Em 6 de setembro de 2018, há exatos dois anos, o então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, sofreu um atentado na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, durante campanha pelas ruas da cidade. Enquanto era carregado em meio à uma multidão de apoiadores, sofreu um golpe de faca na região do abdômen , desferido por Adélio Bispo de Oliveira. O portal iG entrevistou especialistas para analisar como o episódio ainda reverbera no cenário político atual e se poderá ser relembrado nas eleições presidenciais de 2022.
Influência em 2020
Após dois anos do ocorrido, vale indagar se o episódio de 2018 ainda repercute politicamente no Palácio do Planalto.
O cientista político e professor do Mackenzie, Rodrigo Prando, avalia que o governo federal já fez uso do atentado em 2018 quando era propício. Para ele, a narrativa já foi utilizada em 2020 e pode continuar reverberando de acordo com o contexto.
“Durante o governo, em algumas ocasiões, o atentado foi explorado politicamente, como, por exemplo, na crença do presidente Bolsonaro de que Adélio não agiu sozinho e que a Polícia Federal, ou até mesmo o então Ministro Sérgio Moro não havia se empenhado o suficiente para esclarecer o episódio”, afirma.
Já para o professor de relações internacionais, Rodrigo Gallo, da Faculdade Metropolitanas Unidas, acredita que o episódio não tem mais influência sobre o governo atualmente, já que outras pautas mais recentes e urgentes, como a pandemia de Covid-19, têm mais atenção.
“Eu acho que nesse contexto, mesmo o episódio da facada sendo muito significativo, eu imagino que existam outros pontos hoje que, de um modo mais grave, afetam o governo. Nós vivemos um momento muito conturbado economicamente. A crise econômica se soma a uma série de problemas referente a própria forma como o governo tem lidado com a crise sanitária (...) nós temos um contexto de muitas crises envolvendo não só o executivo federal, mas também a relação dele com o legislativo”, diz.
Ele também avalia que, mesmo o episódio da facada tendo sido muito significativo, existam outros pontos hoje que, de um modo mais efetivo, afetam o governo. “Eu acho que a facada e as narrativas construídas em torno daquele episódio ficaram circunscritas ao ambiente da eleição”, completa.
Influência em 2022
Para os especialistas, a próxima eleição será muito mais balizada por aspectos mais recentes do que no episódio da facada. Temas como a pandemia e os impactos na sociedade serão, na visão de Gallo, o que vão dar o tom do próximo pleito.
“Cada eleição acontece dentro de um contexto. A eleição de 2022 vai acontecer em um cenário de pandemia, que tem gerado morte, que tem gerado desemprego, então, provavelmente, nós chegaremos na próxima eleição ainda com um discurso e com debates de rescaldo da pandemia. Até acredito que o episódio da facada possa ser resgatado por Bolsonaro ou outros candidatos em algum momento, mas não acho que será determinante”, afirma.
“Toda eleição tem um aspecto plebiscitário. Na eleição passada, o plebiscito foi contra o sistema, e a próxima vai ser reeleição para Bolsonaro. Diante disso, a facada, que eu avalio não ter sido relevante em 2018, se torna ainda menos relevante”, complementa o sociólogo Alberto Carlos Almeida.
Já o professor e cientista político do Mackenzie, Rodrigo Prando, pensa diferente. Na visão dele, a facada em Bolsonaro pode ser usada como estratégia para relembrar o eleitor da força do presidente e em como ele superou as dificuldades por ser um líder.
“É um fato simbolicamente relevante que se deu em 2018 e qualquer candidato usaria o atentado na construção e consolidação de capital político. Um discurso bem construído e com filmes bem estruturados pode reavivar a memória do eleitor e trazer simpatia ao provável candidato”, afirmou.
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Relembrando o atentado
Bolsonaro foi esfaqueado por Adélio Bispo Rodrigues. Levado imediatamente levado à Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, onde teve constatadas três lesões no intestino delgado e uma lesão nas veias do abdômen, fato que gerou uma forte hemorragia no candidato. Ao todo, Bolsonaro realizou quatro cirurgias para reparar os danos causados no atentado.
Após o ataque, ele precisou se abster para se recuperar dos ferimentos e das cirurgias que precisou fazer. Com isso, não participou mais de comícios ou debates eleitorais
que já estavam previstos para ocorrer. E isso permaneceu até o segundo turno, o que gerou insatisfação por parte da oposição, já que Bolsonaro havia recebido alta do médico para participar dos debates .
Adélio Bispo, autor do atentado, foi preso em flagrante pela Polícia Federal (PF) e conduzido para a delegacia central da cidade. Após investigação, a polícia concluiu que Adélio agiu sozinho no crime.
Em 14 de junho de 2019, o juiz federal Bruno Savino deu a sentença de Adélio, convertendo a prisão preventiva em internação por tempo indeterminado. De acordo com Savino, após análises com psicólogos e psiquiatras, o autor do atentado foi considerado inimputável , que é quando o indivíduo não pode ser sentenciado em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto. Atualmente, ele está preso na Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande.
Logo após o ataque, Adélio foi acusado, diversas vezes, por membros do bolsonarismo, de fazer parte de esquemas ocultos para acabar com a promissora ascensão política do então candidato.
Fake news nas redes sociais
Chegou-se a cogitar sua ligação com o Partido dos Trabalhadores (PT) e a esquerda. Inclusive, foi confirmado que Adélio já havia sido filiado ao PSOL, entre 2007 e 2014. Na época, diversas fotos falsas circularam pelas redes sociais e grupos de mensagens que associavam a imagem do agressor aos partidos de oposição, como uma maneira de enfraquecer ainda mais os opositores de Bolsonaro.
Contexto político na época
A facada no candidato à presidência mexeu com o eleitorado e com os ânimos de boa parte da população. A campanha de Bolsonaro , até aquele momento, vinha galgando espaço nas pesquisas de opinião, mas ainda estava longe de ser unanimidade.
"Até aquele momento daquela eleição, nós tínhamos um candidato que vinha conseguindo obter um certo desempenho nas pesquisas, inclusive capitalizando votos em cima de uma parte do eleitorado descontente com as administrações petistas, especialmente a administração Dilma, mas também dialogando bastante com uma parcela mais religiosa do eleitorado e também a parcela conservadora da população brasileira", diz o cientista político e professor das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Rodrigo Gallo.
Para o especialista, o episódio da facada tornou o nome de Bolsonaro mais comentado e o ajudou a criar uma imagem mais estabelecida na corrida eleitoral . “De qualquer forma, a gente vivia naquele momento um estágio da eleição em que as pesquisas de opinião não indicavam que o candidato Bolsonaro tinha uma margem de aprovação popular tão grande. Então, eu acredito que a facada acabou tornando o nome dele mais evidenciado”, afirma.
Para o sociólogo Alberto Carlos Almeida, entretanto, o episódio da facada não foi determinante para a eleição do atual presidente, haja vista que o voto em Bolsonaro, majoritariamente, foi contra um “sistema”. Apesar disso, o atentado serviu para humanizar o candidato.
“A maioria do eleitorado de Bolsonaro considerava que ele representava o antissistema , então essa foi a razão (de ter vencido a eleição). A facada foi um episódio de campanha, que ali naquele momento deu muita visibilidade midiática. Com isso, Bolsonaro , que tinha aquela imagem dura, rígida, por conta do episódio, passou a ter a imagem de um ser humano normal, mas isso não foi determinante na campanha”, afirmou.