A crise na Ucrânia atingiu um novo patamar no início desta semana quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou que o país iria reconhecer a independência de duas províncias separatistas no território ucraniano. Trata-se de Donetsk e Luhanks, situadas na região de Donbass, que faz fronteira com o território russo.
Mas qual a importância dessas cidades em meio à disputa que a Rússia trava com os Estados Unidos e outros países europeus pela zona de influência? O professor do Insper e especialista em Relações Internacionais, Leandro Consentino
, explica que elas são "fundamentais" no conflito por conta da posição geográfica que ocupam e por serem compostas de populações cuja maioria étnica é pró-Rússia.
"Se a gente rememorar em 2014, a Rússia já fez uma ofensiva importante quando a Ucrânia se rebelou contra o seu então líder que era pró-Rússia, o Yanukóvich, e naquele momento o que houve foi que a Rússia invadiu a Crimeia e, de alguma forma, mandou determinadas forças para províncias que tinham maioria Rússia e que contavam com o apoio da população. Essas províncias da Ucrânia eram justamente Donetsk e Luhanks, ou seja, províncias que estão na Ucrânia, mas que têm uma maioria étnica pró-Rússia e que, naquele momento, foram alvo de incursões dos grupos russos", explica Consentino, em entrevista ao iG.
O professor pontua que, dadas as relações históricas e culturais entre os dois países desde o século IX, muitos historiadores consideram as nações um só lugar. O próprio Putin declarou não ver a Ucrânia como um estado independente. Na avaliação do especialista, essa visão está no imaginário dos que passaram pela extinta União Soviética e entendem a Ucrânia como parte "indissociável" da Rússia.
Acordos de Minsk
O presidente Putin também afirmou, na terça-feira (22), que os acordos de Minsk estão encerrados. Firmados com a Ucrânia em 2014 e 2015, com mediação da França e da Alemanha, esses acordos previam uma trégua nos conflitos e a execução de um plano de reintegração de regiões separatistas no leste ucraniano.
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Para o professor Consentino, os atos do Kremlin não chegam a destruir esse pacto, mas "debilitam fortemente" os termos acordados. "De alguma forma, deixa eles virando letra morta. É possível restaurar e negociar diplomaticamente, mas de fato cruzam linhas importantes que fazem com que o acordo não seja mais algo que a gente consiga fiar. É como se houvesse um golpe militar e a Constituição continuasse vigente em determinado país. Óbvio que a Constituição não evaporou, mas foi claramente vilipendiada", analisa.
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Sanções dos EUA
Em resposta às ações da Rússia, o governo dos Estados Unidos anunciou sanções comerciais ao país rival, como o bloqueio de instituições financeiras e do financiamento internacional nos mercados europeus e ocidentais. Quanto a isso, Consentino afirma que há um "duplo efeito negativo", uma vez que as medidas podem acirrar os ânimos e não possuem efetividade suficiente para conter a escalada da crise.
A tensão chegou ao estágio atual depois que o governo russo deu início a exercícios militares na região fronteiriça com a Ucrânia. Os Estados Unidos dizem que Putin pretende invadir o território vizinho a qualquer momento, considerando ainda o envio de tropas para as províncias de Donetsk e Luhanks como o “início da invasão”.
Já a Rússia, que não assume esse plano, age para combater uma eventual incorporação da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), braço armado do Ocidente construído para se opor à União Soviética. No centro dessa disputa, o parlamento ucraniano aprovou um decreto de estado de emergência para todo o país após sugestão do presidente Volodymyr Zelensky.
Posicionamento brasileiro
Diante desse cenário, o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou Putin para discutir assuntos comerciais na semana passada. A visita, contra-indicada por especialistas por conta da crise internacional, irritou o governo americano após o chefe do Executivo nacional declarar solidariedade ao governante russo.
Ainda assim, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) ressaltou, nesta quarta (23), que o Brasil não deve reconhecer a independência de Luhanks e Donetsk . O Itamaraty também recomendou que brasileiros na Ucrânia evitem essa região .