Vista aérea do Sirius
Divulgação/CNPEM
Vista aérea do Sirius

Há exatos quatro anos, o acelerador de partículas Sirius completou seu primeiro giro de elétrons. "Naquele momento, a gente mostrou que o Sirius funcionava", lembra Harry Westfahl Júnior, diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), onde fica o Sirius, em Campinas, no interior de São Paulo.

"O fato de estar dando uma volta, porém, não significava que estava dando uma volta nas posições corretas, nem que ele estivesse estável, nem que o número de elétrons estivesse correto", afirma Harry. Desde o dia 22 de dezembro de 2019, então, muita coisa avançou no laboratório que tem posicionado a ciência brasileira em outro patamar internacionalmente. 

Nos últimos quatro anos, o Sirius foi sendo refinado e, agora, cresceu em quase 40 mil vezes o número de elétrons, o que significa que mais luz síncrotron é gerada, e a estabilidade melhorou.

Para além dos elétrons rodando, o Sirius avançou em outros aspectos. Em 2019, havia meia linha de luz montada; hoje, são 10 em funcionamento. Além disso, vários laboratórios de apoio foram criados, permitindo que a comunidade de pesquisadores tenha apoio para a realização de experimentos.

O que o Sirius faz?

Falar dos avanços do Sirius nos últimos quatro anos passa também por explicar como o acelerador de partículas funciona. A seguir, veja as respostas para algumas das perguntas mais comuns envolvendo a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no Brasil:

O que é um acelerador de partículas? Um acelerador de partículas é um equipamento capaz de acelerar prótons, elétrons ou átomos carregados em velocidades próximas à da luz, através da aplicação de intensos campos elétricos e magnéticos. O resultado dessa aceleração é a produção de luz síncrotron.

O que é luz síncrotron? A luz síncrotron é um tipo de radiação eletromagnética extremamente brilhante composta por diversos tipos de luz, se estendendo por um amplo espectro que vai desde o infravermelho, passando pela luz visível e pela radiação ultravioleta até chegar aos raios X. É possível definir a luz síncrotron como uma "luz especial" que penetra a matéria e revela características de sua estrutura molecular e atômica. Isso permite que diversos materiais possam ser analisados pelos pesquisadores. O Sirius é o único equipamento de luz síncrotron de 4ª geração da América e um dos únicos três do mundo (os outros dois ficam na Suécia e na França), o que significa que ele consegue produzir uma radiação muito mais intensa, facilitando experimentos.

O que são as linhas de luz? As linhas de luz são estações experimentais onde os materiais são analisados. Elas são comparáveis a complexos microscópios, focalizando a radiação síncrotron para iluminar amostras dos materiais estudados. Atualmente, o Sirius tem 10 linhas de luz abertas, cada uma focada em uma técnica, como nanoscopia de raios X ou nanoespectroscopia de infravermelho, por exemplo. No Sirius, as linhas levam nomes relacionados à fauna e à flora brasileiras.

Para que servem os laboratórios de apoio? Os laboratórios de apoio são espaços onde colaboradores do Sirius ajudam a comunidade científica a adaptar amostras e interpretar resultados. Nesses laboratórios, amostras podem ser cortadas ou preparadas quimicamente, por exemplo.

Quem financia o Sirus? O LNLS, onde fica o Sirius, faz parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Sirius, portanto, é financiado por recursos do MCTI.

Avanços científicos

Hall onde estão as estações experimentais do Sirius
Divulgação/CNPEM
Hall onde estão as estações experimentais do Sirius

Além de avanços estruturais, nos últimos quatro anos o Sirius também foi palco de avanços importantes para a ciência e tecnologia. Em abril deste ano, por exemplo, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apresentaram resultados de um estudo que revelou um processo inédito da maturação de uma proteína essencial para a replicação do Sars-Cov-2, o vírus causador da Covid-19. A pesquisa se relaciona com o desenvolvimento de medicamentos para tratar a doença.

A pandemia de Covid-19, aliás, fez com que os planos do Sirius fossem virados de cabeça para baixo. Poucos meses depois do acelerador começar a funcionar, o mundo parou por conta da emergência sanitária. Nessa época, a gestão do LNLS optou por priorizar a abertura da linha de luz Manacá, que permite o estudo de estruturas como as de vírus e de compostos naturais.

Com o passar do tempo, outras linhas de luz foram abertas. Atualmente, há 10 em funcionamento (Carnaúba, Cateretê, Cedro, Ema, Imbuia, Ipê, Manacá, Mogno, Paineira e Sabiá), duas em montagem (Quati e Sapucaia), uma em projeto (Jatobá) e outra em comissionamento (Sapê). Quando as 14 linhas estiverem abertas, a fase 1 do projeto Sirius estará completa.

Essas linhas permitem que experimentos de diversas áreas de conhecimento sejam executados. Além das pesquisas relacionadas à Covid-19, se destacam estudos sobre materiais supercondutores, energia solar, pragas na agricultura, hidrogênio verde, doenças cardiovasculares, baterias de íons de lítio e microplásticos.

"Essa versatilidade é intrínseca de todos os síncrotrons. Todas as propriedades dos materiais derivam de como os átomos se organizam, como os elétrons se organizam nesses materiais. E a radiação eletromagnética é a forma mais versátil de sondar hipóteses sobre isso. Então, desde a estrutura de um enzima até um microchip ou um material magnético, tudo isso você consegue sondar com a radiação eletromagnética. E a melhor e mais versátil fonte de radiação eletromagnética que a humanidade conhece são os aceleradores síncrotrons”, explica Harry.

Em um síncrotron de 4ª geração, como é o caso do Sirius, a variedade de experimentos possíveis é ainda maior, já que as imagens geradas têm melhor resolução. Além disso, o equipamento brasileiro foi desenvolvido para que haja uma coerência entre as linhas de luz.

"Isso faz com que um experimento possa sair de uma escala, ir pra outra, e assim por diante, respondendo a perguntas. Isso permite que o Sirius abrace vários problemas científicos", completa Harry.

Comunidade científica como protagonista

Fachada do Sirius
Nelson Kon
Fachada do Sirius

A maior parte dos experimentos realizados no Sirius partem de pesquisadores externos, sejam eles brasileiros ou não. Para atender ao grande número de cientistas que desejam utilizar o equipamento, a equipe do LNLS desenvolveu uma metodologia para selecionar projetos.

Inspirada em telescópios internacionais, o sistema busca ser "o mais inclusivo possível" ao não revelar para os avaliadores de onde vêm um projeto ou quem o escreveu. Segundo Harry, em média 1 em cada 3 projetos que se inscrevem para usarem o Sirius são aprovados, gerando cerca de 40 experimentos por ano em cada linha de luz.

"A gente se orgulha desse modelo, mas essa competição significa que tem muita gente ficando de fora, e projetos muitos bons. E o único jeito de melhorar isso é aumentando a quantidade de linhas de luz", afirma Harry.

Novas linhas serão construídas na fase 2 do projeto Sirius, que será viabilizada com investimentos do governo federal. O  novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contempla o Sirius com R$ 800 milhões liberados ao longo de quatro anos para o acelerador, que pode chegar a abrigar até 38 linhas de luz. "A conquista da fase 2 no PAC é uma das grandes conquistas dos últimos quatro anos", comemora Harry.

Para que a comunidade científica utilize o Sirius, os pesquisadores locais também precisam trabalhar bastante, embora não da forma habitual com a qual cientistas atuam nas universidades, por exemplo. "São pesquisadores especiais", define Harry.

Os cientistas do Sirius atuam como apoio para a comunidade externa de pesquisadores, sendo os tomadores de decisões dentro do laboratório. Para isso, acabam trabalhando com diversos assuntos que não necessariamente são suas especialidades.

"Isso é uma das coisas mais divertidas de trabalhar com luz síncrotron. Eu acho que uma das coisas que mais me motiva é justamente o fato de que você está falando sobre qualquer assunto científico o tempo todo. Ao mesmo tempo em que você está discutindo um problema de agronomia, você está discutindo um problema de magnetismo, ou um problema de formação do planeta. É muito divertido, porque é um ambiente muito transdisciplinar. E os pesquisadores são treinados para isso, não é qualquer pesquisador que se adapta a trabalhar com luz síncrotron", explica o diretor.

Além de apoiarem os outros cientistas, os pesquisadores do Sirius também atuam na chamada ciência de luz síncrotron, que foca a criar novas técnicas para a utilização do acelerador de partículas.

Além das publicações

Nos últimos quatro anos, Harry também afirma que houve no Sirius um avanço muito menos tangível do que as publicações de artigos científicos. Trata-se da internacionalização da ciência brasileira.

Segundo o diretor do LNLS, diversos grupos internacionais têm feito parcerias com pesquisadores brasileiros para conseguirem usar o Sirius. Além disso, membros de aceleradores de partículas de outros países visitaram o Sirius nos últimos anos para aprender a montar um síncrotron de quarta geração.

"Isso é menos tangível que um artigo publicado, mas é de tão grande importância quanto", afirma ele. "Essa internacionalização serve até como instrumento de diplomacia, de política internacional. O Brasil hoje vai para reuniões de tecnologia com uma carta na manga que é ter um dos três únicos síncrotrons de quarta geração do mundo", completa.

Antes do Sirius ser inaugurado, Harry conta que pesquisadores estrangeiros questionavam se os cientistas brasileiros estavam prontos para usar um equipamento deste nível. Quatro anos depois, a resposta está na ponta da língua. "Estamos demonstrando que eles não só estão como já estavam preparados, estavam só esperando a oportunidade", diz Harry.

Além da conclusão da fase 2 do projeto Sirius, a gestão do LNLS tem planos mais ambiciosos para o acelerador de partículas brasileiro. "Nosso grande sonho é que um dia vai ter algum pesquisador, de preferência aqui do Brasil, que vai usar o Sirius e vai ganhar um prêmio Nobel", afirma Harry. "Mas a gente sabe que isso é um processo. O que está acontecendo aqui é um reflexo da própria ciência brasileira, mas nós acreditamos que estamos dando mais instrumentos para a comunidade, sobretudo para a comunidade de jovens pesquisadores, que têm hoje no Sirius seu principal instrumento de pesquisa", completa.

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