Recorde no número de votos antecipados, descompasso quanto às previsões dos institutos de pesquisa, candidato mais votado da história, pedido por recontagem de votos, alegações não fundamentadas de fraude, manobras judiciais e manifestações. A 59ª eleição presidencial dos Estados Unidos já é considerada histórica.
Donald Trump e Joe Biden travaram uma disputa acirrada em estados como Nevada , Wisconsin , Geórgia e Pensilvânia nos últimos dias.
De acordo com Leandro Consentino, cientista político e professor no Insper, “essa diferença pequena em vários estados não era comum”. Por isso, com resultados apertados, Consentino afirma que o candidato que se tornar o novo presidente dos Estados Unidos não terá “uma grande massa de aceitação popular”.
Enquanto a campanha de Joe Biden procurou incentivar o comparecimento em massa e antecipado no país inteiro e não deixar de lado os distritos do Cinturão da Ferrugem — Pensilvânia, Michigan e Wisconsin —, a estratégia de Donald Trump consistiu em deslegitimar votos e focar na economia, que vinha bem até a pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2).
A busca pela reeleição republicana
“A Flórida foi um grande trunfo da campanha republicana”, aponta Consentino. A região é conhecida por ser um Estado-pêndulo — ou seja, não possui preferência clara por republicanos ou democratas — e era muito necessária para Donald Trump na corrida eleitoral.
“A campanha republicana sabia disso e focou ali”, afirma o professor. Ele diz que um dos grandes acertos na Flórida está relacionado ao eleitorado latino que rechaça e tende a se distanciar de partidos de esquerda. “Associaram a esquerda ao Biden, que está longe de ser um candidato de valores de esquerda, e fizeram crer que Trump seria o grande arauto nessa luta contra o comunismo”, explica.
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Assim, Donald Trump conseguiu conquistar a Flórida e manter redutos importantes da eleição de 2016. “Independente do resultado, Trump mostra que ainda há camadas que ele domina e que o homem médio sem escolaridade alta ainda está frustrado”, diz Consentino. “Ele capta o descontentamento de alguns setores e transporta para a candidatura dele”, complementa.
Apesar disso, no Texas, um estado tradicionalmente republicano, viu-se “uma das menores vitórias republicanas” e notou-se, em diferentes regiões, que Donald Trump deixou de ser o candidato favorito à presidência estadunidense . Consentino atribui esse fenômeno à postura radical de Trump sobretudo diante da pandemia de Covid-19 .
O desafio da virada democrata
“O principal acerto do Biden foi acenar a todos os lados”, avalia Leandro Consentino. O professor explica que Joe Biden conseguiu unir tanto as alas mais moderadas como as mais progressistas do partido democrata . Para isso, a escolha de Kamala Harris como vice-presidente foi importante.
Harris, sendo mulher e negra, conquista minorias. “Esse é um acerto importante num momento em que a representatividade vem sendo tão questionada no mundo todo e, essencialmente, nos Estados Unidos”, afirma Consentino. Kamala Harris também teve uma presença fundamental nas campanhas e conseguiu acenar para uma ala mais progressista do partido democrata, avalia o professor.
Outro ponto relevante para analisar a campanha democrata é o pedido de impeachment movido a partir de uma situação envolvendo Joe e Hunter Biden . Consentino diz que, por um lado, Trump foi prejudicado por ter sido alvo de um impeachment, mas, por outro, foi fortalecido porque não acabou afastado . Uma segunda questão é que o caso de Hunter Biden foi exposto e, a partir de então, informações verídicas e não verídicas foram divulgadas — Trump inclusive chegou a citá-las durante a campanha .
Além disso, Consentino ressalta que os democratas conseguiram mobilizar até mesmo “alguns republicanos que não viam no Trump uma liderança digna de ocupar o Salão Oval e a Casa Branca ”. Esse cenário se desenhou, por exemplo, no Arizona.
“Se for confirmado que o Arizona foi para o Biden, é uma surpresa e, com certeza, um acerto”, observa Consentino. Ele diz também que nesse estado há a figura de John Mccain, um republicano moderado “que foi muito maltratado por Trump”, o que sinaliza uma postura mais moderada e menos radical desses eleitores. Consentino pontua ainda que, mesmo que Biden não vença, será uma vitória republicana mínima. "Os republicanos do Arizona começaram a raciocinar de uma forma mais Mccain e menos Trump e os números traduziram isso", conclui.