A vitória do ex-líder estudantil Gabriel Boric nas eleições presidenciais do Chile
reforçou a aposta do campo progressista de que ventos possam estar 'soprando à esquerda' na América Latina. Isso porque três dos quatro países que compunham a aliança do pacífico estarão agora sob governos ditos de esquerda: Chile, Peru e México. A Colômbia, que completa o quarteto, elegerá um novo presidente em maio, e vê o ex-guerrilheiro Gustavo Petro com chance de ser eleito.
Fora da Aliança do Pacífico, Peru e México elegeram candidatos denominados de esquerda — com muita contestação —, Castillo e Obrador . Enquanto o primeiro se comporta mais como um nacionalista com traços autoritários, o segundo tem feito um governo neoliberal e que recebeu acusações de negacionismo durante a pandemia. Na Argentina, o progressista Alberto Fernández encontra dificuldades para governar. Lula, no Brasil, é o líder nas pesquisas eleitorais . É possível dizer que a América Latina vive um novo ciclo de esquerda, como ocorreu no início do século? Especialistas ouvidos pelo iG discordam.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, não se trata de um fenômeno conjuntural, mas sim um movimento de votos antigovernos, motivados por crises nos governos de direita anteriores junto ao surgimento de novas figuras políticas.
"A vitória de Gabriel Boric resulta de uma resistência popular que teve início com os protestos no Chile desde o fim da ditadura de Pinochet (1973-1990) e o protagonismo da juventude em manifestações como a dos pinguins (secundaristas) e que se somou aos protestos de outubro de 2019. Boric Talvez seja a maior novidade, pois é quem de fato representa o campo progressista. No caso do Peru, o governo de Pedro Castillo está mais para um nacionalismo autoritário do que um governo de esquerda. E no México a imagem de progressista de Obrador é para consumo externo. Internamente ele está aprofundando o neoliberalismo e na pandemia se revelou um negacionista. Não diria que estamos vivenciando na maior parte da América Latina uma nova onda progressista. Estamos, sim, assistindo à derrota da direita em alguns países para candidatos considerados 'novidades'", analisa.
"Já no Brasil e na Colômbia, as pesquisas apontam a vantagem dos candidatos Lula e Gustavo Petro. O colombiano desponta como uma novidade em um país cindido pelos impasses no Plano de Paz e pela atuação da direita radical. A vitória dele dependerá do apoio de outros forças políticas progressistas e até mesmo de parte da direita moderada que apoiou o Plano de Paz. Já no Brasil, Lula está articulando uma ampla aliança para disputar a eleição presidencial. Ele tenta imprimir a ideia de que sua candidatura representa uma transição política. Tenta dar a ideia de ser um governo de reconstrução nacional. O fato é que a vitória de Lula não seria uma vitória do campo progressista como um todo, mas sim uma grande colcha de retalhos. Não sabemos quais serão as principais pautas que ele defenderá e como elas se acomodam nessa arco de alianças", complementa o professor.
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Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que a questão deve ser analisada a partir da situação interna, econômica e política de cada país.
"Particularmente tenho dificuldade em usar os termos onda ou ciclo. De fato, pode acontecer que a eleição de um país, de um progressista ou de um conservador, possa influenciar outro país. Mas, ao meu ver, esse momento em que líderes progressistas se projetam com vitórias ou hipótese de vitórias, ou mesmo Lula no Brasil, não têm muito a ver com um ciclo ou com uma fase. A análise deve ser interna da situação de cada país nos últimos anos, especialmente em relação à pandemia e aquele que ocupa o poder", explica.
"Por exemplo: qual a relação direta que haveria entre o Chile, de Boric, e Lula? O chileno é relativamente novo, parte de movimentos estudantis sociais e chega à presidência. Lula já é bastante conhecido, político que está direta ou indiretamente disputando eleições desde 1989. Uma eventual vitória de Lula tem muito mais a ver com a lembrança do seu governo e a rejeição a Bolsonaro do que algo que aconteceu no Chile ou no Peru. O fato do Trump ter ganhado nos EUA e Bolsonaro no Brasil tem alguma similaridade? Há quem diga que é um desdobramento de uma crise da democracia liberal e de governos com perfis autoritário e liberais, mas eu gosto sempre analisar concretamente cada país sem enquadrá-los em uma categoria previamente definida."
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