ao menos seis mortos e dezenas de feridos. Já na Argentina, um vendaval atingiu Buenos Aires, deixando 50 mil moradores sem energia elétrica. Os ventos chegaram a 146 km/h, e destruíram a área de embarque do aeroporto.
Brasil: ciclones na região Sul e fortes chuvas pelo país
No Brasil, enquanto algumas regiões sofriam com as altas temperaturas durante o ano, outras enfrentavam as consequências das mudanças climáticas.
O ano começa com fortes chuvas no litoral paulista, principalmente em São Sebastião. O catastrófico evento também afetou fortemente Ubatuba, Ilhabela, Caraguatatuba e Bertioga. A Defesa Civil apontou 44 mortos, 1,7 mil pessoas desalojadas e 766 desabrigadas. Os estragos foram tamanho que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) mudou temporariamente o seu gabinete para próximo à região para acompanhar de perto as ações de resgate.
Em Santa Catarina, março começou com um ciclone atingindo a região, causando destruição com as fortes chuvas. As tempestades geraram enchentes, deslizamentos e enxurradas. Em setembro, a zona rural de Santa Cecília foi atingida por um tornado, com ventos atingindo 100km/h. O tornado provocou a destruição de duas residências e a queda de árvores na comunidade de Anta Morta. Não foram registrados feridos em decorrência do fenômeno. Em novembro, uma nova tempestade atingiu o estado, que causou enchente nas cidades de Jardinópolis, Quilombo e São Domingos. Não houve feridos ou vítimas.
Em dezembro, em Angra dos Reis, a Prefeitura decretou situação de emergência após as fortes chuvas que atingiram o município. Um casal de idosos foram mortos devido à inundação provocada pelo aumento da maré e as fortes chuvas. A água atingiu a marca de três metros de altura em alguns pontos do bairro Bracuí.
Além das fortes chuvas e ciclones que atingiram Santa Catarina, a região Sul foi um dos grandes alvos de desastres climáticos. Em junho, o primeiro ciclone que atingiu a região deixou 16 municípios alagados , com três mortos. Em setembro, um novo ciclone atingiu o estado, deixando 51 mortos. As inundações causadas pelo ciclone afetaram severamente a vida de mais de 10 mil pessoas, que estavam desalojadas, e o número total de pessoas afetadas ultrapassa 135 mil. O caso acabou gerando desdobramentos, como o prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo, sendo registrado em um áudio discutindo com pessoas afetadas pelas enchentes.
Altas temperaturas
2023 foi o ano mais quente já registrado na história, segundo informou os cientistas do observatório europeu Copernicus. O observatório apontou que de janeiro a novembro de 2023, a Terra teve temperatura 0,13°C mais alta do que em relação ao mesmo período em 2016, avaliado como o ano mais quente já registrado.
Os recordes começaram em junho deste ano, quando o mês foi considerado o mais quente da história. Em seguida, essa marca foi quebrada em julho, agosto, setembro, outubro e novembro.
A onda de calor levou a morte de 98 pessoa na Índia , em junho. Outras 450 pessoas ficaram internadas na época. Em Ballia, município mais afetado do Uttar Pradesh, as temperaturas ficaram acima dos 42ºC. A temperatura média ficou acima dos 44ºC em Uttar Pradesh, sendo que a máxima é de 45,1ºC em Shaykhpura.
No Brasil, as temperaturas também não foram amenas. As cidades brasileiras passaram por diversas ondas intensas de calor desde agosto, tendo um pico em setembro, quando ao menos 12 capitais chegaram na casa dos 35ºC. Na época, Cuiabá ficou na casa dos 42ºC, segundo o InMet.
Em novembro, o calor atingiu altos índices, com a capital do Rio de Janeiro chegando a sensação térmica de 60ºC. As altas temperaturas fizeram com que a fã de 23 anos, Ana Benevides, morresse durante o show da cantora norte-americana Taylor Swift. Durante a apresentação da "Eras Tour", a sensação térmica atingiu 60 ºC, provocando, além dos desmaios, vômitos e desidratação nos que tentavam assistir o show da cantora, segundo os bombeiros.
Artaxo diz que foi possível analisar que “o padrão climático de 2023 mostrou uma aceleração do aquecimento global e uma intensificação da ocorrência de eventos climáticos extremos”. O doutor ainda cita que a ocorrência do El Niño — evento climático sazonal que aquece o Oceano Pacífico na região do Equador —, junto ao aquecimento global, foram alguns dos motivos para as temperaturas extremas. O El Niño deverá se estender, no entanto, até o início do segundo trimestre de 2024.
Mas ele alerta: “Mesmo quando o El Niño se enfraqueceu em 2024, teremos a continuidade da intensificação do aquecimento global que, progressivamente, vai aumentar as temperaturas, aumentar a intensidade e a frequência dos eventos climáticos extremos. Então é contra isso efetivamente ao longo prazo que é o maior risco para a nossa sociedade.”
Previsões para 2024
Para o coordenador do Programa FAPESP de Mudanças Climáticas, as catástrofes climáticas de 2023 ditaram muito do que foi discutido nas esferas públicas, como os debates que ocorreram durante a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (COP28), que aconteceu no início de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“O que observamos é uma intensificação da crise climática que, inclusive, impactou na COP 28 para que tivéssemos medidas mais fortes de redução”, diz o Artaxo. Ele ainda prevê que no “futuro, não há menor dúvida de que frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos vão se intensificar e, com isso, a sociedade brasileira tem que se preparar para se adaptar ao novo clima.”
Caso os padrões climáticos se mantenham parecidos no próximo ano, Artaxo diz que duas principais questões devem ser avaliadas no Brasil: a adaptação climática no Nordeste e o aumento do nível do mar na região costeira.
“Várias regiões estão sofrendo aquecimento de mais de 2ºC, e com decréscimo na taxa de precipitação — que já era bastante pequena. Tem que se preocupar com a adaptação climática na região Nordeste e com toda a área Costeira brasileira que vai ser impactada pelo aumento do nível do mar. Portanto, nós temos que implementar um programa de adaptação climática o mais rápido possível — e com a maior intensidade possível — para diminuir os impactos sócio-econômico das mudanças climáticas em nossa sociedade.”
A corrida para mitigar as mudanças climáticas, segundo o professor, passa pela diminuição da queima de combustíveis fósseis o mais rápido possível, além da luta pela redução do desmatamento de florestas tropicais, citando a Amazônia como uma delas.
“É fundamental a redução da emissão de gases do efeito estufa. É fundamental que o governo brasileiro cumpra o seu compromisso de zerar o desmatamento até 2030. É fundamental que os países produtores de petróleo parem a exploração de petróleo e que o mundo possa se tornar um mundo com energias alternativas, como a solar e a eólica, que hoje são muito mais baratas e mais eficientes. O Brasil tem enormes potenciais de geração de energia solar e eólica que não estamos aproveitando para alavancar o nosso desenvolvimento”, finaliza Artaxo.