Fórum Brasil África tratou de novas relações que podem ser criadas entre as regiões
João Guilherme de Lima/iG Último Segundo
Fórum Brasil África tratou de novas relações que podem ser criadas entre as regiões


Brasil e África , apesar de se tratarem de um país e um continente, possuem muitas coisas em comum, desde alguns aspectos climáticos, até a composição populacional, majoritariamente negra. 

Diante dessas semelhanças e dos desafios em comum que esses dois locais enfrentam, foi realizado em São Paulo, nos dias 29 e 30 de novembro, o Fórum Brasil África . Representantes de diversos países africanos e de instituições privadas da África e brasileiras estiveram presentes e trocaram ideias sobre as relações público/privadas entre as regiões. 

Um dos assuntos que mais pautaram o evento foi a economia criativa . Este setor se trata do conjunto de ações e atividades relacionadas à cultura, tecnologia e criatividade que impactam a economia de alguma forma. Para Adriana Barbosa, CEO da PretaHub, hub de criatividade e inventividade para pessoas negras, é necessário o investimento em pesquisa sobre as indústrias criativas para uma maior evolução do setor no Brasil. 

“Eu acho que uma das coisas importante que precisa acontecer é investimento em pesquisa, mapeamento dos arranjos produtivos culturais e das indústrias criativas nos territórios. Eu acho que quanto mais informação a gente puder ter, mais vai ajudar a formular as políticas públicas necessárias para o avanço do tema”, destacou. 


Ela também jogou luz sobre a importância de fornecer preparação e recursos para que o ramo criativo brasileiro se desenvolva. Barbosa pontuou ainda que sente falta de uma maior troca de informações entre os mecanismos de fortalecimento da propriedade intelectual disponíveis na África e no Brasil. 

“Por exemplo, se aqui no Brasil tem alguma boa prática, é possível replicar em alguns países africanos? Se em alguns países africanos há uma boa prática, é possível replicar no Brasil? No contexto da diáspora africana, eu sinto falta da gente falar mais”, ressaltou. 

Já Ntemoyok Mewanu Gregory, prefeito da cidade de Kumba, localizada no sudoeste de Camarões , afirma que a indústria criativa “não vem tendo um apoio na África como um todo”.

“Devemos encorajar os jovens a entrar na carreira artística”, disse. “Deve-se oferecer alguma segurança econômica para aqueles que participam da economia criativa”, completou. 

A economia criativa soteropolitana

Um outro exemplo deste setor vem de Salvador (BA), com a Vale do Dendê, organização que fomenta ecossistemas de empreendedorismo focados em diversidade. Paulo Rogério, fundador da instituição, falou sobre o projeto de incubação de produtoras de áudio da Bahia

De acordo com ele, essa iniciativa é de suma importância porque, apesar da música brasileira contar com a participação da população negra em quase toda a cadeia produtiva, são as pessoas brancas que ainda lucram com essa atividade. 

“Tem um ponto importante da música, que ela sempre foi concentrada na mão de produtores que não são negros. As pessoas negras sempre estiveram na música, mas quem ganha dinheiro, normalmente, não são as pessoas negras. No nosso programa a gente já apoiou em dois anos 45 produtoras, dando investimento de R$ 50 mil para produtoras de música e R$ 20 mil para produtoras de podcast, para que elas conseguissem investir no portfólio e dar os próximos passos”, enfatizou. 

Sede da Vale do Dendê, em Salvador (BA)
Divulgação/Vale do Dendê
Sede da Vale do Dendê, em Salvador (BA)


Paulo também afirmou que outro objetivo da Vale do Dendê é fazer cada vez mais conexões internacionais, principalmente com países africanos que possuem semelhanças com o Brasil, como Cabo Verde e as cidades de Lagos, Acra e Nairóbi, capitais de Nigéria, Gana e Quênia, respectivamente. 

Outro foco do empreendedor soteropolitano é fazer com que Salvador seja reconhecida como a cidade dos eventos internacionais, da tecnologia, e que os negros brasileiros sintam o desejo de visitar o local para conhecer o que a região tem a ofedecer. 

“A longo prazo, a intenção é atrair investimentos cada vez maiores, porque nosso objetivo é transformar Salvador no que é Atlanta hoje, nos Estados Unidos , que é uma referência em economia criativa. E atrair todo mundo que queira viver um lifestyle mais afrocentrado e colaborativo”, afirmou. 

Retomada das relações entre Brasil e África

Representantes internacionais também falaram sobre como instituições brasileiras e africanas podem voltar a ter uma relação mais próxima. Para Jean Pierre Elong, Secretário-geral da UCLG África (Cidades e Governos Locais Unidos, em tradução livre), é necessário criar um intercâmbio entre jovens nascidos no Brasil e na África. 

“Nós costumamos dizer que as pessoas é que importam. As cidades são feitas de pessoas, e as crianças, os jovens, são o sangue que corre nas veias da cidade. A forma como a gente lida com esse sangue é o mais importante. É necessário começar a ampliar essas conexões entre Brasil e África, com intercâmbio de jovens para que eles possam se conhecer e se respeitar”, afirmou Pierre. 

Jean Pierre Elong, Secretário-geral da UCLGA
Divulgação/UCLGA
Jean Pierre Elong, Secretário-geral da UCLGA


O secretário camaronês pontuou ainda que, antes de buscar solucionar questões globais, é preciso primeiro oferecer soluções para problemas locais. 

“Questões globais, soluções locais. Eu diria que você não soluciona questões globais se você não está no nível local. Apenas no nível local é que você tem essas relações obrigatórias entre os setores. Aja localmente e pense globalmente”, enfatizou. 

Já Paulo Gomes, ex-diretor regional do Banco Mundial no continente africano, afirmou que é necessário “recomeçar” o relacionamento entre Brasil e África, dado que os laços foram enfraquecidos nos últimos anos. 

“Temos urgência de combater as mudanças climáticas . Nós temos em comum a Amazônia e a bacia do Congo. Combinando nossos discursos, podemos encontrar como podemos fazer mais pesquisas”, pontuou o economista da Guiné Bissau. 

Ele é o fundador da Orango, uma plataforma de consultoria e investimento projetada para levar o setor privado africano para o centro dos investimentos no continente. A instituição busca oferecer o desenvolvimento do mercado de capitais pautado pela sustentabilidade econômica. 

Segundo Gomes, o sistema econômico mundial estabelecido após o fim da  Segunda Guerra “foi feito para reconstruir a Europa” e não funciona mais. Por conta disso, os países fora do eixo europeu precisam cada vez mais tomar a dianteira dos processos econômicos internacionais para que, assim, possam ter maior visibilidade. 

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