Foto divulgada pela delegação da Ucrânia da reunião entre as partes na segunda-feira
Reprodução - 14.03.2022
Foto divulgada pela delegação da Ucrânia da reunião entre as partes na segunda-feira

Detalhes importantes das condições de um possível acordo de paz que encerre a  guerra entre Rússia e Ucrânia vieram a público nesta quarta-feira, quando autoridades russas indicaram estar dispostas a aceitar que a Ucrânia mantenha as próprias Forças Armadas para a autodefesa, contanto que o país se comprometa a desistir da aspiração de se juntar à  Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A Rússia está disposta a aceitar que a Ucrânia adote um modelo comparável ao da Áustria e da Suécia, disse o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov. O país disporia de Forças Armadas para se defender de agressões, mas se declararia neutro em futuros conflitos, comprometendo-se a não se unir a nenhuma aliança militar e não sediar bases militares estrangeiras.

"O status neutro agora está sendo seriamente discutido junto, é claro, de garantias de segurança", disse Lavrov à BBC russa nesta quarta. "Agora isso está sob discussão nas negociações… Há formulações absolutamente específicas e, na minha opinião, um acordo sobre elas está próximo."

Lavrov disse que "o clima de diálogo que começou a surgir nos dá esperança de que possamos concordar especificamente sobre esse tópico".

"Embora esteja claro que o problema é muito mais amplo, se pudermos proclamar neutralidade e declarar garantias, será um avanço significativo."

As informações mais específicas foram oferecidas por Vladimir Medinsky, o principal negociador da Rússia, que disse à TV estatal russa: "A Ucrânia está oferecendo uma versão austríaca ou sueca de um Estado desmilitarizado neutro, mas ao mesmo tempo um estado com seu próprio Exército e Marinha."

Desde o início da invasão, a Rússia aponta a neutralidade e a desmilitarização da Ucrânia como condições para o fim da guerra. O termo neutralidade é muito abrangente e inclui desde países que não têm Forças Armadas, como a Costa Rica, a outros que têm Exército, como a Áustria e a Suécia. Agora, a Rússia indica estar disposta a aceitar que a Ucrânia mantenha seu Exército, entendendo a neutralidade armada como uma forma de desmilitarização.

Modelo potencial

A Áustria, que a Rússia agora cita como um modelo potencial, tem um compromisso com a neutralidade desde 1955, obrigação que está consagrada em sua Constituição. Segundo ela, a Áustria não pode se unir a uma aliança militar, permitir o estabelecimento de bases estrangeiras ou participar em guerras.

Por outro lado, a Áustria tem Forças Armadas, com 22 mil soldados na ativa e 945 mil na reserva. As principais missões constitucionais delas são proteger as instituições constitucionalmente estabelecidas e as liberdades democráticas da população (o que inclui se defender de ameaças externas), manter a ordem e a segurança dentro do país e prestar assistência em caso de catástrofes naturais e desastres de magnitude excepcional.

Nas décadas desde a assinatura do tratado, a Áustria seguiu uma política de “neutralidade ativa”, principalmente sediando reuniões entre o Leste e o Oeste, como visto recentemente nas discussões que ocorrem em Viena para retomar um acordo nuclear com o Irã. As Forças Armadas austríacas também participaram de operações de manutenção da paz da ONU após uma reforma constitucional em 1997.

Já a Suécia abandonou um período de quase 200 anos de neutralidade militar oficial em 2009, quando assinou tratados de autodefesa mútua com a União Europeia e com países nórdicos. Mesmo assim, o país continuou a se comportar como um país neutro e não alinhado. Após a invasão da Ucrânia, autoridades suecas sinalizaram considerar aderir à Otan, possibilidade descartada por sua premier.

Na terça-feira, os países realizaram mais uma rodada oficial de negociações. Após Lavrov, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que “esta é uma variante que está sendo discutida e que pode realmente ser vista como um compromisso”. Peskov dissse que ainda é cedo para prever um acordo entre as partes.

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"O trabalho é difícil e, na situação atual, o próprio fato de (as negociações) continuarem é provavelmente positivo."

A Ucrânia várias vezes indicou estar disposta a desistir da entrada da Otan, contanto que receba garantias de segurança. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky — que, na terça-feira, deu um dos mais explícitos sinais de que pode desistir da intenção de se unir à aliança —, também disse que as negociações avançam, mas um acordo ainda não é iminente:

"As reuniões continuam e, estou informado, as posições durante as negociações já parecem mais realistas. Mas ainda é necessário tempo para que as decisões sejam do interesse da Ucrânia", disse Zelensky.

Estados garantidores

O negociador-chefe ucraniano, Mykhailo Podolyak, disse que um modelo de garantias de segurança juridicamente vinculantes que ofereceriam proteção à Ucrânia por um grupo de aliados no caso de um ataque futuro estava "na mesa de negociações". “O que isso significa? Um acordo rígido com vários Estados garantidores assumindo obrigações legais claras para prevenir ativamente os ataques", disse no Twitter.

Podolyak evitou comparações com o modelo de outros países. "A Ucrânia está em uma guerra direta com a Rússia. Portanto, o modelo só pode ser 'ucraniano' e apenas com base em garantias sólidas em termos de segurança", afirmou.

Ele disse ainda também os signatários deveriam se comprometer com uma intervenção em caso de agressão contra a Ucrânia, em uma crítica à ajuda recebida.

"Isto significa que os signatários das garantias não podem ficar à margem em caso de ataque contra a Ucrânia como acontece hoje e que participarão ativamente no conflito do lado ucraniano e fornecerão imediatamente as armas necessárias", disse Podolyak.

Além da neutralidade e da desmilitarização da Ucrânia, no início de sua invasão a Rússia apresentou outras condições, como o reconhecimento por Kiev da independência das províncias separatistas no Leste ucraniano e da soberania russa sobre a Península da Crimeia, invadida em 2014. Outra condição era a “desnazificação” da Ucrânia, em geral entendida com uma mudança de regime, com a substituição do atual governo por marionetes de Moscou. O governo russo desde então que não querer tirar Zelensky do poder.

Ainda não há informações sobre como uma possível diminuição das duras  sanções impostas por países ocidentais contra a Rússia fariam parte de um acordo, se é que o fariam.

A guerra completa três semanas nesta quinta-feira. Mais de 3 milhões de pessoas já fugiram da Ucrânia nesse período, segundo as Nações Unidas, com mais de 1,8 milhão indo para a vizinha Polônia. Em Kiev, cerca de metade dos 3,4 milhões de habitantes deixaram a cidade.

As estimativas dos números de mortos variam, mas chegam a oito mil, entre civis e militares, do lado ucraniano, e até seis mil do lado da Rússia. A Rússia não capturou nenhuma das dez maiores cidades da Ucrânia e perdeu centenas de veículos blindados e dezenas de tanques.

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