Cerca de 45 pessoas morreram a cada verão em função da exposição a altas temperaturas
Reprodução: Flipar
Cerca de 45 pessoas morreram a cada verão em função da exposição a altas temperaturas


Não bastasse a guerra em  sete diferente frentes (Irã, Líbano-Hezbollah, Iêmen, Iraque, Síria, Gaza e Cisjordânia), Israel no momento enfrenta também a  crise climática. O Serviço de Meteorologia local divulgou, há uma semana, um relatório que afirma que o país vive o verão mais quente de sua história – justamente no ano em que luta sua guerra mais prolongada. A organização, que iniciou medições do clima em 1950, apontou que os termômetros alcançaram 46,7 graus Celsius em junho e em agosto no noroeste da região do Mar da Galileia (e não no deserto, como muitos devem imaginar).

O aumento de temperatura teve repercussão imediata no bolso dos israelenses. Um dos exemplos é o tomate, elemento que nunca falta na culinária local, que viu seu preço saltar de cerca de 5 reais para quase 40. Além disso, o valor de outro item básico, o pepino, sofreu um forte aumento em função da contaminação bacteriana provocada pelo calor, o que levou o governo israelense a restringir sua importação.

Mais doenças e mais consumo de energia

O consumo de energia elétrica, resultado do uso contínuo (e um tanto exagerado) de equipamentos de ar-condicionado, vem aumentando a cada ano a partir de 2010. Isso levou o governo a finalmente quebrar o monopólio estatal e disponibilizar a oferta de empresas particulares, com o objetivo de reduzir a despesa das famílias.

Obviamente, a saúde física e mental também foi atingida. Segundo estudos divulgados recentemente, o número de mortes em função de altas temperaturas era, até 1990, irrelevante em Israel. Nos últimos anos, no entanto, cerca de 45 pessoas morreram a cada verão em função da exposição a altas temperaturas. De acordo com hospitais israelenses, o aumento de 1 grau na temperatura resulta no crescimento de 1,47% no número de visitas ao setor de emergência dos hospitais.

A única boa nova frente a esse panorama está no fato do governo israelense investir fortemente em usinas de  dessalinização ( Israel é hoje o único país do mundo com independência hídrica, ou seja, não precisa contar com fontes de água ou chuva para abastecer sua população), a criação de sistemas supereconômicos de  irrigação por gotejamento e tecnologias de reaproveitamento de águas usadas.

Vale lembrar que Israel é líder mundial em reciclagem de águas, as quais são utilizadas na irrigação agrícola.

Trágica encruzilhada

O calor não tem ajudado os israelenses a lidar com o momento de maior divisão interna, desde o início da guerra contra o Hamas, em função do enfrentamento de “choiceless choices” (em inglês livre, escolhas sem escolha).

Um dos aspectos mais interessantes que aprendi ao estudar o holocausto judaico durante a Segunda Guerra Mundial refere-se justamente a decisões críticas tomadas pelos judeus durante os anos de dominação nazista. O que você faria se não tivesse alimentos suficientes para a sobrevivência de uma criança e de um idoso de sua família: você destinaria todos os alimentos para a primeira, que teoricamente teria mais chance de sobreviver? Você é líder de uma comunidade e soldados nazistas exigem que você entregue 100 idosos para serem enviados para um campo de extermínio, tendo em troca a promessa de salvar o restante da população: você os sacrificaria?


Neste momento, a “choiceless choice” judaica está relacionadaao acordo de cessar-fogo com o Hamas, o qual prevê a libertação de 20 a 30 reféns – poucos sabem que a proposta tão insistentemente defendida mundo afora não engloba todos os 101 israelenses que estão há mais de 11 meses em poder do Hamas. Qual é a atitude correta a ser tomada pelo governo de Benjamin Netanyahu: libertar milhares de terroristas presos em Israel, retirar o exército de Gaza e garantir a sobrevivência destes poucos, deixando para trás outros 70 a 80 reféns? Ou continuar em guerra na tentativa de forçar o inimigo a libertar todos os reféns?

Para uma parte dos familiares dos sequestrados, a qual exige a volta dos seus a qualquer custo, a resposta é óbvia – e legítima. No entanto, para o governo e a maioria da população israelense, que teme as implicações do acordo sobre a segurança nacional, a resposta não é tão óbvia assim.

Estamos presos nessa encruzilhada.

** Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.

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