Denúncia do Ministério Público diz que havia
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Denúncia do Ministério Público diz que havia "intimidade" e "complacência" entre Rafael Alves e Marcelo Crivella

Figura central na investigação do Ministério Público sobre o suposto "QG da Propina" dentro da prefeitura do Rio , o  empresário Rafael Alves é apontado pelos investigadores como uma pessoa "extremamente perigosa e violenta, além de possuidora de contatos e recursos financeiros suficientes para 'encomendar' a morte de qualquer um que enxergue como inimigo".

Os promotores apontam na denúncia que todos os colaboradores ouvidos pelo órgão disseram ter "profundo temor contra possíveis represálias que possam ser orquestradas pela organização, em especial por Rafael Alves ".

O empresário é ex-marido de Shanna Garcia, filha do bicheiro Maninho, morto em 2004. Em 2019, Shanna sofreu um atentado e após isso, os dois se reaproximaram. A relação de Alves com a empresária ficou evidente quando, em março, durante a operação de busca e apreensão em seu apartamento, Agentes da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual (MP-RJ) apreenderam nesta terça-feira joias de Shanna Garcia na casa de Rafael Alves.

A ligação de Rafael Alves com a contravenção e o jogo do bicho é um dos principais temores dos colaboradores ouvidos pelo Ministério Público .

"Seguindo nessa trilha, não se pode olvidar que Rafael Alves é uma figura bastante temida, não apenas pelos colaboradores que firmaram acordos dedelação premiada com o Ministério Público, mas até mesmo por alguns de seus comparsas que, ouvidos em sede policial, externaram grande temor e preocupação coma possível prática de atos violentos caso Rafael Alves se sentisse contrariado", diz trecho da denúncia.

Medo de ser morto na cadeia

É justamente sua ligação com o jogo do bicho do Rio que levou Rafael Alves a pedir para não ser transferido para uma prisão comum ou para o Batalhão Prisional da Policia Militar, conforme revelou o colunista Ancelmo Gois. Durante sua audiência de custódia nesta terça-feira (22), o empresário disse que “seria assassinado em pouco tempo, por ter sido casado com Shanna Harrouche Garcia”.

'Grande reconhecimento por ser genro e sócio de Maninho'

Em sua delação premiada, o também empresário Ricardo Rodrigues contou aos investigadores que foi apresentado a Rafael Alves por Arthur Soares, o Rei Arthur. Segundo o depoimento, Soares apresentou Rafael Alves como um homem de enorme proximidade e intimidade de Crivella e que era uma "pessoa de palavra".

A relação de Rafael Alves com a contravenção foi motivo de elogios pelo Rei Arthur:

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"(Arthur Soares) Destacou ainda que o denunciado Rafael Alves era pessoa 'de palavra', e que era firme no cumprimento dos compromissos assumidos, pois tinha grande reconhecimento dentro e fora do meio político como genro e sócio do falecido contraventor Waldomiro Garcia, o Maninho . Dito isso, garantiu que ninguém se arriscaria a tê-lo cobrando acordos com seu histórico violento", diz trecho do documento.

'Intimidade' e 'complacência' com Rafael Alves: entenda principais pontos

Em trecho da  denúncia enviada pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) à Justiça, os promotores fizeram questão de destacar mais de 20 tópicos que, segundo a investigação, justificam a participação do prefeito do Rio — agora afastado e preso — no esquema do "QG da Propina".

Crivella  responderá em prisão domiciliar , com tornozeleira, por organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva.

Os pontos destacados falam, principalmente, da "intimidade" entre ele e o empresário Rafael Alves, também preso, e a grande influência dele no município do Rio, que começou com a nomeação de seu irmão, Marcelo Alves, à presidência da Riotur. Em diálogos interceptados, o MP destaca a "complacência" de Crivella mesmo com mensagens enérgicas enviadas por Alves.

  • Os promotores destacam depoimentos prestados por Paulo Roberto de Souza Cruz, que revelou pagamentos de antecipação de propina a Mauro Macedo, "historicamente reconhecido como seu tesoureiro de campanha".
  • A nomeação de Marcelo Alves para a presidência da Riotur, antes mesmo de qualquer outro secretário municipal. O acordo com Rafael Alves para que seu irmão fosse colocado no cargo é expressado pelo próprio prefeito em um dos diálogos interceptados pelos investigadores.

Rafael Alves: "Bom dia, prefeito. Sei que está em momentos de decisões importantes, mas eu preciso ser ouvido de hoje pelo senhor de forma clara e objetiva. Estou preocupado demais com algumas coisas. Então peço que o senhor esqueça o amigo Rafael nesse momento e escute com o (...)" (o diálogo é cortado)

Crivella: " Claro que escuto meu amigo. Lembra que lá atrás vc me disse que queria que seu irmão fosse presidente da Riotur. Foi a primeira indicação que fiz. Antes de qualquer secretário. Na ocasião foi tudo que vc me pediu. E atendi. Mas vou lhe ouvir com maior carinho".

  • A permissão para utilização da sede da Riotur como espécie de quartel-general (QG) da propina, onde, de acordo com a investigação, havia até uma sala reservada para que recebessem empresários e negociassem em nome da organização criminosa
  • A livre atuação de Rafael Alves dentro da Riotur, o que, segundo os promotores, permitiu que o empresário direcionasse licitações e fraudasse contratos em benefício dos interesses do esquema.
  • Uma troca de mensagens entre Rafael Alves com o doleiro delator Sergio Mizrahy, onde Alves reclama da demora da conclusão de uma lavagem de dinheiro que, por fim, deveria ser entregue a quem ele chama de "Zero Um". Para os promotores, uma referência clara ao prefeito Marcelo Crivella
  • Os investigadores também destacam o "elevado grau de intimidade" entre Crivella, a quem definem como uma pessoa "normalmente reservada", e Rafael Alves. A denúncia afirma que, quando falava com Alves, Crivella adotava uma postura totalmente contrária. Isso é ilustrado, pela presença do prefeito nas festas de aniversário da filha do empresário, caminhadas matinais no Condomínio Península, reuniões em sua casa depois e antes do horário de expediente, e as centenas de vezes em que Alves foi recebido na sede da prefeitura, na Cidade Nova, e no Palácio da Cidade, em Botafogo, fora de agenda oficial.
  • Os promotores novamente falam sobre a relação de Crivella e Rafael Alves: de acordo com o MP, há registros de milhares de mensagens trocadas por eles, sendo que a maioria delas com conteúdo cifrado "para manter na clandestinidade o objeto de suas conversas", que, ainda segundo a denúncia, sempre teminavam na marcação de encontros pessoais.
  • O Ministério Público também destaca a existência de um "inegável esquema de corrupção" para burlar a ordem cronológica de pagamentos do Tesouro Municipal. Segundo a investigação, a fraude envolvia dezenas de unidades gestoras dentro da prefeitura, o que evidenciaria a necessidade de participação ativa de alguém que detivesse autoridade sobre todas as pastas municipais, ou seja, o prefeito.
  • Pagamentos milionários para as empresas MKTPLUS Comunicação e Ziuleo Copy, que contavam, segundo os investigadores, com a participação direta de Rafael Alves, que sequer trabalha no município.
  • Em documentos levantados pelo MP, Crivella assina de próprio punho a autorização para excepcionalizar e antecipar pagamentos em favor de empresas, segundo o órgão, comprovadamente pagadoras de propina em favor da organização criminosa.
  • Crivella, destacam os promotores, acatou pedidos de Rafael Alves para nomeação em cargos de subprefeito da Barra da Tijuca e presidente da Previ-Rio.
  • O prefeito, diz o MP, chegou a permitir que Alves participasse de reuniões estratégicas com a alta cúpula da administração municipal. Uma delas, ressalta a denúncia, com a presenção da Procuradoria-Geral do Município e da Secretaria Municipal de Fazenda, para tratar da folha do funcionalismo e da dívida ativa municipal.
  • Crivella, afirma a investigação, acatou pedidos feitos por Alves para impedir a demolição da casa do senador Romário e, também, enviou carta à Liesa pediindo para que escolas de samba não fossem rebaixadas no carnaval de 2018.
  • É destaque tabém para os promotores a postura tida como complacente de Marcelo Crivella diante de duras mensagens enviadas por Rafael Alves quando era contrariado. Num diálogo interceptado, o empresário explicita a gravidade de um eventual rompimento daquilo que havia sido acordado antes das eleições e durante o exercício do mandato.
  • O prefeito, diz a denúncia, também se comportou de forma complacente quando Marcello Faulhaber, em mensagens, diz que seu governo é corrupto e que ele sabia de tudo, e também quando Faulhaber revela ter registros de atividades ilegais praticadas por Mauro Macedo.
  • Numa mensagem interceptada, Alves afirma que "deixará bem claro" para Crivella que não busca cargos na administração, mas sim retorno de "todo o seu investimento", o que para os promotores, mostra que o prefeito sabia e concordou, desde o início de sua gestão, ao esquema.
  • Promotores destacam a existência de "ostensivos esquemas de corrupção" instalados dentro da Previ-Rio (contratação do Grupo Assim Saúde) e Riotur.
  • O fato de Crivella ter trocado de número de telefone por pelo menos três vezes ao longo da investigação do MP e da Polícia Civil, também é destacado pelos promotores, que afirmam que o prefeito, no dia da segunda fase da Operação Hades, colocou um chipe antigo em seu celular antes de entregá-lo ao oficial de Justiça, na intenção de atrapalhar a investigação.
  • Em mensagens interceptadas pelo MP e pela Polícia Civil, investigadores destacam a "explícita insatisfação" de Rafael Alves com espaços no governo e ameaça que "revelará fatos gravíssimos que tem ciência", envolvendo supostamente Crivella, sua família e a igreja.
  • Um episódio específico também é tratado pelos investigadores como crucial para expor a ligação entre Crivella e o esquema: a ligação feita pelo prefeito a Rafael Alves no momento da operação Hades na Riotur. Um delegado atendeu, e ouviu Crivella perguntando sobre o que estava acontecendo.
  • Uma mensagem interceptada mostra Crivella desejando boa viagem a Rafael Alves, quando o empresário se dirigia para Miami, para se encontrar com o Arthur Soares, o Rei Arthur, para, segundo a invesstigação, tratar da captação ilícia de valores. Alves chega a mandar uma foto para Crivella de dentro do avião, com a legenda: "Que Deus me ilumine".
  • Por último, destaca-se uma mensagem telefônica fornecida pelo vereador e ex-secretário de Casa Civil de Crivella, Paulo Messina, em que, segundo os promotores, fica clara a interferência pessoal e direta do prefeito para que fosse feito pagamento à MKTPLUS, mesmo após ter sido desaconselhado pelos secretários de Casa Civil e de Fazenda.

Crivella e sua defesa negam as acusações . Após o recesso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve julgar o pedido de habeas corpus feito pelos advogados do prefeito, que alegam que a prisão foi ilegal.

Eles afirmam que a desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita não teria competência legal para decidir monocraticamente pela expedição de um mandado de prisão preventiva em nome do chefe do executivo municipal, já que o ato, ainda segundo os advogados, só poderia ser feito por um colegiado de desembargadores ou pelo presidente do TJ.

No fim da noite da última terça-feira, o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, concedeu a Crivella uma liminar, que permite que ele responda ao processo em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica.

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