Há um ano, os prédios do Congresso Nacional, Planalto e Supremo Tribunal Federal eram invadidos por milhares de pessoas em Brasília . Na tarde daquele domingo, 8 de janeiro, as sedes dos Três Poderes foram depredadas por aqueles que vestiam verde e amarelo. Pichações, destruição e até fezes humanas foram encontradas.
Vândalos destruíram obras de arte, computadores, televisões, cadeiras, mesas e outros móveis. Segundo um balanço feito pela Coordenação-Geral de Gestão Patrimonial da Presidência, 24 obras de arte danificadas pelos invasores. Somando toda a devastação, o prejuízo foi de 4,3 milhões de reais somente no Palácio do Planalto. Se considerado os outros Poderes, a conta passa dos 21 milhões de reais.
O motivo era um: o descontentamento com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais ocorridas em outubro de 2022 . Os invasores acusavam, sem provas, que o pleito fora fraudado e pediam por intervenção federal por meio das Forças Armadas. Com a bandeira do Brasil nas costas, a raiva de uma derrota passou a inflar essas pessoas contra os Três Poderes.
Desde que Lula foi eleito, houve manifestações contra a eleição do petista. Ruas e avenidas foram bloqueadas e formaram-se aglomerações em frente a quartéis do Exército em várias regiões do país . A maior concentração dessas pessoas aconteceu justamente em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.
Para o cientista político Antônio Lavareda, “houve um projeto para realizar o 8 de janeiro.
"Não foi uma coisa específica, faz parte de um processo mais amplo, que tinha um conteúdo nitidamente regressivo”, diz Lavareda.
“O 8 de Janeiro começa quando Jair Bolsonaro se afasta do país e ocorre a troca de poder, a posse do novo presidente e, obviamente, você sai do período de projetos de autogolpe e sobra o último projeto dos quartéis pedindo a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral para anular a eleição presidencial de 2022. Então você sai daquela quadra e ingressa num período que você tem um presidente eleito, que tomou posse, aí se produz uma manobra cujo intuito era realizar um golpe de Estado por meio do estímulo aos militares para que assumissem o comando do país”, analisa.
A invasão
A invasão ocorreu das 15h até às 18h20 do domingo de 8 de janeiro. Os extremistas marcharam até o Palácio do Planalto e se agruparam no local por 2 horas, quando enfim, centenas furaram o bloqueio de poucos militares e em 10 minutos começaram a depredar o Congresso Nacional.
Às 15h30, a Polícia Militar do Distrito Federal tentou conter os golpistas lançando as primeiras bombas de gás. Flávio Dino se pronunciou 13 minutos depois, afirmando ser uma invasão absurda e pediu reforços.
Com pouca efetividade das Forças Armadas, os extremistas, às 15h50, invadiram o Palácio do Planalto. Com a diferença de 10 minutos, os vândalos invadiram também a sede do Supremo Tribunal Federal, local mais depredado dos Três Poderes.
A Força Nacional, o reforço solicitado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, chegou às 16h25 na Esplanada e tentou conter os milhares de golpistas.
Até às 18h, horário dos últimos atos dos extremistas, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), demitiu o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que a Procuradoria da República do Distrito Federal abrisse uma investigação contra os atos, o presidente Lula decretou intervenção federal no Distrito Federal e nomeou Ricardo Capelli como interventor da segurança do DF.
Às 18h20, os golpistas atearam fogo em frente ao Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, a polícia do Distrito Federal começou a prender os radicais e retomar os prédios públicos.
Como Lula reagiu?
O presidente Lula estava em Araraquara, interior de São Paulo, cidade que foi devastada pelas fortes chuvas na época. Ele embarcou para o estado paulista às 14h e a sede dos Três Poderes foi invadida uma hora depois. Assim que tomou conhecimento da invasão, ele retornou à Brasília e visitou o Planalto, o Congresso e o STF na noite do ocorrido.
Lula decretou intervenção federal na área de segurança pública do Distrito Federal até 31 de janeiro . Para o chefe do Executivo, o idealizador dos atos foi o ex-presidente Jair Bolsonaro porque “passou quatro anos instigando o povo a ter ódio”.
"Não tenho dúvidas de que ele tentou dar um golpe. Isso ia acontecer desde o primeiro dia da minha posse, mas como era muita gente, esperei uma semana. Eu vi tudo pela televisão, eles assaltaram o Palácio do Planalto, houve descaso de quem estava assistindo e entraram no Congresso Nacional, no STF e no Palácio. Agora tem gente na cadeia", afirmou Lula ao El País.
Para Antônio Lavareda, Lula reagiu de forma adequada aos atos golpistas.
“Ele agiu corretamente na medida que convocou a direção e os outros poderes, Judiciário e Congresso. Ele chamou também governadores e prefeitos das capitais e todos juntos reagiram prontamente àquela tentativa de golpe”, disse o especialista.
No dia 9 de fevereiro, Lula reuniu todos os 27 governadores do país e junto com os ministros, caminharam simbolicamente de braços dados pelos locais depredados.
Quem são os culpados?
No dia mesmo dia da invasão, 2,1 mil pessoas foram presas. Deste número, 66 ainda seguem detidos, um ano depois dos atos.
Até o momento, 30 pessoas foram condenadas a penas que variam de 13 a 17 anos de prisão por envolvimento direto neste evento . Eles respondem pelos crimes de golpe de Estado, depredação de patrimônio público, abolição violenta do Estado, dano qualificado e associação criminosa.
O primeiro réu condenado foi Aécio Lúcio Costa Pereira, no dia 14 de setembro. Ele recebeu a pena de 17 anos de prisão, sendo 15 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção, além de 100 dias-multa.
Ainda, o ministro do STF e relator do caso, Alexandre de Moraes, recebeu 1.345 processos do Ministério Público contra os invasores. Destes, 200 ainda faltam ser julgados.
Dentre os que continuam presos, oito já foram condenados pela Suprema Corte; 33 foram denunciados como executoras dos crimes praticados e 25 pessoas seguem presas a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) até a conclusão do inquérito.
Além disso, Moraes acatou 38 acordos de não-persecução penal, que ocorrem quando os réus assumem a participação nos crimes e aceitam pagar multas e outras obrigações.
"Há a necessidade de uma apuração e extensa e aprofundada. Extensa envolvendo todos os atores, aprofundada no sentido de especificar responsabilidade dentro de cada instituição, cujos membros ou alguns dos seus membros tiveram envolvidos naqueles atos, ou mesmo nas tentativas de autogolpe ainda no ano de 2022. Isso é muito importante porque, além do exercício da Justiça, ou seja, além do princípio de que todos os indivíduos que compõem a sociedade tem que ser responsabilizados e punidos por eventuais criminosos que tenham cometido. Essa apuração e essas punições terão uma forte impacto dissuasório, isto é, vão desestimular a curto e médio prazo as pessoas que não valorizam a democracia, que querem por suas ideias, seus projetos e suas vontades a ferro e fogo que não tentem novamente tomar o poder de modo violento", destaca Antônio Lavareda.