Na última quinta-feira (28), Tribunal Regional do Trabalho condenou Sergio Hacker Corte Real, ex-prefeito de Tamandaré-PE, e sua esposa, Sarí Mariana Costa Gaspar Corte Real, ao pagamento de uma indenização de R$ 2 milhões à família do menino Miguel Otávio Santana da Silva , que tinha apenas 5 anos quando morreu ao cair do 9º andar do edifício de luxo onde o casal residia no centro do Recife.
Demorou cerca de um ano para que a ação trabalhista por danos morais movida pela família do menino fosse julgada. Além desse processo, a Justiça do Trabalho também julgou outra ação sobre verbas rescisórias (que foram pagas após quase dois anos).
Questionada se a condenação é proporcional ao dano sofrido com as irregularidades trabalhistas e abandono que culminaram na morte de Miguel, a mãe do menino, Mirtes Renata, afirma que não.
“ O dano foi muito grande . Não acho que foi proporcional, mas se o juiz avaliou dessa forma, não posso discordar dele. Sei que não vai trazer meu filho de volta, se trouxesse, eu queria ter toda a fortuna do mundo para ter o meu neguinho de volta. Essas pessoas só sentem o peso de seus atos quando mexe no bolso ”, disse Mirtes.
No próximo dia 2 de outubro, vai fazer 3 anos e 4 meses que Miguel perdeu a vida em um crime ainda não completamente resolvido. Depois de perder seu único filho de forma criminosa ainda na infância, Mirtes Renata se matriculou em um curso de Direito, com o objetivo de lutar por Justiça e pela memória de Miguel, além de ajudar outras famílias que, assim como a dela, precisam de auxílio jurídico.
“É bem difícil estar sem o meu neguinho todo esse tempo. Sem poder abraçar meu filho, dar um cheiro nele, sentir o calorzinho dele. Poder cuidar dele. Pra gente está bem pesada essa ausência de Miguel. Em novembro, Miguel completaria 9 anos de idade. Não vou ver meu filho crescer, ficando adolescente, adulto, me dar netos… Passa tudo isso na mente da gente, é bem doloroso, mas tentamos nos manter de pé”, disse a mãe de Miguel.
Aumento de pena e racismo no Judiciário
Além da causa trabalhista, a família de Miguel também entrou com uma ação no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) pedindo aumento da pena imputada a Sarí por abandono de incapaz com resultado morte . A ex-patroa da mãe e da avó de Miguel chegou a ser presa, mas está em liberdade - mesmo condenada - desde que pagou a fiança.
Na esfera criminal, Sarí Corte Real foi condenada a 8 anos e 6 meses de prisão por abandonar Miguel no elevador. O crime de abandono de incapaz com resultado morte prevê uma pena de 4 a 12 anos de prisão, mas no caso de Sarí, há agravantes que podem aumentar a punição.
A família de Miguel recorreu pedindo aumento da pena, que deveria ser cumprida em regime fechado. “Estamos esperando que os recursos da gente como dos advogados dela sejam julgados. A gente está nesse aguardo” há quase um ano.
“Infelizmente a gente tem um Judiciário racista, classista e sexista que trata os casos de pessoas brancas e negras de forma completamente diferente. O caso do meu filho ainda está em andamento, se fosse o caso de uma criança branca, com certeza estaria resolvido. A gente conhece casos famosos que tomaram repercussão nacional com crianças brancas que já foram resolvidos”, explicou Mirtes Renata Santana de Souza, mãe de Miguel.
Mirtes e sua mãe, Marta Santana, trabalhavam no apartamento do prefeito e sua esposa como empregadas domésticas, mas eram registradas como funcionárias da Prefeitura de Tamandaré. Durante a pandemia de Covid-19, ambas eram obrigadas a trabalhar mesmo com o risco que isso representava à saúde de todos.
Mirtes estava passeando com o cachorro do casal e deixou Miguel aos cuidados de Sarí. A patroa estava fazendo as unhas quando o menino insistiu para ir ver a mãe. Irritada com a insistência da criança, a ex-patroa deixou Miguel sozinho no elevador do edifício.
Perdido e sozinho entre os andares do prédio, o garoto se debruçou sobre uma grade que protegia equipamentos de ar-condicionado para tentar ver a mãe na calçada, e acabou caindo.
Após a tragédia, Pernambuco aprovou a Lei Estadual nº 17.020 em 2020, conhecida como Lei Miguel, que proíbe o uso de elevadores por crianças menores de 12 anos desacompanhadas em todo o estado, além de obrigar a fixação de avisos sobre a legislação nos elevadores.