O relatório final da CPI do 8 de janeiro, divulgado em outubro do ano passado, falou sobre o desmantelamento do sistema oficial de informações da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e que "esse enfraquecimento foi proposital e está diretamente associado à tentativa de criação de um órgão paralelo de inteligência ― a “Abin paralela” ―, comprometido unicamente com os interesses do então presidente da República."
A relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), afirmou no documento que as investigações revelaram que não houve um "apagão de inteligência", mas "o desvirtuamento, o enfraquecimento e o desmantelamento de um sistema de inteligência que, se tivesse sido levado a sério, poderia ter evitado os acontecimentos do dia 8 de janeiro."
"Verificou-se que o sistema brasileiro de inteligência sofreu, a partir da gestão de Jair Bolsonaro, um contínuo processo de informalização: em lugar de utilizar uma rede confiável de distribuição de informes de inteligência, com destinatários definidos e responsabilizáveis pelo processamento dos dados, as informações passaram a circular em grupos de WhatsApp , que não ofereciam nenhuma garantia quanto à confirmação do recebimento das mensagens, nem envolviam protocolos de tomada de decisão", escreveu.
Abin alertou sobre 8 de janeiro
No relatório final sobre os atos golpistas, também apontou que a Abin emitiu diversos alertas a respeito das convocações para as manifestações.
"Às vésperas do Oito de Janeiro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) emitiu inúmeros alertas sobre as convocações para as manifestações, bem como sobre bloqueios em rodovias e outras situações de risco. Os alertas foram difundidos para vários órgãos federais e distritais, e informavam sobre o caráter violento das mobilizações. Foram solenemente ignorados."
Alertas de informações em grupos de WhatsApp
Ainda dentro do relatório final da CPI, é possível entender que uma das atribuições da Abin é "produzir e difundir, para os integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) [...] informações e conhecimentos de inteligência sobre assuntos de interesse do Estado [...]."
Isso aconteceria por meio de Relatórios de Inteligência (Relints). Esses relatórios, geralmente criptografados, podem ser difundidos por meio eletrônico em canais
institucionais previamente estabelecidos, mas as informações apontam para uma comunicação paralela.
"[...] A partir de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, a Abin, então dirigida pelo policial federal Alexandre Ramagem , subordinado ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno , passou a utilizar, prioritariamente, de uma estratégia mais “informal” para a difusão de informações: grupos de WhatsApp, em que eram difundidos 'alertas'[...]", descreve o documento.
Alertas no grupo 'Consisbin'
O relatório do 8 de janeiro descreve que durante esse período, os 'alertas' não eram "tratados com profundidade do ponto de vista institucional, sendo apenas “indicativos” de eventos possíveis, espécie qualificada de 'fofoca institucional'."
Sendo assim, para a relatoria, isso aponta "o grau de desorganização e irrelevância a que chegou a Abin. O próprio ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, general Augusto Heleno , disse, a esta CPMI, que não lia os informes da Agência", escreve.
Embora não tenha produzido nenhum relatório de inteligência no período, informações apontam que a Abin difundiu cerca de três dezenas de alertas nos dias que antecederam o 8 de Janeiro . Os alertas mencionavam as convocações para as manifestações, bloqueios em rodovias e outras situações de risco.
Esses alertas foram difundidos, principalmente, para o grupo de WhastApp “Consisbin”, criado em 23 de novembro de 2019 e administrado pela própria Abin. Do grupo participam representantes dos seguintes órgãos:
- CIE (Centro de Inteligência do Exército);
- CIM (Centro de Inteligência da Marinha);
- AID/MD (Assessoria de Inteligência de Defesa do Ministério da Defesa);
- DINT/SEOPI (Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça);
- ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres);
- MINFRA (Ministério da Infraestrutura);
- Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) .
Apesar de usar o mesmo nome, nesse grupo, não estavam todos os órgãos do Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência (Consisbin), regulado pelo Decreto nº 9.881, de 27 de junho de 2019, assinado pelo então vice-presidente Antônio Hamilton Martins Mourão.
Esse cenário é descrito pelo relatório divulgado em outubro de 2023 como revelador do "caráter “artesanal” do processo, e adiciona elementos que assinalam a desinstitucionalização dos procedimentos do órgão central de inteligência."