A última eleição geral resultou na maior renovação da história recente do Congresso. Mais da metade dos deputados eleitos iniciou em 2019 seu primeiro mandato na Câmara, situação que, no Senado, aplica-se a 87% dos escolhidos pelos eleitores. Essa renovação passa também pelo rejuvenescimento do Poder Legislativo: na Câmara, um em cada cinco novos deputados tem até 35 anos de idade.
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O surgimento de caras novas (e jovens ) no principal palco da política brasileira levanta o debate sobre o papel que a juventude pode desempenhar não só nesse cenário, habitualmente ocupado por velhos figurões e ‘dinossauros’ de Brasília, mas também em outros celeiros para o engajamento político de expoentes das gerações X, Y e Z.
Hoje aos 19 anos, a estudante Ana Júlia Ribeiro ficou conhecida em todo o Brasil em 2016, quando seu discurso proferido na Assembleia Legislativa do Paraná em meio ao movimento dos secundaristas contra a PEC do teto de gastos e a reforma do ensino médio viralizou. Três anos depois, Ana Júlia não é mais secundarista, mas ainda é militante. “A gente, depois que começa, não consegue parar né?”, resume.
Ana Júlia se envolveu com o movimento estudantil aos 16 anos, durante a ocupação da escola em que estudava em protesto contra as medidas defendidas pelo governo de Michel Temer (MDB). Ela reforça que o movimento era diverso e horizontal, e vê com estranheza o fato de ter virado um símbolo da luta secundarista. “A partir daí, eu não abandonei mais o que seria uma luta pela educação e o que hoje é também um ativismo pela educação. Foi uma forma de desencadear o que viria depois”, ela explica. Mesmo contra sua vontade, Ana Júlia virou referência.
Atualmente, a jovem cursa filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), direito na PUC-PR e trabalha no Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra). É filiada ao PT e continua militando em defesa da educação, mas enxerga mudanças em seu engajamento. “Eu vejo que eu dei um passo a mais na minha atuação política, um passo de amadurecimento.”
Para o futuro, Ana Júlia diz que já considerou ingressar na política institucional e se candidatar para um cargo público. “Tem uma série de coisas que tem que amadurecer, mas não é uma possibilidade que eu descarto.”
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Outro que teve seu primeiro contato com a política na escola foi o hoje vereador pelo DEM em São Paulo Fernando Holiday. Ele conta que ainda no ensino fundamental teve um professor, de esquerda, que incentivava debates dentro da sala de aula, sobre as cotas raciais, por exemplo. “A partir desse debate em específico, eu comecei a me interessar mais por política e fui levado a outros tantos assuntos”, diz. A pauta que engajou Holiday é ainda uma das prioridades do vereador, que se opõe às cotas raciais.
Um pouco mais velho, no fim do ensino médio, Holiday criou um canal no Youtube, onde foi descoberto pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e convidado a participar do grupo que o tornou conhecido, principalmente pela atuação nas manifestações pelo impeachment da hoje ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Naquela época, ele também tornou frequente as idas à Brasília para pressionar congressistas em favor do afastamento da petista.
Segundo ele, ao vivenciar o ambiente do Congresso, percebeu que os políticos que ali estavam, à exceção da esquerda, tinham uma posição ideológica fraca. “Faltavam pessoas que eram liberais convictos ou conservadores convictos. Isso que me incentivou, de fato, a ser candidato e entrar para a política institucional”, explica.
Não é a toa que os caminhos dos personagens carregam semelhanças. Segundo especialistas, jovens tendem a se engajar mais em temas próximos às suas realidades, por isso a educação é uma pauta que costuma ter grande adesão.
Para Rafael Ferraz, especialista em engajamento do Greenpeace Brasil, “a gente acaba caminhando para uma causa porque a gente se sente ou muito solidário a ela, ou sente na pele aquela necessidade”. Ele explica também que é inerente à juventude o ímpeto de mudar as coisas.
Deborah de Mari, pesquisadora nas áreas de gênero e liderança e fundadora do movimento Força Meninas, que trabalha com empoderamento de crianças e adolescentes, afirma que tudo começa com a curiosidade. Ela também explica que, quando uma criança ou um adolescente demonstra interesse por uma causa, é necessário contar com o apoio da família.
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Pautas identitárias
As pautas identitárias também costumam funcionar como porta de entrada para os jovens na militância, uma vez que muitos adolescentes se aproximam da atuação política por meio de coletivos feministas, LGBTs ou negros, por exemplo. “Eu, particularmente, acho ruim a atração do debate por meio de debates que acabam segregando a população”, avalia o vereador Fernando Holiday. Ele, no entanto, diz acreditar que “de uma forma ou de outra, ele está tomando uma consciência e está tomando um posicionamento político, o que é sempre bom”.
Foi a pauta LGBT que levou Geovane Gesteira, de 20 anos, a se engajar politicamente. Ele criou o projeto “Ser-tão Transviado” com o objetivo de promover a educação em direitos humanos para discutir políticas públicas para a população LGBT no interior do Ceará, onde vive.
Ele conta que “sente na carne” o que é sofrer com LGBTfobia no cotidiano e é isso que o motivou a arregaçar as mangas. “Só desta forma que conseguiremos galgar espaços sociais, lugares de poder. Lutando que a vida em abundância se constrói”, diz. “É através do engajamento que nós conseguimos alcançar resultados concretos.”
Geovane afirma que, por enquanto, não pretende se filiar a nenhum partido para se candidatar, apesar de defender que os jovens ocupem mais os espaços de tomada de decisão. Mas resume: “Eu quero me ver hoje e sempre lutando pelo que é justo”.
O jovem tem se engajado mais?
O engajamento dos jovens tem chamado a atenção principalmente após as manifestações de 2013. No entanto, não é consenso entre os especialistas que a participação deles tenha aumentado. Por um lado, Caetano Patta, doutorando em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), defende que a juventude atual tem se mobilizado mais do que nas últimas décadas “ou pelo menos tido um protagonismo maior”.
Para ele, o enfraquecimento dos partidos políticos e dos sindicatos que vem acontecendo ao longo das últimas décadas abriu espaço para outras formas de engajamento político, que têm sido ocupada por essa militância mais nova.
Já para Jandira Queiróz, coordenadora de ativismo e de mobilização da Anistia Internacional, a juventude no Brasil sempre esteve de alguma forma organizada e mobilizada e, além de sempre ter estado presente, costuma ocupar um papel de destaque nas grandes movimentações do país. Da mesma forma, Deborah de Mari entende que “hoje em dia a gente tem a luz nesse ativismo”.
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A relevância da participação da juventude na política
Todos os entrevistados concordam que a atuação política dos jovens, seja ela institucional ou não, é positiva e necessária. Para Rafael, do Greenpeace, um equilíbrio entre a tradição e a inovação é muito benéfico para qualquer causa.
Na opinião de Deborah de Mari, para que as pessoas estejam comprometidas com seu entorno, isso precisa começar desde criança. “Desenvolver adolescentes desde cedo é ajudá-los a crescer com a mentalidade de que eles têm compromisso com a construção do futuro, agindo no presente.” Ela completa que o desafio hoje é levar essa conversa para dentro da escola.
Quem também ressalta a necessidade de envolver jovens na política por meio da escola é o vereador Fernando Holiday, apesar de defender projetos como o Escola Sem Partido. O MBL, inclusive, criou um braço do grupo chamado de MBL estudantil. “A ideia é formar uma militância jovem que seja qualificada para o debate e que entenda de fato aquilo que ela acredita e aquilo que ela defende”, explica.
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Outro projeto de formação de jovens militantes é o Banana-Terra, fruto de uma parceria entre o Greenpeace e a Anistia Internacional, do qual Geovane Gesteira participou. As duas organizações se juntaram para promover a formação política e a formação sobre táticas para a organização e mobilização de jovens. Jandira explica que a juventude precisa estar preparada “para cuidar do seu próprio futuro e ser protagonista na construção da sua própria história”.