Os recentes insultos racistas sofridos pelo jogador brasileiro Vinícius Júnior , do Real Madrid, em jogo válido pela La Liga no último domingo (21) geraram indignação mundial e trouxeram à tona discussões sobre as leis penais espanhola e brasileira, além do princípio da extraterritorialidade.
Ainda na noite de domingo, o presidente Lula (PT) manifestou seu apoio ao jogador e crobrou providências contra o racismo no futebol. Outras autoridades como Anielle Franco, titular do Ministério da Igualdade Racial
e Silvio Almeida, que chefia o ministério dos Direitos Humanos, também se pronunciaram.
Em determinado momento, o ministro da Justiça Flávio Dino (PSB) chegou a cogitar acionar o princípio da extraterritorialidade para punir os envolvidos. O princípio em questão está previsto no artigo 7º do Código Penal, e define que alguns crimes, mesmo quando praticados contra brasileiros no exterior, podem ser punidos de acordo com as leis estabelecidas no Brasil.
O inciso II deste artigo cita os “crimes que Brasil se obrigou a reprimir” por meio de tratado ou convenção, e é exatamente neste ponto onde se encaixa o racismo e as injúrias raciais.
O advogado Eduardo Maurício, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, afirma, contudo, que há algumas condições para que infratores estrangeiros respondam no território brasileiro por seus crimes.
“A punição a esse estrangeiro nos moldes do princípio da extraterritorialidade só acontece se ele pisar em solo brasileiro”, pontua. Ele ressalta que essa penalização depende ainda de fatores como o crime abordado também ser passível de punição no país onde foi cometido, bem como estar entre aqueles que a lei brasileira autoriza a extradição.
Com as barreiras burocráticas para se aplicar a extraterritorialidade, o jurista julga que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou a postura correta em relação ao caso envolvendo o atacante da seleção brasileira.
Além de uma nota oficial conjunta publicada pelos ministérios de Relações Exteriores, do Esporte, da Igualdade Racial, da Justiça e dos Direitos Humanos, a pasta liderada por Anielle Franco também divulgou um comunicado em parceria com o Ministério da Igualdade da Espanha.
“Acredito que o avanço do Brasil no princípio da extraterritorialidade poderia também abalar as questões diplomáticas com a Espanha. Além disso, teríamos de enviar agentes da Polícia Federal para o solo espanhol para fazer uma investigação no país, identificar e ouvir os infratores, o que seria mais uma dificuldade para o governo brasileiro”, complementa o advogado.
Comprometimento do governo com a pauta racial
Flavio Thales Ribeiro, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), também entende que o caminho adotado pelo governo brasileiro de emitir comunicados foi o mais correto a ser seguido, principalmente para forçar as autoridades espanholas a tomar atitudes.
O docente destaca ainda a mudança de postura do Brasil em relação ao governo de Jair Bolsonaro (PL) no que diz respeito à pauta antirracista. Segundo ele, ter ministérios como o da Igualdade Racial faz com que o restante do governo passe a ter um posicionamento mais firme sobre o assunto.
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“É um governo que se propõe a ter uma pauta antirracista, então ele tem uma relação com antirracismo que é contrária à do anterior. Não há dúvida de que, se esse caso do Vini acontecesse no mandato de Bolsonaro, a gente não teria o mesmo impacto de manifestações do Estado brasileiro”, enfatiza o especialista.
O professor enfatiza a importância de nomes como os de Anielle e Silvio Almeida para que as outras autoridades vejam a necessidade de ter um posicionamento mais veemente sobre o racismo diante de uma demanda internacional como essa.
"Exportação" da agenda antirracista
Especializado em pesquisas sobre a diáspora africana, Flavio se diz favorável ao Brasil fazer uma espécie de “exportação” da sua agenda antirracista não só para a Espanha, mas para outros países europeus que também precisam entender como se desdobram os mecanismos contemporâneos do racismo.
“É um problema não só da Espanha, mas também da França e da Itália, por exemplo. São países que entendem que, por não terem mais uma relação colonial com africanos, asiáticos ou latino-ameriacnos, o racismo ficou para trás. E eles têm uma dificuldade de reconhecer como os mecanismos do racismo contemporâneo se reproduzem no próprio país, principalmente contra imigrantes que são racializados”, afirma o professor.
De acordo com ele, mesmo que as estruturas coloniais tenham sido desmontadas há décadas atrás, a mesma lógica de superioridade em relação às populações de outros continentes ainda se faz presente em grande parte dos países da Europa.
“Esse é o grande ‘x’ da questão: você tem um país que carrega uma herança colonial. O projeto colonial ficou para trás, a estrutura institucional colonial ficou para trás, mas a representação, a mentalidade colonial que tem como base a raça continua sendo reproduzida. Na medida em que essas levas de fluxos de imigrantes não europeus e não brancos vão se reproduzindo, cada vez mais isso vai se exacerbando”, finaliza o docente.
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