No dia 26 de outubro, vou participar do painel ‘Bridges to Shared Humanity' no Horasis Global Meeting em Vitória, Brasil. Em preparação para este evento, reflito sobre o tema.
A dificuldade de chegarmos a um consenso sobre o que funciona ou fracassa, o que é certo ou errado, muitas vezes está enraizada em uma distinção fundamental entre análise e síntese. A maioria das pessoas, especialistas em suas áreas, como medicina, sociologia, política entre muitas outras, tende a abordar os problemas com uma mentalidade analítica – ou seja, fragmentam o problema em partes menores, utilizando ferramentas e experiências acumuladas ao longo de suas vidas.
Um exemplo claro dessa abordagem analítica é o debate sobre a malnutrição infantil em países em desenvolvimento, como Bangladesh. O problema é frequentemente tratado como uma questão de saúde pública: a falta de nutrientes ou remédios para crianças resulta em doenças, déficits no desenvolvimento cognitivo e outras complicações graves. Diante disso, a solução mais evidente parece ser aumentar os recursos para a cadeia de suprimentos de alimentos e medicamentos, seja por meio de impostos, doações ou remanejamento orçamentário, a fim de neutralizar a causa imediata da fome.
Contudo, quando olhamos para o problema com uma perspectiva de síntese, o cenário se torna muito mais complexo e, ao mesmo tempo, revelador de questões que muitas vezes escapam à análise tradicional. A síntese vai além de decompor o problema em partes; ela busca compreendê-lo em um contexto sistêmico, levando em consideração as interconexões e as influências mútuas de diversos fatores.
A má nutrição em Bangladesh, por exemplo, não é um problema isolado, mas sim parte de um sistema dinâmico em que política, economia, corrupção e cultura se entrelaçam. Sem entender como cada um desses fatores se influenciam mutuamente, a solução jamais será completa. Podemos alimentar as crianças hoje, mas, se não enfrentarmos a corrupção que drena recursos e impede a implementação eficaz de políticas de longo prazo, estaremos permitindo a perpetuação do problema.
A síntese nos força a pensar em consequências intergeracionais. Não basta sermos sensíveis às necessidades das crianças agora; temos uma obrigação moral com as gerações futuras. A corrupção, que muitas vezes é uma força invisível por trás de desafios estruturais, é um exemplo claro de como uma abordagem puramente analítica pode falhar.
Mesmo que todas as boas intenções e recursos sejam mobilizados para alimentar e medicar as crianças, se não houver uma compreensão que lide com a falha do sistema – como a corrupção na aquisição e distribuição de alimentos e remédios –, os esforços serão insuficientes. Ironicamente, muitos daqueles que estão na linha de frente tentando resolver a má nutrição podem não estar equipados para lidar com a corrupção, simplesmente porque não estão olhando para o sistema como um todo, porque é fora da área de sua especialidade e conforto e por fim, porque os sistemas educacionais - da escola ao trabalho- falham em nos preparar para trabalhar em equipes multidisciplinares, dando preferência ao homogêneo.
Este é um problema global, que atravessa países, épocas e culturas. A pobreza, as mudanças climáticas, as guerras e os conflitos políticos não são apenas problemas isolados; eles são sintomas de sistemas interconectados cujas causas se entrelaçam em um emaranhado de fatores históricos, econômicos, geográficos e culturais. No entanto, muitas vezes tratamos esses problemas com uma abordagem analítica: fragmentamos os desafios em suas partes constituintes, tentando resolvê-los de forma isolada. Embora essa abordagem tenha seu valor, ela falha em reconhecer que os sistemas complexos exigem soluções holísticas.
Como a renomada pensadora, Donella Meadows argumentou em seu clássico livro Thinking in Systems: “quanto mais interligados são os componentes de um sistema, mais importante é entender a totalidade”. Os sistemas globais são dinâmicos e interdependentes, e resolver problemas de forma eficaz exige levar em conta esses elementos interligados. A falta de pessoas qualificadas para lidar com este tipo de desafios explica, em parte, a razão pela qual insistimos em usar ferramentas inadequadas. Como disse Abraham Maslow, “Quando a única ferramenta que se tem é um martelo, todo problema parece um prego”.
Exemplificando essa dinâmica, podemos observar a obsessão pelo crescimento do PIB. Para gerar empregos e tirar pessoas da pobreza, o crescimento econômico é essencial. No entanto, o crescimento econômico acima de determinado nível também torna-se insustentável do ponto de vista ambiental.
Imagine, por exemplo, famílias que, ao enriquecerem, aumentam o consumo de peixes além da taxa de reprodução da espécie, levando à extinção. Esse desequilíbrio, por sua vez, pode aumentar os preços, pressionando essas mesmas famílias a retornarem à pobreza. Em outras palavras, podemos optar por um crescimento sustentável, limitado e sistemicamente consciente ou por uma redução imediata da pobreza que, a médio e longo prazo, comprometerá essas pessoas e as gerações futuras – mas não ambos!
Outro exemplo pode ser observado entre grupos religiosos ortodoxos, como os Haredim, em Israel. Muitos deles vivem em extrema pobreza, e a solução mais imediata parece ser a redistribuição de renda. No entanto, uma abordagem mais sintética revela que a raiz dessa pobreza é, em grande parte, uma questão política: seus líderes exercem influência para limitar a educação básica, restringindo matérias como matemática e ciências e sua participação no exército, o que reduz sua integração social.
A falta de participação no mercado de trabalho impede o desenvolvimento do capital humano. Ainda há o incentivo contínuo para ter muitos filhos, frequentemente além de suas capacidades econômicas. A redistribuição de renda, paradoxalmente, contribui para a manutenção do status quo, pois remove os incentivos para mudanças estruturais.
Agora me diga: quantas pessoas imaginariam que os repasses de renda poderiam ser parte da causa da pobreza, em vez de sua solução? E quantas pessoas têm a noção de que sem resolver a questão política subjacente, não conseguiremos enfrentar o problema da pobreza de maneira eficaz e duradoura?
Para enfrentar esses desafios, precisamos urgentemente de uma cultura global que priorize uma visão sintética dos problemas da humanidade, valorizando o método científico, a mensuração objetiva e o foco nos resultados, em vez de simplesmente enfatizar esforços e boas intenções.
Entretanto, o sistema político atual prioriza o curto prazo e as narrativas em detrimento da essência e da verdade. Somente uma revisão do modelo republicano poderá nos libertar das limitações que a estrutura governamental impõe à sociedade global na busca por soluções para os desafios que nos ameaçam. Esse novo código cultural deve ser incorporado nas constituições. Chamei minha proposta de GOD – Genesis Oriented Democracy; saiba mais neste artigo.
Como disse Václav Havel - Primeiro presidente da República Tcheca: "Sem uma revolução global na esfera da consciência humana, nada mudará para melhor na esfera do nosso ser como humanos".