A guerra encontrou os agricultores em diferentes momentos de sua produção
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A guerra encontrou os agricultores em diferentes momentos de sua produção


O impacto econômico de uma guerra poucas vezes é divulgado internacionalmente, muito embora seja um aspecto importantíssimo. O assunto é extenso e, assim, foquemos apenas no setor agrícola israelense,  afetado de uma forma sem precedentes pelo atual conflito, o mais longo da história de Israel.

“Esta é a pior crise do setor desde o estabelecimento do Estado em 1948”, resumiu Dafna Yurista, porta-voz do Ministério da Agricultura de Israel. Isso se explica pelo fato de a maior parte da produção agrícola localizar-se justamente no sul de Israel – invadida em 7.10 e parcialmente desabitada até o mês de agosto – e o norte, cuja população foi deslocada para o centro do país, e é atacado diariamente, desde outubro, por mísseis lançados a partir do  Líbano. Isso impediu que, durante longas vezes, os agricultores não tivessem nem mesmo acesso aos seus campos, estufas e armazéns.


Segundo uma pesquisa conduzida recentemente pelo Instituto de Pesquisa Migal Galilee de Israel, 96% dos fazendeiros reportaram impactos econômicos negativos resultantes da guerra em Gaza.

A maior crise de mão de obra da história do país

Além desse aspecto, o setor também vive sua maior crise histórica de mão de obra. Três grandes grupos de trabalhadores respondem pelo trabalho agrícola em Israel.

O primeiro é formado por israelenses, muitos deles convocados como reservistas pelo exército. Palestinos de Gaza e da Cisjordânia também estavam engajados nesse setor mas, com o advento da guerra, os primeiros tiveram suas licenças de trabalho revogadas e, os segundos, suspensas por tempo indefinido. Por fim, Israel contava, até o dia 6 de outubro, com cerca de 30 mil  trabalhadores estrangeiros, em sua maioria tailandeses. Destes, 10 mil deixaram Israel logo após a guerra – e vale aqui lembrar que muitos deles foram assassinatos na invasão de 7.10 e outros foram sequestrados para Gaza (e liberados na primeira e única troca de reféns, que aconteceu em novembro).

No total, o setor ressente a falta de 20 mil trabalhadores.

O governo – e também os próprios cultivadores – organizaram grupos de voluntários para trabalhar nos campos e um tanto de verba pública também foi disponibilizada, uma ajuda infelizmente insuficiente. A guerra encontrou os agricultores em diferentes momentos de sua produção: alguns tinham toneladas de produtos estocados de colheitas recentes que apodreceram nos armazéns, enquanto outros tiveram que abandonar o cultivo, inclusive por problemas de segurança, e perderam prazos de plantação ou colheita. Um mês após 7.10, os fazendeiros tinham autorização para trabalhar nos campos apenas duas horas por dia.

Além do prejuízo particular, a situação ameaça diretamente a segurança alimentar de Israel, um país que sabe não poder contar exclusivamente com importações em função de diferentes tipos de boicotes econômicos internacionais. Números evidenciam a importância da área vizinha a Gaza na alimentação do israelense: a região é responsável por 25% da produção agrícola do país, respondendo por 60% do fornecimento de batatas, 57% da de cevada e 38% de repolho, para citar alguns exemplos. Os preços destes e de outros produtos aumentaram consideralmente nos supermercados.

Uma nova e cruel fase da guerra

Impossível não comentar a ocorrência de um dos eventos que mais abalou a população de Israel nesses 11 meses de guerra: o assassinato de 6 reféns israelenses pelo Hamas, cujos  corpos foram encontrados nessa semana cravados de balas. A teoria inicial formulada pelo governo apontou os assassinatos como resultado do temor de seus guardiões terroristas em função da aproximação de soldados israelenses. No entanto, a divulgação de vídeos de “despedida” de cada um deles gravados pelo Hamas, e divulgados a conta-gotas em Israel, deixou claro que seu assassinato foi arquitetado previamente.

Isso coloca  Israel frente a uma nova estratégia sinistra do Hamas  que, tudo indica, prevalecerá daqui para a frente: o terrorismo ao estilo do grupo terrorista ISIS, que filmava a execução de prisioneiros. O público israelense ainda não entendeu como é possível digerir não só os assassinatos já realizados, como a perspectiva de que essa ação venha a se repetir com os demais reféns (agora, 101) que permanecem vivos nos  túneis de Gaza.

Uma reação positiva surgiu desse evento: os Estados Unidos formalizaram a acusação a seis líderes do Hamas por terrorismo, Yahya Sinwar entre eles, como “responsáveis por planejar, apoiar e executar os ataques terroristas” que resultou na morte de pelo menos 43 americanos.

No entanto, isso está longe de ser suficiente para apaziguar a incrível dor que envolve Israel.

** Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.

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