Na última sexta-feira (24), a Suécia registrou 78.997 casos da Covid-19 e tem 5.697 óbitos. Apesar de parecer pouco, se comparado ao Brasil, o ritmo de crescimento da pandemia na região é rápido e tem chamado atenção. O país tem uma média de 499,1 mortes por milhão de habitantes, um índice seis vezes maior do que a média dos outros 27 países da União Europeia.
Com esses números, a Suécia fica em segundo lugar entre países que registram altas taxas de casos por milhão, perdendo apenas para Luxemburgo.
O desespero quanto ao cenário do país é tanto que países vizinhos, que conseguiram controlar o cenário com paralisações, como Dinamarca, Finlândia e Noruega, fecharam suas fronteiras com a Suécia por tempo indeterminado.
O governo sueco e a Agência de Saúde Pública, que tem trabalhado como centro de contingência no país, em nenhum momento implementou medidas restritivas à população. Escolas, faculdades, restaurantes, bares e cafés são alguns dos serviços que continuam em funcionamento normal.
Essa lógica vem preocupando autoridades ao redor do mundo, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que alertou sobre “forte ressurgimento” da Covid-19 no fim do mês passado.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também chegou a afirmar que o país passa por um “momento terrível” , comparando a situação da Suécia com a do Brasil. Por outro lado, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido), vê o governo sueco como exemplo de combate à pandemia .
A postura da população sueca em relação às decisões do governo é de seriedade e confiança.
A brasileira Doris Andersson, 53, explica que, mesmo com restaurantes e estabelecimentos abertos em tempo integral e sem adoção de medidas restritivas, a própria população optou pelo isolamento social e reduziu o deslocamento e permanência em locais aglomerados.
Doris mora na cidade de Skövde, localizada na província de Västra Götaland — a segunda mais afetada depois de Estocolmo, com 16.873 casos e 2.366 mortes.
Segundo ela, essa “cooperação” acontece pela relação de confiança entre a população e o governo.
“O governo passa a responsabilidade para o cidadão. Isso significa que o governo sabe que o cidadão vai seguir suas recomendações”, diz.
Seguindo essa cultura da confiança nas autoridades, não recorreu aos cidadãos fazer questionamentos ou cobranças ao governo por medidas mais rígidas. “Isso porque as pessoas acreditam que elas próprias devem ter a liberdade de escolha, e não ter uma restrição de ‘fique em casa’”, explica Doris.
Medidas adotadas
Apesar de não colocar sua população em quarentena, o governo incentiva que a população não saia de casa, a não ser por motivos essenciais ou para ir ao trabalho. Sendo assim, o movimento partiu dos próprios cidadãos.
No entanto, com a chegada do verão, mais grupos de pessoas podem ser vistos quebrando o isolamento, seja para relaxar nos lagos, passar tempo em grupo em praças ou ir para os bares. Até mesmo um parque aquático local abriu as portas para visitantes.
Doris explica que o país adotou medidas de distanciamento em locais públicos similares às do Brasil, como instalação de barreiras entre funcionários e clientes em supermercados, faixas de distanciamento em filas e disponibilização de álcool em gel em locais públicos.
No entanto, o uso de máscara não é obrigatório. “O governo acredita que não é efetivo, que é uma falsa mensagem”, explica Doris. No entanto, ela afirma que se sente vulnerável.
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Doris trabalha em uma biblioteca municipal. Suas atividades não pararam e sua escala de trabalho não foi reduzida. “Incentivei meus colegas suecos a usarem máscara, mas a resposta que obtive foi de que não é a recomendação do governo, portanto não precisamos usar”, relata.
“Mesmo que a OMS queira que as pessoas usem, nosso governo não orientou. Por isso, as pessoas não querem usar”, acrescenta.
Testagem
A testagem em massa é algo relativamente novo para o país. O sueco Håkan Andersson, marido de Doris, explica que a população em geral só teve acesso aos testes no início do mês de junho.
Antes, eles eram restritos apenas para profissionais de saúde que trabalham diretamente com pacientes da Covid-19. O boom no número de casos aconteceu na metade do mês de julho, com um aumento de 20%, devido ao aumento da testagem da população.
Segundo ele, a demora seria motivada pela falta de testes de boa qualidade. Håkan ilustra o caso falando da própria irmã: mesmo trabalhando com idosos, considerados grupo de risco, ela não teve direito a realização de testes. Quando finalmente realizou o teste, descobriu que foi infectada. “Ela chegou a fazer três testes, que deram negativo, para o quarto dar positivo”, explica.
Medidas econômicas
A forma como a Suécia tratou a paralisação econômica também se diferencia de outros países, inclusive do Brasil.
Håkan trabalha como técnico da empresa Volvo, uma fabricante de veículos. A escala de produção foi reduzida e ele trabalha apenas dois dias por semana. Mesmo assim, seu salário foi descontado em apenas 7,5%.
“Cortaram só uma pequena taxa do meu salário. Além disso, isentaram a população a pagar alguns impostos. Sinto que compensa, ainda ganho mais do que pelo que estou trabalhando”, afirma.
Mesmo com menos tempo trabalhando, esses funcionários ainda ganham 90% do salário e trabalham 10% de sua carga horária. É o caso de setores que foram diretamente impactados pelo novo coronavírus, como hotelaria e turismo.
Doris explica que outra medida do governo foi a implementação de subsídio para que certos setores pudessem continuar pagando seus funcionários, mesmo de portas fechadas. Assim, algumas puderam paralisar ou diminuir a produção.
“O governo está pagando as empresas para manter as pessoas em casa. Mas não sei por quanto tempo conseguirão manter essa medida”, afirma Håkan.
O Brasil, por outro lado, adotou as parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial, que está a todo instante sob ameaças de corte ou até mesmo de extinção, mesmo antes da pandemia estabilizar. Além disso, o próprio presidente Bolsonaro e seus ministros fazem pressão para a normalização das atividades econômicas.
Postura do governo
Doris afirma que o governo sueco vê a pandemia como um “assunto técnico, e não uma questão política”. “Inclusive teve, de alguma forma, cooperação com a oposição. Agora é que essa relação está um pouco estremecida”, diz.
A brasileira acredita que as autoridades suecas levam o assunto da pandemia com seriedade; e que esses esforços são vistos com positividade pela população.
Durante o período de pico da pandemia no país, que aconteceu entre março e abril, a popularidade do primeiro-ministro do país, Stefan Löfven , chegou a aumentar de 24% a 31%. Segundo Doris, o motivo é o voto de confiança dos suecos.
“O próprio primeiro-ministro está aberto a falar sobre a pandemia. No começo de março, ele disse que era um assunto muito sério, que as pessoas perderiam seus entes queridos e que as recomendações teriam de ser seguidas”, relata Doris.
No entanto, o próprio dono do plano de combate à Covid-19 na Suécia, o epidemiologista Anders Tegnell, afirmou que o país agiu tarde demais . Em junho, Tegnell afirmou ao jornal The Guardian, se tivesse uma segunda chance, optariam por "fazer o que o resto do mundo fez".
Para se ter ideia, a população sueca em 2019 era de 10,23 milhões de habitantes. De acordo com os dados oficiais, 0,7% do total da população foi infectada. No entanto, esses números podem estar subnotificados justamente pela dificuldade do país em realizar testagem em massa desde o início da pandemia.