“O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender” - Alvin Toffler
Muito já se falou sobre a espetacular recuperação do Japão e da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Embora muitos apontem o Plano Marshall como um dos principais motores desse ressurgimento, ao injetar bilhões de dólares em capital americano para a reconstrução da Europa Ocidental e do Japão, o verdadeiro diferencial foi mesmo o vasto capital humano presente nessas nações, altamente qualificado e apoiado por fortes instituições.
Como prova podemos olhar os casos, como a República Democrática do Congo (antigo Zaire) e a faixa de Gaza, que receberam grandes somas de ajuda internacional ao longo das últimas décadas, mas não conseguiram transformá-los em desenvolvimento. A falta de capital humano qualificado, a corrupção e a instabilidade política impediram que esses recursos se convertessem em progresso social sustentável.
Refletindo sobre destinar capital humano para enfrentar os principais desafios globais—como as mudanças climáticas, a erradicação da pobreza e o avanço tecnológico—fica evidente que o simples aporte financeiro não é suficiente. Diariamente, indivíduos e instituições se reúnem nos mercados para alocar ou realocar capital, buscando mitigar riscos e maximizar retornos. No entanto, o principal recurso que sustenta toda a criação e consumo de riqueza, o capital humano, jamais é destinado de forma ideal, especialmente a nível global; e por alguma razão, raramente conversamos sobre isto.
Há dez mil anos, os seres humanos já habitavam o mesmo planeta Terra que conhecemos hoje, com os mesmos recursos naturais—agrícolas, minerais, terra, água, entre outros. No entanto, nossas vidas eram curtas e marcadas por miséria e sofrimento, não por falta de recursos, mas pela ausência de capital humano necessário para transformar esses recursos em máquinas, computadores, remédios e todas as inovações que o avanço científico nos proporcionou.
Empresas como Fiverr, que conecta freelancers, e AlphaSights, que oferece conhecimento sob demanda, estão abrindo novos caminhos para a alocação global de talentos. Profissionais talentosos em países em desenvolvimento, como Índia, Paquistão e Egito, podem oferecer seus serviços a um preço muito superior ao que receberiam em seus mercados locais, onde a demanda é limitada, ao mesmo tempo em que ampliam suas habilidades. Para os contratantes, isso significa acesso a serviços de alta qualidade a um custo frequentemente menor ao cobrado por fornecedores locais.
Apesar de todo o avanço tecnológico, o processo de recrutamento e contratação continua, em muitos aspectos, arcaico. No mundo hiperconectado de hoje, um candidato desempregado ainda precisa preencher repetidamente dezenas, centenas ou até milhares de vezes os mesmos formulários, fornecendo as mesmas informações para se candidatar a uma vaga.
Uma das principais críticas liberais ao comunismo durante a era da União Soviética era que a centralização das decisões econômicas gerava pobreza, pois um sistema centralizado não tinha a capacidade de determinar, por exemplo, o preço ideal para milhares de produtos sobre os quais tinha pouco ou nenhum conhecimento. A informação está na cabeça das pessoas, de forma distribuída, e, por isso, a alocação centralizada era inerentemente subótima em comparação ao poder da descentralização das decisões. No entanto, centralizar a tomada de decisões não é o mesmo que centralizar a informação, como se fosse uma bolsa de valores.
A primeira bolsa de commodities surgiu em Bruges, na Bélgica, no século XV, trazendo mais organização e transparência para o comércio de mercadorias como grãos e lã. Isso permitiu que o mercado se tornasse mais eficiente. Já no século XVII, a bolsa de Amsterdã, considerada a primeira bolsa de valores moderna, começou a negociar ações de empresas como a Companhia das Índias Orientais, ajudando a financiar grandes empreendimentos comerciais e a expandir o comércio global. Essas inovações criaram as bases para os mercados financeiros modernos, promovendo o crescimento econômico e a alocação eficiente de recursos.
Agora, imagine aplicar o conceito das bolsas de commodities e valores ao capital humano. Um estudante poderia consultar o mercado de futuros para entender a demanda projetada para a área que deseja estudar e até realizar um seguro para se proteger contra eventuais quedas de demanda que possam afetar sua carreira. Seria possível identificar, em tempo real, quais habilidades estão em alta ou em excesso, permitindo uma realocação eficiente de profissionais para atender a demanda reprimida. Os melhores talentos, independentemente de sua localização geográfica, poderiam receber salários competitivos, contribuindo simultaneamente para o desenvolvimento econômico de suas regiões.
O planeta possui hoje trilhões de dólares a serem investidos por diversos fundos. Parte do desafio é encontrar boas oportunidades; a outra é encontrar excelentes pessoas para executá-las.
Não sou ingênuo em relação aos enormes desafios de implementar essa ideia. Exemplos incluem preocupações com privacidade e possíveis reações adversas de governos. No entanto, quando a sobrevivência da raça humana está em jogo, é imprescindível que utilizemos os melhores recursos disponíveis nos projetos mais críticos, e para tanto precisamos da Bolsa de Capital Humano. A boa notícia é que a tecnologia já está ao nosso lado: seja por meio da IA, blockchain, realidade imersiva, conectividade ou criptografia, temos as ferramentas necessárias para enfrentar esses desafios.
Em um mundo de alocação otimizada de capital humano, a produtividade global atingiria níveis sem precedentes, com indivíduos trabalhando em áreas que maximizam seu potencial e suas paixões. Tal sistema incentivaria o desenvolvimento contínuo das habilidades, pois cada pessoa saberia em que e quanto se aprimorar, tornando-se mais valiosa no mercado de trabalho global. A alocação otimizada não apenas aumentaria a eficiência econômica, mas também promoveria inovação em ritmo acelerado. Setores como educação, saúde, tecnologia e sustentabilidade seriam impulsionados por especialistas altamente qualificados e engajados.
Para os céticos, lembrem-se dos feitos extraordinários da humanidade: da Revolução Industrial, que transformou economias globais, à conquista do espaço e ao pouso na Lua, além do sequenciamento do genoma humano e a criação de vacinas em tempo recorde para a COVID-19. Quando designamos recursos de forma eficiente e colaborativa, conseguimos feitos antes inimagináveis. Agora pense no que poderíamos realizar com uma alocação global otimizada de capital humano.
Espero discutir essa e muitas outras ideias com vocês no Horasis Global Meeting. O evento, sediado pela primeira vez na América do Sul, acontecerá entre os dias 25 e 26 de outubro em Vitória, Brasil, e reunirá líderes globais para discutir os desafios atuais que as sociedades enfrentam e como podemos construir pontes para o futuro.