Equipe de resgate, nesta terça-feira, na trilha do vulcão, de onde a brasileira caiu
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Equipe de resgate, nesta terça-feira, na trilha do vulcão, de onde a brasileira caiu



As circunstâncias da morte da turista brasileira Juliana Marins, 26 anos, na Indonésia,  geraram comoção e muitos questionamentos em relação aos papéis do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil na prestação de assistência consular à brasileira e do governo indonésio, no resgate.

Juliana Marins caiu em um penhasco durante uma trilha do vulcão do monte Rinjani, na ilha de Lombok, no sábado (21). A família da jovem confirmou a morte dela nesta terça-feira (24).

O Portal iG ouviu especialistas em Direito Internacional, que avaliaram essas duas situações que estão gerando polêmica sobre o caso de Juliana Marins – a atuação do Itamaraty e o resgate coordenado pelo governo da Indonésia.

Cronologia

No domingo (22), drones operados pela equipe de resgate localizaram a jovem sentada a 400 metros do penhasco do vulcão. Neste dia, autoridades da Indonésia informaram ao governo brasileiro que equipes teriam conseguido chegar até ela para entregar água e alimentos. Essa informação, mais tarde, foi desmentida.

A família de Juliana pontuou, nas redes sociais, a dificuldade de se ter informações precisas e confiáveis do governo da Indonésia e da Embaixada do Brasil no país, principalmente nos primeiros dias de buscas.

Na segunda (23), um drone operado por resgatistas chegou até a jovem, que estava imóvel e a 500 metros penhasco abaixo.

Na retomada do trabalho de busca, nesta terça, passados quatro dias de uma operação de resgate marcada por dificuldades causadas pelo mau tempo na região, seu corpo foi localizado. Juliana estava ainda mais abaixo, a cerca de 650 metros da trilha.

Assistência consular

Para o advogado Guilherme Bystronski, a ação do Itamaraty no caso de Juliana Marins seguiu o previsto em lei, respeitando a soberania do país em que a brasileira se encontrava.

Segundo ele, a assistência consular prestada a brasileiros no exterior é regulada por um decreto que trata da lei de imigração e que prevê assistência em caso de acidentes, eventualmente, hospitalização e também casos de falecimento.

O advogado Guilherme Bystronski
Reprodução

O advogado Guilherme Bystronski

“Mas é só assistência. Fica bastante claro nessa legislação que o Brasil não tem obrigação de pagar custos ou eventualmente proporcionar meios para que pessoas que estejam no estrangeiro em situações de perigo sejam resgatadas” , explica ao iG.

Ainda de acordo com o especialista em Direito Internacional, o resgate é responsabilidade do governo local e é preciso respeitar a soberania do país no qual a pessoa se encontra.

“A lei acaba colocando limites em relação ao que o Brasil poderia fazer. Neste caso, parece que a assistência consular, embora não tenha sido suficiente, cumpriu as previsões legais, sem contrariar o direito internacional”, pondera.

A advogada Carla Liguori destaca que Brasil e Indonésia são países que têm cooperação em uma série de segmentos, sendo um deles no trânsito de pessoas, no recebimento de turistas e na proteção desses indivíduos.

“Legalmente falando, a soberania de cada país lhe dá o direito de impor as suas próprias regras dentro do seu território. Então, invadir a Indonésia no sentido de, através da diplomacia, exigir um posicionamento diferente do adotado pelo governo local, a fim de acelerar ou mesmo gerar algum efeito ou uma outra prática, seria ofender a soberania do Estado. E isso não é aceito no direito internacional” , ressalta.

Também segundo ela, o Brasil adotou, dentro dos compromissos internacionais, todas as ferramentas e todos os instrumentos que lhe cabiam.

“O que se viu, ou pelo menos o que se relata oficialmente, é que as condições do local de onde aconteceu o fato impediram as equipes de salvamento e até mesmo o governo da Indonésia de agirem de uma maneira mais eficiente”, avalia.

Questionado pelo Portal iG, por meio de nota, o Itamaraty reafirmou as condolências à família e amigos de Juliana Marins e que a embaixada do Brasil em Jacarta mobilizou as autoridades locais, no mais alto nível, para a tarefa de resgate e vinha acompanhando os trabalhos de busca desde a noite de sexta-feira, quando foi informada da queda no Monte Rinjani.

“Ao final de quatro dias de trabalho, dificultado pelas condições meteorológicas, de solo e de visibilidade adversas na região, equipes da Agência de Busca e Salvamento da Indonésia encontraram o corpo da turista brasileira” .

Responsabilização do governo indonésio

Em relação aos procedimentos adotados pelo governo da Indonésia  durante o processo de resgate, inclusive quanto à informação errônea repassada pelo governo da Indonésia aos representantes brasileiros e à família, Carla Liguori afirma que essas questões devem ser apuradas.

“Primeiro porque, obviamente, isso é um ponto negativo à diplomacia dos países e pode estremecer as relações. Não é o que se espera num mundo de cooperação, especialmente quando o ser humano está em estado de necessidade” , diz ela, apontando também que, “em razão de compromissos e convenções existentes entre os países, se aguarda um posicionamento ativo, no sentido de soluções e até mesmo de proteção a esse estrangeiro”.

“É caso de se apurar até para entender as responsabilidades. Não tenho conhecimento do sistema doméstico da Indonésia para falar em relação a crimes, mas aqui no Brasil nós teríamos uma imputação, não só do guia, mas também dessas autoridades que podem ter se omitido na prestação do dever de socorro” , destaca, defendendo a verificação se realmente existia a possibilidade de prestação de socorro, dentro das circunstâncias.

A advogada destaca, também, que no parque turístico  no monte Rinjani  onde Juliana se acidentou já foi registrada uma série de outros eventos semelhantes, algum deles com óbitos. Pelos relatórios oficiais, segundo ela, foram 180 eventos ocorridos na região, sendo que os últimos 60 foram só no ano passado.

A advogada Carla Liguori
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A advogada Carla Liguori

“E sendo uma turista, certamente a pessoa se coloca numa condição de confiança, entregando não só a sua experiência, mas a sua vida na mão das pessoas locais que certificam esse passeio, que dão essa qualidade de segurança a quem quer usufruí-lo. Isso acontece em todas as regiões do mundo, principalmente no turismo”.

Canais diplomáticos

Na opinião de Guilherme Bystronski, em relação ao resgate, o Brasil pode, nos canais diplomáticos, discutir a situação com o governo da Indonésia para entender exatamente o que de fato aconteceu.

“Ainda se trabalha com muitas ilações, então, é preciso averiguar como tudo realmente aconteceu. Mas, acredito que não há muito o que possa ser exigido pelo Brasil; no máximo a Indonésia estaria obrigada a oferecer um pedido de desculpas. Não podemos esquecer que a brasileira não estava em território brasileiro e que  ela foi de livre e espontânea vontade para a Indonésia, um país que tem soberania. Isso tem que se respeitar. Pode-se, no máximo, eventualmente, afirmar que existem obrigações internacionais, em matéria de direitos humanos, que podem não ter sido inobservadas”.

Bystronski pontua que se trata de um país com recursos escassos. A queda ocorreu em uma região com muitas dificuldades de acesso, em um vulcão ativo.

“Por tudo isso, não vejo muita possibilidade de uma eventual responsabilização do governo da Indonésia”, concluiu.

Prefeito critica resgate

A ação das equipes de resgate da Indonésia também foi criticada  por Rodrigo Neves (PDT), prefeito de Niterói, cidade natal de Juliana Marins, em postagem nas redes sociais, nesta terça.

Ao anunciar o decreto de luto oficial por 3 dias no município pelo falecimento da jovem, o prefeito disse que acompanhou o caso desde as primeiras horas, em contato com a família e com a Embaixada do Brasil em Jacarta, capital da Indonésia.

“E cobrando uma ação rápida das autoridades locais que, infelizmente não aconteceu, dada a absoluta precariedade da estrutura na Indonésia. Diferente do Brasil, que tem o Corpo de Bombeiros profissionalizado, bem treinado, para lidar com situações como essa, a gente viu que lá a estrutura é voluntária, precária e foi completamente insuficiente para fazer o resgate no momento adequado, no momento certo” , criticou o prefeito.

Ele expressou condolências à família e aos amigos e informou que a Prefeitura vai preparar uma  homenagem a Juliana Marins.

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