Há um ano e oito meses à frente da Secretaria Especial da Cultura, Mario Frias deixa o cargo para se dedicar à campanha para deputado federal por São Paulo pelo Partido Liberal (PL). Mais longevo titular da cadeira, o ex-ator e apresentador manteve-se vivo no cargo sobretudo por sua adesão incondicional ao bolsonarismo, transformando a pasta numa das maiores trincheiras ideológicas do governo. De apoio a campanhas não relacionadas à área, como a pauta armamentista, ao endosso ao negacionismo federal no combate à pandemia, Frias tentou se mostrar diariamente em suas redes sociais como um dos mais ferrenhos seguidores de Jair Bolsonaro no Executivo.
A exoneração do secretário foi publicada hoje no Diário Oficial. Com Frias, também sai do governo outro protagonistas da guerra ideológica no setor: Sergio Camargo, que assinou sua filiação ao PL na última terça-feira (29), quando publicou uma foto ao lado de Valdemar Costa Neto, presidente da sigla. Camargo deixa a Palmares, mas desde outubro do ano passado já estava afastado das atividades relativas à gestão de pessoas pela Justiça do Trabalho, após denúncia de assédio moral.
O secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, também já anunciou a intenção de concorrer à Câmara Federal pela Bahia e pode ter sua exoneração anunciada ainda esta semana.
Para o cargo de secretário de Cultura foi nomeado Hélio Ferraz de Oliveira, até então secretário nacional do audiovisual. O substituto de Camargo não foi anunciado.
Frias foi o quinto titular da Secretaria, após outros dois nomes vindos da cultura, mas que tiveram passagens mais breves pela pasta. O ator substituiu a atriz Regina Duarte, que permaneceu por seis meses no cargo, dos quais boa parte trabalhou remotamente de São Paulo, por conta da quarentena contra a pandemia de Covid-19. Antes, a pasta foi comandada por dois meses pelo diretor teatral Roberto Alvim, demitido após parafrasear uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, em um pronunciamento.
Contando com o apoio do deputado Eduardo Bolsonaro (PL), Frias consolidou seu nome junto à ala radical do governo, passando a associar sua figura á do presidente, em cerimônias oficiais e eventos informais. Durante sua gestão, seu discurso mais frequente foi o da "moralização" da Lei de Incentivo à Cultura — ou, no jargão bolsonarista, o fim da "mamata da Rouanet" — que deve continuar como lema de campanha.
Mudanças na Lei Rouanet
Com Porciuncula nomeado para a Secretaria de Fomento em setembro de 2020, Frias empreende uma série de mudanças nas regras para os projetos inscritos na Lei Rouanet. Em julho do ano passado, um decreto alterou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que regula a lei de incentivo, com uma alteração na classificação das áreas culturais contempladas, com uma divisão que incluiu "arte sacra" e "belas artes" como categorias distintas.
Na época, o governo foi acusado de dirigismo por produtores, uma vez que as mudanças ampliavam o poder do secretário de Fomento na aprovação de projetos. Este ano, com a publicação da Instrução Normativa (IN) que oficializou o decreto, outras mudanças foram anunciadas, como reduções no teto dos projetos e nos cachês individuais de artistas.
Mesmo antes das alterações na lei, produtores e artistas já se queixavam da paralisia na aprovação de projetos que já haviam passado por áreas técnicas da Secretaria, alguns inclusive com parte do orçamento já captado. Processos que duravam no máximo 90 dias se arrastavam por meses, e muitos produtores encerraram o ano sem conseguir acessar os valores captados. Tanto as mudanças na lei quanto os atrasos na aprovação dos projetos estão sendo analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamenta) apresentada à Corte pela OAB.
Censura e viagem a NY
Outros cavalos de batalha de Frias e Porciuncula foram ataques a projetos que destinam bilhões de reais diretamente ao setor, sem a anuência da Secretaria, aprovados recentemente por Câmara e Senado, como a permanência da Lei Aldir Blanc como uma política permanente e a criação da Lei Paulo Gustavo — tanto o compositor como o humorista foram homenageados após perderem a vida para a Covid-19. Em uma live com Eduardo Bolsonaro, Frias chegou a insinuar que a morte de Paulo Gustavo não teria sido causada pelo coronavírus.
Além dos embates diretos com produtores e artistas, incluindo situações caracterizadas como casos de censura em audiência realizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão independente da OEA (Organização dos Estados Americanos), Frias deixa a Cultura após duas acusações que quase encurtaram sua permanência na pasta.
Em setembro de 2021, Frias foi questionado por repassar R$ 2,9 milhões do Fundo Nacional de Cultura para o estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal implementarem o projeto Casinha Games, o que equivaleria a mais da metade verba executada pelo FNC em 2020 (R$ 4,74 milhões).
Outra turbulência enfrentada pelo secretário foi a descoberta, em fevereiro, de uma viagem a Nova York feita em dezembro de 2021, na qual Frias teria ido discutir a produção audiovisual com o lutador de jiu-jítsu brasileiro Renzo Gracie, ao custo de R$ 39 mil. A viagem causou mal-estar nos meios bolsonaristas, o que levou ao cancelamento da participação de Frias e Porciuncula na comitiva de Bolsonaro na visita a Moscou e Budapeste, no mesmo mês.
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