Nesta segunda-feira (11), o presidente Lula recuou de falas polêmicas em relação ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que ele convidou para vir ao Brasil em 2024, prometendo que ele não seria preso pelos crimes de guerra dos quais ele é acusado - e tem mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
“Se Putin decidir ir ao Brasil, quem toma a decisão de prendê-lo ou não é a Justiça, não o governo nem o Congresso Nacional”, disse o presidente após a enxurrada de críticas recebidas tanto pelo meio político quanto pelo porta-voz do Tribunal de Haia, que afirmou que o presidente tem a obrigação de cooperar com a Corte internacional, por ser um dos países signatários do Estatuto de Roma.
Após o episódio, Lula afirmou que o Brasil vai repensar sua participação no Tribunal, por considerar “um absurdo” que países emergentes participem de algo que em teoria os prejudica.
“Quero muito estudar essa questão desse Tribunal Penal [Internacional], porque os Estados Unidos não são signatários dele, a Rússia não é signatária dele. Então, eu quero saber por que o Brasil é signatário de um tribunal que os EUA não aceitam. Por que somos inferiores e temos de aceitar uma coisa?”, declarou o presidente.
Apesar de apresentar uma boa popularidade durante o primeiro ano de seu terceiro mandato, Lula também tem irritado muitas pessoas de todos os lados do espectro político desde que voltou à Presidência da República.
Relembre, a seguir, algumas falas e atitudes de Lula que causaram polêmicas no Brasil e na política externa:
Voto secreto no STF
No início de setembro, Lula estava fazendo uma transmissão ao vivo nas redes sociais quando defendeu que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam secretos
, com a divulgação apenas dos placares das decisões da corte, com o objetivo de reduzir a “animosidade” da população contra os ministros da Corte.
“A sociedade não tem que saber como votam os ministros. Esse país precisa respeitar as instituições. Não cabe ao presidente da República gostar ou não de uma decisão da Suprema Corte. A Suprema Corte decide, a gente cumpre. Cada um que perde fica com raiva, cada um que ganha fica feliz. Pra gente não criar animosidade, temos que começar a pensar se não é o jeito de mudar o que está acontecendo no Brasil”, disse o presidente.
A afirmação, que se baseia no funcionamento de tribunais semelhantes de outros países, contraria a Constituição brasileira. A afirmação gerou uma quantidade enorme de críticas de especialistas, entidades do Direito, de políticos e de ministros e ex-ministros do STF.
Lula defendeu essa ideia em meio às polêmicas em torno dos votos do ministro Cristiano Zanin, primeiro indicado pelo presidente para a Suprema Corte em seu terceiro mandato, que tem irritado a base eleitoral de Lula por decisões consideradas conservadoras.
“Conceito de democracia é relativo”
Em junho, o presidente da República foi questionado sobre sua relação com o governo da Venezuela durante uma entrevista, mais precisamente sobre o motivo de Lula não classificar Nicolás Maduro, atual presidente do país vizinho, como um ditador.
“A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. A Venezuela, desde que o Chávez tomou posse… O conceito de democracia é relativo para você e para mim. Eu gosto da democracia, porque ela me fez chegar à Presidência pela terceira vez e a exerço na sua plenitude, tá!?”.
Apesar de o regime venezuelano realizar eleições, diversas organizações internacionais denunciam violações de direitos humanos na gestão de Maduro, que é investigado pelo Tribunal Penal Internacional de Haia por perseguir, prender e torturar milhares de opositores desde 2017.
Lula também sugeriu que a rádio responsável pela entrevista mandasse “uma equipe” à Venezuela para “fiscalizar” as eleições que estão previstas para 2024. A resposta do jornalista Rodrigo Lopes, que entrevistava Lula, foi uma afirmação de que foi à Venezuela três anos atrás e acabou preso.
Em maio, Lula recepcionou Maduro no Palácio do Planalto e fez “afagos” ao político, afirmando que as acusações de que o país vive uma ditadura fazem parte de uma “narrativa negada”.
“Todo mundo sabe o que eu falo e todo mundo sabe o que eu penso. Em política, toda vez que você quer destruir um adversário, a primeira coisa que você faz é construir uma narrativa negativa dele”, disse.
Miscigenação e escravidão
No mês de março, durante uma visita à reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, Lula disse que apesar de ser algo terrível, a escravização de pessoas negras no Brasil teria trazido a miscigenação
, que seria “uma coisa boa”.
“Toda desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação da mistura entre indígenas, negros e europeus, que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, que gosta de dança, que gosta de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para sustentar a sua família e não viver de favor de quem quer que seja", afirmou.
Muitos ativistas e historiadores usaram as redes sociais para explicar que a miscigenação no Brasil, na verdade, é fruto da violência e do estupro de mulheres negras e indígenas — não de um processo harmônico e pacífico. Também reforçaram que não há saldo positivo na escravidão.
Numa situação mais recente, Lula estava em visita a Cabo Verde quando agradeceu aos países africanos “por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão”.
“Problema de parafuso”
Lula também ofendeu pessoas com deficiência e/ou problemas de saúde mental ao chamar essas questões de “problemas de desequilíbrio de parafuso" durante anúncio de investimentos na segurança de escolas após um ataque levar à morte de crianças numa creche em Blumenau.
“A OMS [Organização Mundial da Saúde] sempre afirmou que, na humanidade, deve haver 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode uma hora acontecer uma desgraça”, disse o presidente.
Após uma quantidade muito expressiva de críticas, o presidente veio a público por meio de sua conta no Twitter para se retratar. "Gostaria de pedir desculpas sobre uma fala que fiz na semana passada, durante reunião sobre violência nas escolas. Conversei e ouvi muitas pessoas nos últimos dias e não tenho vergonha de assumir que sigo aprendendo e buscando evoluir”, disse o chefe do Executivo Nacional.
"É por isso que quero me retratar com toda a comunidade de pessoas com deficiência intelectual, com pessoas com questões relacionadas à saúde mental e com todos que foram atingidos de alguma maneira por minha fala."
Lula também se desculpou pela associação que sua fala fez entre deficiências mentais e a violência. "Não devemos relacionar qualquer tipo de violência a pessoas com deficiência ou pessoas que tenham questões de saúde mental. Não vamos mais reproduzir esse estereótipo. Tanto eu quanto nosso governo estamos abertos ao diálogo."
Responsabilidades pela Guerra na Ucrânia
Em abril, Lula concedeu uma entrevista coletiva durante uma visita à Arábia Saudita, e afirmou que tanto a Rússia quanto a Ucrânia - que foi invadida - têm responsabilidade pela guerra iniciada em 24 de fevereiro de 2022. “Eu penso que a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra, porque a decisão da guerra foi tomada por dois países”, afirmou o presidente brasileiro.
Anteriormente, em visita à China, Lula sugeriu que Estados Unidos e a Europa contribuem para a continuidade da guerra, pedindo que os países “parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz".
O presidente foi internacionalmente criticado, tanto pelos Estados Unidos como pelos países da União Europeia . Depois, quando estava em Portugal, Lula tentou corrigir o erro afirmando que o Brasil condena as ações da Rússia na Ucrânia, sem igualar as responsabilidades de ambas as nações.
"Nunca igualei os dois países porque sei o que é invasão e integridade territorial. Todos nós achamos que a Rússia errou e já condenamos em todas as decisões da ONU”, disse o presidente.