O relatório da Polícia Federal que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 36 pessoas por planejar um golpe de Estado aponta que, sob o comando do general Augusto Heleno , o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) intimidou delegados que atuaram em inquéritos no Supremo Tribunal Federal ( STF ) ligados a Bolsonaro.
A tática de intimidação, que foi usada primeiro em investigadores e depois replicada nos delegados, consistia em pressionar os agentes da PF com o argumento de que poderiam ser presos por cumprir "ordens ilegais" — ou seja, que atingissem os aliados de Bolsonaro.
Trechos da investigação da Polícia Federal sobre a trama golpista mostram que o general Heleno elaborou uma estrutura de novo ordenamento jurídico, a ser atualizado com a manutenção de Bolsonaro no poder. As informações sobre o plano foram encontradas pela PF em uma agenda de Augusto Heleno.
As anotações trazem informações de ordens ilegais, como "prisão em flagrante do delegado que se dispuser a cumprir". Além das intimações e exposições que os delegados sofreram nas redes sociais em setembro de 2024 — processo que embasou a decisão de suspender a rede X do Brasil por ela não retirar do ar os perfis que articularam e replicaram os ataques —, houve até mesmo tentativa de suborno e ameaça de morte a uma delegada.
Na agenda de Heleno, foi exposta uma nova configuração jurídica para ser adotada pós-golpe, que incluía a AGU (Advocacia-Geral da União) como revisora das ações da PF. "Em conclusão, o documento descreve que o delegado seria preso em flagrante, em caso de cumprimento de ordem judicial, que fosse declarada inconstitucional pela AGU, com força vinculante, após aprovado do presidente da República", informa o relatório da PF.
AGU iria interferir na PF
Segundo a investigação da PF, na nova configuração desenhada por Heleno que mantinha Bolsonaro no poder, a AGU seria revisora das ações da PF antes que a instituição desse cumprimento a uma decisão do Judiciário.
"Os elementos de prova não deixam dúvidas de que a organização criminosa estava elaborando estudos para de alguma forma tentar coagir integrantes do sistema de persecução penal para que as investigações contra seus integrantes fossem cessadas, ainda que pela aprovação de verdadeiras aberrações jurídicas, como um parecer administrativo declarar uma ordem judicial inconstitucional, colocando a AGU como órgão revisor de decisões jurisdicionais, fato não abarcado pela Constituição Federal de 1988", diz o relatório.
Interferência no STF
Um plano para tirar a autonomia de delegados da PF também foi cogitado por Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na gestão Bolsonaro. Ramagem propôs ao ex-presidente a ideia de que todos inquéritos que tramitassem no STF fossem de responsabilidade do diretor-geral da PF.
"A mesma linha de atuação identificada nas anotações de Alexandre Ramagem para coagir a Polícia Federal a não cumprir ordens emanadas pelo Poder Judiciário, sob pena de crime de abuso de autoridade e até prisão em flagrante da autoridade policial, também foi identificada no material apreendido em poder de Augusto Heleno", informa o inquérito.
Para a PF, o general Heleno, assim como Ramagem, participaram de esquema para desacreditar as urnas eletrônicas e esvaziar o poder dos investigadores da corporação.