Ave descoberta na Amazônia lembra Dodô, extinto no século 17
 Morais et al, Zootaxa (2025)/Wikimedia Commons/Reprodução
Ave descoberta na Amazônia lembra Dodô, extinto no século 17

Símbolo máximo de espécies desaparecidas, o D odô  virou sinônimo de extinção após ser eliminado da ilha de Maurício no século  XVII, pouco tempo depois do primeiro contato com colonizadores europeus. Agora, pesquisadores brasileiros identificaram na Amazônia uma ave cuja história desperta comparações inquietantes com a do famoso pássaro: a tinamu-de-máscara-ardósia, uma espécie terrestre que não demonstra qualquer temor diante da presença humana. As informações são do New York Times.


A nova ave foi registrada em áreas isoladas da Serra do Divisor, no extremo oeste do país, região montanhosa localizada na fronteira entre Brasil e Peru. O animal apresenta características visuais e comportamentais que não se assemelham ao padrão conhecido dos tinamus, grupo geralmente discreto, de plumagem apagada e hábitos extremamente cautelosos.

Esqueleto e modelo de dodô
Museu de História Natural da Universidade de Oxford
Esqueleto e modelo de dodô


Diferentemente de seus parentes, a tinamu recém-descrita ostenta penas em tons de canela-avermelhado e uma faixa escura sobre os olhos, que originou o apelido de “máscara” em seu nome popular.

O comportamento também chama atenção. Após a primeira identificação em outubro de 2021, no Acre, a equipe chefiada pelo pesquisador Luiz Morais levou cerca de três anos tentando observar indivíduos em campo.

Quando os encontros finalmente ocorreram, o que se viu foi uma ave surpreendentemente tranquila: caminhava vagarosamente pelo sub-bosque, não fugia da aproximação dos cientistas e, em alguns momentos, chegou a se deslocar em direção ao grupo de observação.

Por muitos anos, acreditou-se que dodôs tinham sido exterminados a pauladas por marinheiros holandeses
Alamy
Por muitos anos, acreditou-se que dodôs tinham sido exterminados a pauladas por marinheiros holandeses


A ausência de medo diante de um predador potencial, como o ser humano, acendeu um sinal de alerta entre os pesquisadores.

As vocalizações da espécie são tão peculiares quanto sua postura confiante. Enquanto a maioria dos tinamus emite sons curtos, repetitivos e de tom melancólico, a tinamu-de-máscara-ardósia apresenta um chamado longo e progressivo, cuja frequência se eleva gradualmente. O eco gerado se espalha pela floresta de forma desorientadora, dificultando a identificação da direção e da distância da ave. Esse comportamento inspirou o nome científico escolhido para a espécie, Tinamus resonans, em referência à reverberação intensa de seu canto.

A descoberta é considerada histórica. Cientistas apontam que esta pode ser a primeira nova espécie de tinamu da floresta descrita pela ciência em aproximadamente 75 anos, o que destaca a relevância da Serra do Divisor como área ainda pouco estudada e com elevado potencial para revelar biodiversidade inédita.

Apesar da comparação constante com o dodô, as duas aves não guardam relação evolutiva direta. O dodô era mais próximo de pombos e rolas, enquanto o tinamu pertence a um grupo totalmente distinto. Ainda assim, os paralelos comportamentais preocupam: ambas são aves de hábitos terrestres e demonstram ingenuidade quanto à ameaça representada por humanos.

Atualmente, a população da tinamu-de-máscara-ardósia é estimada em cerca de 2 mil indivíduos, todos restritos a uma faixa estreita de altitude na Serra do Divisor. Os cientistas classificam essa região como uma “ilha celeste”, um ambiente isolado em meio às planícies amazônicas, com picos que chegam a cerca de 800 metros de altura e abrigam plantas e animais altamente especializados em microhabitats específicos.

Esses ecossistemas funcionam como prédios naturais de múltiplos andares, onde cada altitude hospeda espécies distintas. Com o avanço das mudanças climáticas e o aumento das temperaturas, muitos animais tendem a buscar áreas mais elevadas. Para aqueles que já ocupam o topo, no entanto, não existe rota de fuga possível. O fenômeno é conhecido como “escada rolante da extinção”.

No caso da tinamu-de-máscara-ardósia, essa vulnerabilidade é extrema, já que sua distribuição está praticamente limitada ao último “andar” da serra. Qualquer alteração significativa no ambiente pode ter impacto direto sobre a sobrevivência da espécie. Incêndios florestais figuram entre as maiores ameaças, especialmente porque a vegetação local cresce sobre antigos solos de arenito. Um único incêndio pode comprometer áreas formadas ao longo de milhares de anos.

Projetos de infraestrutura também preocupam a comunidade científica. Há propostas em discussão para a construção de uma rodovia ligando Brasil e Peru, além de um projeto ferroviário transcontinental que, segundo ambientalistas, poderia acelerar o desmatamento em áreas sensíveis da Amazônia.


Embora a Serra do Divisor esteja atualmente protegida por um parque nacional, que é o quarto maior do país, há iniciativas políticas para flexibilizar o nível de proteção, abrir espaço para exploração econômica e até permitir atividades de mineração na região.

Para os pesquisadores, o caso da tinamu-de-máscara-ardósia representa um lembrete vivo das lições deixadas pelo dodô: espécies restritas, despreparadas para lidar com a presença humana e habitando áreas isoladas podem desaparecer em poucas décadas se a conservação não for prioridade. A descoberta científica, portanto, vem acompanhada de um aviso urgente: conhecer é apenas o primeiro passo para proteger.

    Comentários
    Clique aqui e deixe seu comentário!
    Mais Recentes