Quase todos os desafios que ameaçam a humanidade foram criados pelo homem
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Quase todos os desafios que ameaçam a humanidade foram criados pelo homem


“A Matrix está em todo lugar. Está ao nosso redor. Mesmo agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olha pela janela ou quando liga sua televisão. Você pode senti-la quando vai ao trabalho... quando vai à igreja... quando paga seus impostos. É o mundo que foi colocado diante de seus olhos para cegá-lo da verdade... que você é um escravo, Neo. Como todos os outros, você nasceu em cativeiro. Em uma prisão que você não pode saborear, ver ou tocar. Uma prisão para sua mente.” Morpheus - The Matrix (1999).

Em duas semanas, o mundo presenciou inúmeros eventos intensos que refletem nossa realidade hiperativa:  pagers explodindo,morte de Hassan Nasrallah, Irã lançando mísseis contra Israel, um furacão devastador e greve nos principais portos dos Estados Unidos - isso sem falar da Ucrânia, Venezuela, Sudão, entre outros. 

Paralelo ao noticiário do nosso dia a dia, em uma terra análoga a movimentações tectônicas, temos também preocupações existenciais: A proliferação atômica, pandemias, guerras biológicas, cibersegurança, desinformação, bactérias resistentes,  IA, o meio ambiente; a lista é grande.

Em um recente artigo,  “Nossos Valores Humanos”, alertei sobre a preferência por ferramentas analíticas que se aprofundam em um silo para solucionar os desafios do planeta, em vez do uso  sintético,  que enxerga o silo como parte de um sistema maior - método primordial para criar ecossistemas sociais sustentáveis.  

Quando um novo CEO assume uma empresa, especialmente quando esta enfrenta dificuldades, frequentemente as primeiras mudanças são a redefinição das metas e, por consequência, as mudanças da estrutura organizacional. Um bom exemplo é de Satya Nadella, que ao assumir a Microsoft, definiu como meta a transformação para uma empresa focada na  nuvem, reorganizando equipes e produtos. 

Agora, quanto os governos absorvem as melhores práticas de gestão para se tornarem mais eficientes e inteligentes? Em grandes empresas, é comum consolidar funções de backoffice — como financeiro, jurídico, TI, e compras — em centros de serviços compartilhados. Assim, ao invés de cada unidade de negócio ter sua própria equipe, é possível obter ganhos de escala, especialização e maior qualidade, resultando em melhoria de eficiência e redução de custos.

Imagino o  Brasil, com seus 5.570 municípios. O quanto o país poderia melhorar em serviços para a população se os custos duplicados fossem economizados e/ou ressignificados, reduzindo o montante arrecadado ou focando no ‘core-business’, leia-se: os serviços prestados à população. 

Imagine se os governos federais, estaduais e municipais no mundo adotassem padrões abertos como os protocolos bancários  SWIFT  ou os formatos de interoperabilidade usados no setor médico, como  HL7 (Health Level Seven International)FHIR (Fast Healthcare Interoperability Resources). O SWIFT é um padrão global amplamente utilizado por bancos para realizar transações financeiras internacionais, garantindo segurança e uniformidade entre sistemas bancários diferentes. Já no setor médico, formatos como HL7 e FHIR permitem que sistemas hospitalares e laboratórios compartilhem informações de saúde de maneira eficaz, sem a necessidade de adaptar cada sistema individualmente.

Organizações que utilizam padrões abertos em suas infraestruturas aumentam a eficiência operacional, bem como reduzem custos. A adoção de APIs abertas em governos pode promover transparência e controle social, permitindo que cidadãos e cientistas acessem dados públicos de forma padronizada, facilitando a pesquisa e análise de políticas públicas, melhorando a governança e o envolvimento cívico. O ecossistema de padrões abertos,  Interoperable Europe Act visa a troca de informações, dados e tecnologias entre todos os órgãos públicos da União Europeia e promete representar o avanço que a integração e cooperação digital podem garantir no desenvolvimento de soluções inovadoras. 

Frente aos desafios monumentais que esperam a humanidade neste século, precisamos entender que a ineficiência governamental drena recursos essenciais de outras áreas. Os gastos dos governos no mundo em 2022 foram aproximadamente 35 trilhões de dólares ou 40% do PIB global.  Um artigo da  McKinsey & Company mostra que, em média, organizações do setor público são  menos eficientes  do que as do setor privado por diversos motivos, que vão de legislações à complexidade de suas estruturas e influências políticas

Um dos fatores que mais impactam negativamente o setor público são as leis de aquisições de produtos e serviços, extremamente suscetíveis à corrupção e fraudes. Segundo dados do Banco Mundial  (World Bank, 2021), cerca de 13% do PIB global foi direcionado ao orçamento de compras, ou seja, algo próximo de 13 trilhões de dólares por ano. 

Estudos indicam que governos frequentemente excedem orçamentos em projetos públicos, como o caso das Olimpíadas do Rio de Janeiro, que ultrapassou em mais de  50% seu valor, o que reflete uma mentalidade de menor cautela e responsabilidade no uso de recursos públicos. Além disso, o escândalo da  Petrobras ilustra como esquemas de corrupção podem inflar contratos de obras públicas, resultando em mais de 20 bilhões de dólares desviados. 

A falta de fiscalização nas leis de aquisição pública, também são outra questão econômica relevante. Segundo dados da  OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do Fórum Econômico Mundial, estima-se que o suborno nos contratos públicos acrescente de 10-20% ao total de custos. O que não só aumenta o preço pago pela administração aos bens e serviços, como também prejudica a concorrência no mercado e tem impacto direto nos recursos dos contribuintes.

Melhorias na qualidade e eficiência no uso de orçamentos públicos poderia liberar cerca de 1-3 trilhões de dólares ao ano para outras prioridades. 

Ideias para melhorar o sistema de compras do governo incluem: escolha automatizada e aleatória de fiscais, abrir a profissão de auditores para indivíduos certificados ao invés de funcionários púbicos; ter o orçamento da compra específica como garantia em uma instituição financeira esperando liberação dos auditores e ciência do órgão governamental; foco em compras visando o resultado e não o esforço, e para isso, criação de mecanismos de micro-concessão de cinco anos a dez anos, além da padronização de arquivos e APIs para permitir supervisão da sociedade civil, entre outros. 


Em computação, existe um termo chamado  Garbage Collection  - um processo automatizado que remove dados não utilizados da memória de um sistema, garantindo eficiência e prevenindo falhas de programação. Ambas empresas públicas e privadas sofrem com a falta de mecanismos de Garbage Collection. Porém, quando se trata do setor público, é nosso dinheiro e não de outra pessoa desconhecida. Determinada vez, escutei que custos são como nossas unhas, devem ser cortadas de tempos em tempos. Para isso, precisamos estabelecer formalmente um sistema de garbage collection para governos. 

Por último, há a questão da estrutura. No setor privado, ao reconhecer a  nova meta  da empresa, priorizam-se os recursos e se realiza uma mudança de estrutura organizacional que atenda à nova visão. Exemplo disso é a criação da área de serviços da IBM nos anos 90, seguida por aquisições estratégicas, como a área de consultoria da PWC. Que mudanças estruturais os governos fizeram para atender as prioridades da sociedade? O quanto essas mudanças conseguem sobreviver à troca de governos? O quanto o orçamento representa as metas e prioridades?

A mudança poderia ser a estrutura matricial, usada com sucesso por várias organizações eficientes e bem sucedidas (ex. Google, P&G). Tome como exemplo o Ministério de telecomunicações, que deveria ser uma área prestadora de serviço para outros ministérios, já que ele é fundamental para a Defesa, Educação, Saúde, Pequenos e médios negócios, entre outras. Outro exemplo seria a interligação de vários outros ministérios ao do Meio Ambiente, visto a crise ambiental que vivenciamos. Afinal, precisamos educar as próximas gerações sobre sustentabilidade, repensar a infraestrutura de túneis, pontes, aeroportos, portos, estradas, e assim também a agricultura, cidades, ciência-tecnologia-e-inovação, minas e energia e a Fazenda.   

Quase todos os desafios que ameaçam a humanidade foram criados pelo homem. É difícil acreditar que as mesmas estruturas organizacionais, com os mesmos processos, formas de pensar, decidir, executar e aprender - que criaram as ameaças à vida humana na terra - vão ser de repente capazes de solucioná-las.  Como  sociedade global, quais são as nossas metas e qual é a melhor estrutura para lidar com elas? Essas perguntas são tão urgentes como os desafios em si.

Para encontrarmos respostas, eu, meus amigos e diversos líderes globais os esperamos no  Horasis Global Meeting,  evento que busca discutir desafios atuais. Sediado pela primeira vez na América do Sul, o encontro acontecerá entre os dias 25 e 26 de outubro em Vitória, Brasil.

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