Homem caminha pelos escombros no distrito de Haret Hreik, no sul de Beirute, em 18 de novembro de 2024
AFP
Homem caminha pelos escombros no distrito de Haret Hreik, no sul de Beirute, em 18 de novembro de 2024


Oriente Médio é um planeta à parte. Entre os nossos vizinhos, acordos não são necessariamente levados a sério e os pares não se comportam conforme o combinado. É um tipo de mundo virado do avesso: o que aparenta pode ser, mas normalmente não é – como esse  acordo de cessar-fogo que Israel e o Líbano selaram na semana passada e que, horas depois de entrar em vigor, foi violado pelo Hezbollah por terra e por ar.

Eita.

Primeiro, os fatos, que não deixam muito lugar pra uma imagem romântica de paz cinematográfica: 1) Os Estados Unidos forçaram um acordo goela abaixo do governo israelense, mediante a ameaça de embargo de armamentos; 2) O Hezbollah, completamente enfraquecido e sem liderança, não tem como manter sua promessa de baixar armas apenas depois que a guerra entre Israel e Hamas  for finalizada – mesmo assim, tenta cantar vitória e dá sinais de que não entendeu completamente que é preciso interromper os ataques. Seja como for, os números não mentem: 80% do arsenal do Hezbollah foi destruído por Israel e o  líder Nasran Nasrallah, no poder desde a criação do grupo terrorista nos anos 1980, foi assassinado, assim como toda a sua liderança (sem contar os cerca de 4 mil combatentes colocados fora de serviço com o ataque realizado por Israel por meio da  explosão de pagers e celulares usados pelos terroristas).

Segundo, o que o acordo prevê que aconteça nos próximos 60 dias?

- Que os combatentes do Hezbollah se retirem da região sul do Líbano (a área entre o rio Litani e a fronteira com Israel)
- Que o Exército do Líbano responda de fato pelo controle dessa região; aliás, coisa que deveria ter feito desde o fim da última guerra entre Israel e Líbano, em 2006, conforme previsto na famosa Resolução 1701 da Organização das Nações Unidas
- Caso o Hezbollah volte a operar nessa área (o que eles já mostraram não estar dispostos desde o primeiro dia pós-acordo), Israel terá legitimidade garantida pelos Estados Unidos para eliminar a ameaça com a força que julgar necessária.

Terceiro, e quanto ao milhão de cidadãos desalojados do sul do  Líbano há 2 meses e os 60 mil do  norte de Israel fora de suas casas há 14 meses? Bem, os libaneses já colocaram as malas no carro para voltar – mas precisam esperar mais 60 dias, até que o exército de Israel termine de evacuar a região. Já os cidadãos do norte de Israel, ao contrário, não estão querendo retornar para casa, pois não acreditam que o acordo será realmente cumprido por seus vizinhos, que durante os últimos 20 anos se prepararam para invadir Israel e deixar um rastro de destruição bem maior do que o deixado pelo Hamas.

Por fim: vá saber o que acontecerá daqui para a frente – afinal, o Oriente Médio é o Oriente Médio. Aqui, as guerras nunca chegam ao fim, uma vez que não há perdedores e vencedores e os acordos provisórios de cessar-fogo apenas preparam o terreno para novos conflitos. Mas sejamos otimistas, porque é isso, só isso, que nos resta.

** Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.

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