O Oriente Médio é um planeta à parte. Entre os nossos vizinhos, acordos não são necessariamente levados a sério e os pares não se comportam conforme o combinado. É um tipo de mundo virado do avesso: o que aparenta pode ser, mas normalmente não é – como esse acordo de cessar-fogo que Israel e o Líbano selaram na semana passada e que, horas depois de entrar em vigor, foi violado pelo Hezbollah por terra e por ar.
Eita.
Primeiro, os fatos, que não deixam muito lugar pra uma imagem romântica de paz cinematográfica: 1) Os Estados Unidos forçaram um acordo goela abaixo do governo israelense, mediante a ameaça de embargo de armamentos; 2) O Hezbollah, completamente enfraquecido e sem liderança, não tem como manter sua promessa de baixar armas apenas depois que a guerra entre Israel e Hamas for finalizada – mesmo assim, tenta cantar vitória e dá sinais de que não entendeu completamente que é preciso interromper os ataques. Seja como for, os números não mentem: 80% do arsenal do Hezbollah foi destruído por Israel e o líder Nasran Nasrallah, no poder desde a criação do grupo terrorista nos anos 1980, foi assassinado, assim como toda a sua liderança (sem contar os cerca de 4 mil combatentes colocados fora de serviço com o ataque realizado por Israel por meio da explosão de pagers e celulares usados pelos terroristas).
Segundo, o que o acordo prevê que aconteça nos próximos 60 dias?
- Que os combatentes do Hezbollah se retirem da região sul do Líbano (a área entre o rio Litani e a fronteira com Israel)
- Que o Exército do Líbano responda de fato pelo controle dessa região; aliás, coisa que deveria ter feito desde o fim da última guerra entre Israel e Líbano, em 2006, conforme previsto na famosa Resolução 1701 da Organização das Nações Unidas
- Caso o Hezbollah volte a operar nessa área (o que eles já mostraram não estar dispostos desde o primeiro dia pós-acordo), Israel terá legitimidade garantida pelos Estados Unidos para eliminar a ameaça com a força que julgar necessária.
Terceiro, e quanto ao milhão de cidadãos desalojados do sul do Líbano há 2 meses e os 60 mil do norte de Israel fora de suas casas há 14 meses? Bem, os libaneses já colocaram as malas no carro para voltar – mas precisam esperar mais 60 dias, até que o exército de Israel termine de evacuar a região. Já os cidadãos do norte de Israel, ao contrário, não estão querendo retornar para casa, pois não acreditam que o acordo será realmente cumprido por seus vizinhos, que durante os últimos 20 anos se prepararam para invadir Israel e deixar um rastro de destruição bem maior do que o deixado pelo Hamas.
Por fim: vá saber o que acontecerá daqui para a frente – afinal, o Oriente Médio é o Oriente Médio. Aqui, as guerras nunca chegam ao fim, uma vez que não há perdedores e vencedores e os acordos provisórios de cessar-fogo apenas preparam o terreno para novos conflitos. Mas sejamos otimistas, porque é isso, só isso, que nos resta.