Um homem palestino de Gaza em frente à sua casa destruída na área de Al Remal, em Gaza
Marwan Sawwaf/ Alef Multimedia/ Oxfam - 14/10/2023
Um homem palestino de Gaza em frente à sua casa destruída na área de Al Remal, em Gaza

Prestes a completar três meses no início de janeiro, a guerra iniciada no Oriente Médio em 7 de outubro  segue sob negociações lentas e denúncias de civis e reféns mortos, e remonta, na prática, à tensão existente desde 1948, quando o Estado israelense foi declarado.

Desde o início desse novo conflito em outubro, mais de 1,5 milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas em busca de abrigo. Ao menos 260 mil habitações foram parcial ou completamente destruídas.

A Faixa de Gaza, região controlada pelo Hamas desde 2007, é o espaço onde o rastro de destruição tornou-se mais visível, sob denúncias massivas de civis palestinos mortos – majoritariamente crianças e mulheres. Segundo o Ministério da Saúde palestino, mais de  19 mil pessoas foram mortas na região até o dia 18 de dezembro.

A atenção internacional foi voltada para o território após registros e denúncias da quase completa ausência de serviços de saúde que dessem conta do alto número de feridos na Palestina, juntando-se às preocupações acentuadas na  Guerra na Ucrânia, que se desenrola desde fevereiro de 2022. Em novembro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução de  pausa humanitária, na tentativa de frear a morte de civis.

Em meio às negociações, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e o Itamaraty estreitaram um acordo complexo com os governos de Israel, Egito e o próprio Hamas para que um grupo de 32 brasileiros deixassem Gaza. No dia 13 de novembro, os  brasileiros desembarcaram em Brasília.

Eles foram recebidos pelo presidente  Lula (PT), a primeira-dama Janja e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Outros  dois grupos com brasileiros deixaram Gaza, em 9 e 21 de dezembro.

O início

De acordo com as Forças de Defesa de Israel (FDI), cerca de 2.200 foguetes foram disparados contra a região no dia 7 de outubro – número menor que o declarado pelo Hamas, que assumiu ter destinado 5 mil mísseis. O ataque marca a maior ofensiva dos últimos anos contra o Estado de Israel, e desencadeou, em resposta, a declaração de guerra contra o Hamas pelo primeiro-ministro  Benjamin Netanyahu.

Hamas é a sigla para "Movimento de Resistência Islâmica", nome do grupo militante islâmico palestino que governa atualmente a Faixa de Gaza. O movimento tem um braço filantrópico, que presta serviços sociais ao povo palestino, um braço político e um braço armado – o mais conhecido dos três.

O Hamas não reconhece Israel como país, e passou a governar a Faixa de Gaza em 2007, após a diminuição do poder da Autoridade Nacional Palestina (ANP). O grupo e Israel já se enfrentaram diversas vezes; o ataque de 7 de outubro, porém, ocorreu após uma série de ofensivas israelenses: em janeiro de 2023, israelenses invadiram um campo de refugiados e mataram ao menos 10 palestinos. Palestinos, então, dispararam dois foguetes de Gaza contra Israel, que realizou ataques aéreos em nova retaliação.

Em maio, com alvo em líderes muçulmanos, israelenses lançaram novo ataque aéreo em Gaza, matando três militares e 10 civis. Um conflito armado se estendeu por dias, matando várias pessoas. Um novo cessar-fogo é, assim, estabelecido entre Israel e o grupo palestino Jihad Islâmico.

Mas é em junho que, após Israel realizar uma ofensiva aérea contra Jenin, terceira maior cidade da Cisjordânia, matando ao menos cinco palestinos, que o Hamas invade um assentamento isralense e mata, pelo menos, quatro pessoas.

O conflito se escala até a invasão de militantes do Hamas, no dia 7 de outubro, a uma festa rave no sul de Israel, matando 260 jovens. A festa era organizada pelo  DJ brasileiro Alok e seu pai, Juarez Petrillo.

Narrativas da guerra

Algumas autoridades vem endossando, ao longo do conflito, o argumento de  genocídio de Israel contra palestinos. O secretário-geral da ONU,  António Guterres, chamou Gaza de um “cemitério de crianças”.

“É muito grave o que está acontecendo no Oriente Médio, não se trata de discutir quem está certo e errado, quem deu o primeiro tiro, quem deu o segundo, o problema é que não é uma guerra, é um genocídio”, afirmou o presidente Lula em outubro.

Autoridades israelenses, por outro lado, afirmam que o Hamas havia impedindo a saída de palestinos do norte de Gaza para que pudessem ser usados como "escudos humanos". O impedimento, segundo as Forças de Defesa de Israel, ocorreu após a ordem de evacuamento de civis em Gaza: eles deveriam rumar para a direção sul do enclave, para fugir dos bombardeios.

A destruição foi causada pelos ataques aéreos israelenses no bairro de Al Remal, no centro da Cidade de Gaza
Marwan Sawwaf/Alef MultiMedia/Oxfam - 10/10/2023
A destruição foi causada pelos ataques aéreos israelenses no bairro de Al Remal, no centro da Cidade de Gaza

O Hamas é tido como grupo terrorista por grande parte da comunidade internacional, embora também seja um partido que, em 2006, chegou a ser referendado nas urnas para governar. Apesar dos dados na região palestina serem controlados pelo grupo, autoridades internacionais, como a ONU, os reconhecem como números oficiais, devido à frequência de bombardeios e à impossibilidade de checar os dados em campo.

Frente às críticas internacionais, principalmente de Tel Aviv, que descredibiliza esses mesmos dados, a pasta da Saúde na Palestina passou a informar em seus últimos relatórios que as estatísticas dos escritórios em Gaza têm sido supervisionadas pelo Ministério da Saúde em Ramallah, na Cisjordânia, território governado pela ANP, e não pelo Hamas.

Segundo a  Organização Mundial da Saúde (OMS), o Hospital Al Shifa, no norte da Faixa de Gaza, enfrenta uma situação desoladora de "banho de sangue" devido aos ataques aéreos israelenses. A organização afirma que há "escassez de água limpa e alimentos" no hospital que, antes da guerra, era o principal centro médico da região.

A entidade e outras agências da ONU enviaram uma delegação a Gaza. A ministra da Saúde palestina, a médica e diplomata Mai Al-Kaila, chamou de "catástrofe" a situação, agravada, segundo ela, pela incapacidade dos hospitais e demais centros de saúde de fornecer tratamentos aos feridos – tanto aos atingidos diretamente na guerra quanto àqueles com doenças crônicas e outras enfermidades –, devido a escassez de suprimentos médicos e combustível.

Conflito de décadas

Em 1947, a proposta da ONU delineou a criação de dois estados na região: Israel como um  Estado judeu e a Palestina, composta pela Cisjordânia e Faixa de Gaza, como um Estado árabe. A aceitação pelos judeus contrastou com a rejeição dos palestinos, que contestaram a distribuição desigual de terras e recursos.

A proclamação do Estado de Israel em 1948 desencadeou a Guerra Árabe-Israelense, resultando na ocupação da Faixa de Gaza pelo Egito e na redefinição de fronteiras. Em 1967, a Guerra dos Seis Dias levou Israel a tomar a Cisjordânia, Jerusalém oriental e a Faixa de Gaza, forçando cerca de 500 mil palestinos a fugirem.

A 1ª Intifada (termo do árabe que é usado para se referir a uma revolta popular em um contexto de opressão) em 1987 marcou uma revolta palestina contra as ocupações israelenses. Em 1993, a Autoridade Nacional Palestina foi criada para administrar territórios palestinos, embora a ocupação israelense persistisse. Ao longo dos anos, a ANP perdeu legitimidade devido a questões como a estagnação do processo de paz e acusações de corrupção.

A 2ª Intifada ocorreu em 2000. Cinco anos depois, Israel desocupou a Faixa de Gaza, enquanto em 2006 o braço político do Hamas venceu as eleições na região. Em 2007, o Hamas assumiu inteiramente o controle da Faixa de Gaza.

Em 2012, a ONU reconheceu a Palestina (Faixa de Gaza e Cisjordânia) como um Estado observador não-membro, abrindo caminho para o reconhecimento formal, que ainda não ocorreu. O conflito persiste, deixando um rastro de desafios, interesses geopolíticos e humanitários não resolvidos na região.

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