No momento atual não há boas opções para os Estados Unidos
nem para Israel
, a quem Joe Biden
literalmente se abraçou e se comprometeu integralmente em meio à guerra contra o Hamas
. Joe Biden exortou Israel a não se deixar consumir pela raiva após os ataques do Hamas
. E, assim, evitar os erros que Washington cometeu depois do 11 de setembro
. Foi um clássico conselho do "faça o que eu digo, mas não o que eu fiz no passado".
O então senador Biden, que presidia a comissão de relações exteriores do senado, foi um dos 77 que autorizaram Bush a empregar a força militar no Iraque . A invasão de 2003 é considerada um dos maiores erros estratégicos da história americana, e o preço é pago até hoje com a dominação russa, chinesa e iraniana do Iraque. O problema é que, no momento atual, não há boas opções para os Estados Unidos nem para Israel a quem Biden apoiou com empenho.
Os americanos são vistos na região como cúmplices dos israelenses, sem condições de atuar como mediador honesto e imparcial. Washington vetou a resolução do conselho de segurança da ONU
sobre o conflito de Gaza
pelo motivo que as grandes potências sempre seguem: para não ter as mãos atadas.
O texto vetado apresentado pelo Brasil
pedia pausas humanitárias e corredores para entrega de ajuda. Esses dispositivos condicionariam as atuais operações de cerco e bombardeios israelenses.
O pano de fundo do veto é, porém, muito mais abrangente. A antecipada reação israelense aos ataques do Hamas
levaram os Estados Unidos a tentar salvar um governo de emergência em Tel Aviv
ou que ainda possuía o poder de iniciativa no Oriente Médio. A mudança da ordem internacional (o fim da Pax Americana) e, ao mesmo tempo, causa e consequência da perda de influência relativa na região na qual aliados antes certos, como Turquia, Egito e Arábia Saudita, hoje tem jogo próprio.
Ocorre que Israel
também não dispõe de boas opções. O país é muito diferente daquele que os Estados Unidos defenderam em guerras anteriores. Israel está profundamente dividida por um governo irresponsável, que é o grande culpado pela espécie de crise de ansiedade, identidade e insegurança da sociedade israelense que agora acordou para os seus dilemas essenciais.
Nas palavras de Lawrence Freedman, o cerco israelense de Gaza
é a tentativa de desenvolvimento de uma estratégia militar para lidar com o Hamas
, mas sem ter uma estratégia política. Os clássicos ensinam que isso nunca funciona na História.
Os ataques do Hamas e a reação de Israel aconteceram no momento em que o Brasil ocupa a presidência rotativa do Conselho de Segurança
. A coincidência histórica deu a diplomacia brasileira a oportunidade de assumir o protagonismo nas negociações em torno do conflito.
A primeira resolução, como se sabe, foi rejeitada em 18 de outubro em razão do veto americano. Mas o esforço diplomático do Brasil
não foi em vão. A resolução brasileira foi uma contraproposta a formulação russa que manifestava preocupação com o agravamento da crise humanitária em Gaza
, mas não mencionava o Hamas. Os termos nesse caso eram obviamente inaceitáveis para os membros do Conselho.
O Brasil
tomou a iniciativa de produzir um texto alternativo que contemplasse três pontos. Primeiro, condenasse os ataques do Hamas, segundo exigisse a libertação imediata dos reféns e, terceiro, mantivesse foco na questão humanitária de Gaza. Tudo isso foi feito pelo Brasil.
Na votação a nossa proposta foi apoiada por 12 dos 15 membros do Conselho, entre eles dois permanentes: a China
e a França. Rússia
e Reino Unido se abstiveram na votação e apenas os Estados Unidos rejeitaram o texto.
Como os americanos tem poder de veto, a proposta de Brasília não foi aprovada, infelizmente. O pretexto alegado por Washington foi de que o texto não reconhecia o direito de Israel à autodefesa.
Desde o início, os Estados Unidos
resistiam à aprovação de qualquer texto para não desvalorizar a iniciativa diplomática promovida por Joe Biden. No mesmo dia em que a proposta brasileira foi rejeitada, Joe Biden anunciou ter acertado com Israel e Egito
a abertura de um corredor humanitário em Gaza
. Os Estados Unidos preferiram agir de forma unilateral a obter o aval da ONU
.
O pano de fundo da resistência americana sempre foi a tensão com a Rússia
, em razão da guerra na Ucrânia
. Para os russos, a intenção era expor o que consideram uma contradição de Washington: enfatizar a situação dos refugiados ucranianos, mas não a crise aguda entre os palestinos agravada pela explosão num hospital de Gaza
.
Se o texto brasileiro cumprisse as exigências dos americanos, provavelmente teria sido vetado pela Rússia
ou por outros membros permanentes do Conselho.
Quando os russos notaram que o veto viria dos americanos, preferiram se abster para expô-los e deixar Washington em uma situação difícil. Na ONU, os Estados Unidos ficaram isolados como queria a Rússia.
O Brasil
se esforçou pela abstenção dos dois lados, Rússia
e Estados Unidos
.
Mas a diplomacia brasileira obteve o apoio do Japão, França e China, além da abstenção do Reino Unido. Houve uma divisão numa aliança que vinha agindo de maneira uniforme quando o tema era Ucrânia. Com exceção dos americanos, o Ocidente ficou do lado dos países emergentes ao apoiar o alívio para a população civil de Gaza e a interrupção dos bombardeios por Israel.