Representantes da Rússia e Ucrânia durante rodada de negociações em Belarus
Reprodução / Twitter / Embaixada Rússia em Belarus - 03.03.2022
Representantes da Rússia e Ucrânia durante rodada de negociações em Belarus

Após reuniões da última semana,  Rússia e Ucrânia admitiram enxergar chances de selar um acordo de paz para cessar o conflito . As negociações, porém, caminham a passos lentos e as conversas terminaram sem grandes avanços . A guerra no território ucraniano, iniciada em 24 de fevereiro , já entra no segundo mês e acumula grande número de mortos e feridos, além de mais de 3,67 milhões de refugiados , conforme os últimos dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) nesta semana.

As decisões perante os temas discutidos entre as nações gerariam impactos significativos para outros países, não só para Rússia e Ucrânia, como é o caso de uma possível integração do território ucraniano à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — um dos pontos que levou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a autorizar o que chamou de "operação militar especial" na Ucrânia. 

"Em uma situação hipotética, de que a Ucrânia se candidatasse para entrar na Otan e todos os membros aceitassem a candidatura, o território ucraniano passaria a servir de trânsito livre para forças militares dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha, Itália, Espanha, Turquia… De todos os membros da Otan", explica Tito Lívio Barcellos, mestre em ciência política e relações internacionais pela UFF (Universidade Federal Fluminense).

De acordo com Tito, esse movimento criaria um "clima de insegurança" para os russos, um dos motivos pelos quais Putin, insiste que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, exclua a ideia da carta constitucional do país. "Existe uma política dentro da Otan chamada NATO Sharing [ou compartilhamento nuclear], que permite que parte do arsenal nuclear dos Estados Unidos possa ficar abrigado em bases da Otan e ser utilizado em caso de guerra", afirma. "Agora, imagine bases americanas, francesas, britânicas e mísseis sendo baseados em território ucraniano, a menos de 800 km de Moscou, a capital da Rússia. É um desequilíbrio estratégico muito grande."

O presidente russo, segundo o especialista, quer desenhar uma espécie de "linha vermelha" no continente europeu, traçando o que para ele seria a área de influência geopolítica da Rússia da região euro americana. "Colocar a Ucrânia na Otan, ou qualquer país da ex-União Soviética na Aliança, seria visto como uma humilhação para a Rússia, porque colocaria os territórios da parte europeia — que seria a fração russa mais populosa, urbanizada e industrializada — exposta a um rival geopolítico, uma potência que pode assumir atitudes hostis", acrescenta.

"É preciso condenar a guerra, mas existe coerência nas demandas do Putin", diz o geógrafo.

Desde o início do ataque russo, os países da Otan têm se limitado a enviar meios militares para ajudar a Ucrânia, não enviando tropas ou fechando o espaço aéreo, como foi pedido diversas vezes por Zelensky . De acordo com a Aliança, uma maior interferência levaria a uma guerra europeia mais ampla e brutal.

Embora essa tenha sido uma das maiores exigências de Putin desde o início do conflito , Tito pontua que, hoje, não é mais visto como o principal obstáculo para um acordo entre os países.

"Acredito que, agora, haja uma abertura do Zelensky em negociar essa questão, já que ele vê que a Otan não está disposta a aceitá-los tão cedo", explica. "O principal problema é a Ucrânia reconhecer que a Crimeia agora faz parte da Rússia, além de reconhecer as duas repúblicas autoproclamadas [Donetsk e Luhansk] como estados independentes. Dessa forma, o país estaria perdendo três províncias de uma só vez", avalia.

Antes da invasão russa à Ucrânia, Putin declarou o reconhecimento dos territórios de Donetsk e Luhansk, na região de Donbass , onde separatistas pró-Moscou controlam boa parte do território desde 2014. A decisão fez com que a então crise atingisse outro patamar e a tensão de uma possível guerra se agravasse.

Além dos fatores já mencionados, a neutralidade e a desmilitarização da Ucrânia também são discutidas e devem constar em um acordo de paz. Após as últimas reuniões, a Rússia se mostrou disposta a aceitar que o país de Zelensky adote um modelo comparável ao da Áustria e da Suécia . A Ucrânia manteria as Forças Armadas, mas apenas para se defender de possíveis agressões, já que se declararia neutra em conflitos futuros e se comprometeria a não se unir a nenhuma aliança militar ou sediar bases militares estrangeiras.

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Outra condição russa sobre a Ucrânia que também deve constar em um acordo é a "desnazificação”, em geral entendida como uma mudança de regime, substituindo o atual governo por marionetes de Moscou.

Ainda não se sabe se as sanções aplicadas contra a Rússia também fazem parte das discussões e entrariam em um acordo para cessar a guerra.


Mas o fim do conflito está realmente próximo?

Como resposta à investida russa, União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e outros países anunciaram um conjunto de sanções contra Putin , que envolvem desde a exclusão de bancos da Rússia do sistema de transferências financeiras internacionais, o Swift , até a interrupção da exportação de produtos e a restrição da mídia estatal russa de mecanismos de busca.

Desde o início da investida contra a Ucrânia, países impuseram sanções à Rússia
Arquivo cedido ao iG por Tito Lívio Barcellos
Desde o início da investida contra a Ucrânia, países impuseram sanções à Rússia


A efetividade desses bloqueios para frear a Rússia e colocar um fim na guerra, no entanto, depende da extensão dessas sanções e quais áreas seriam afetadas por elas. De acordo com o internacionalista, o que poderia fazer com que Putin recuasse seria uma completa exclusão econômica do país, o que seria muito difícil, já que nações como o Japão dependem de insumos russos.

"O ponto sensível é, por exemplo, a União Europeia embargar a compra de petróleo, gás natural e outros insumos minerais que eles importam da Rússia. Caso isso aconteça, é claro que a economia russa seria afetada, já que ela depende da exportação desses insumos, o problema é que isso influenciaria muito nos preços de produção, transporte e dos próprios alimentos. O impacto seria muito grande", ressalta.

Esses motivos fazem com que os países da União Europeia fiquem com um 'pé atrás' em impôr sanções mais duras contra a Rússia. "Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, por exemplo, podem se dar ao luxo de sancionar a energia russa, porque eles consomem muito pouco. No caso dos japoneses e sul-coreanos, que não produzem petróleo, não há como embargar a Rússia, o custo de vida aumentaria demais."

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De acordo com Tito, o desafio do presidente ucraniano para cessar o conflito está justamente em convencer não só os países ocidentais como também o mundo inteiro a isolar a Rússia, uma vez que ambos os mandatários não se mostram dispostos a abrir mão das demandas exigidas. 


** Letícia Moreira é jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero. No Portal iG, trabalha nas editorias de Último Segundo e Saúde, cobrindo assuntos como cidades, educação, meio ambiente, política e internacional.

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