O maior desafio da Polícia Civil, no caso que envolve o personal trainer Eduardo Alves de Sousa, de 31 anos, sua esposa, Sandra Mara Fernandes, de 33, e um morador de rua, de 48 anos , é elucidar se houve ou não violência sexual praticada por parte do sem-teto contra a mulher.
Eles foram flagrados por Eduardo fazendo sexo dentro do carro dela na noite do último dia 9; o homem, enfurecido, espancou o pedinte e, à autoridade policial, afirmou que ele havia se aproveitado de um estado de fragilidade psicológica dela. Até agora, nenhum dos envolvidos foi indiciado.
Logo após o fato, foi vazado um áudio de Sandra, onde, de forma confusa, explicava como foi parar — segundo ela consensualmente — nos braços do morador de rua, após uma ação de caridade. Ela narra que, após receber massagem nos pés e presenteá-lo com uma bíblia — que havia ganhado de Eduardo —, viu Deus e a imagem do marido no sem-teto. Por isso, resolveu beijá-lo na frente da sogra e, posteriormente, ir com a ele a sós a outro lugar. "Era o meu propósito", diz na gravação.
Com base nas afirmações de pessoas próximas a Sandra de que o fato pegou a todos de surpresa, e também no teor do que ela afirma na gravação, O GLOBO resolveu procurar um especialista para entender se, de fato, a situação pode se tratar de uma espécie de surto psicótico.
De acordo com o dr. Rafael Maksud, psiquiatra e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), é difícil fazer qualquer diagnóstico sem uma análise profunda da paciente ou de seu histórico, mas afirma que pessoas com este tipo de condição começam a apresentar alguns sinais, mesmo que sutis, antes de acabarem chegando a um nível mais crítico da doença.
— Quando falamos de surto psicótico, isso não vem a se desenvolver de uma maneira tão abrupta, em aspecto de minutos ou horas. A pessoa, antes de chegar a um quadro clínico agudo, ela vai dando alguns indícios anteriores de alteração de comportamento, de pensamento. Em raras exceções, acontece de forma abrupta quando há uso de substâncias psicoativas ilegais — introduz o especialista. — Quando o marido diz que ela poderia estar tendo um surto, significa que possivelmente ele já vinha percebendo alguma alteração de comportamento, de pensamento, comopor exemplo alguma atitude mais inadequada, inapropriada, uma fala umpouco mais confusa, desconexa. Convivendo com a pessoa diariamente, ele com certeza observaria isso.
Com base apenas no áudio, o psiquiatra afirma que é possível, sim, notar alguns sinais que apontam para a possibilidade de que a mulher estivesse fora de si, como por exemplo quando cita Deus; é o que ele chama de um "delírio místico". Curiosamente, Eduardo (o marido) revelou que a mulher havia começado a frequentar a igreja há poucos dias, e não tinha o costume de "evangelizar" ninguém.
— Fica muito difícil, somente com o áudio, analisar questões de adoecimento psíquico.Mas quando ela diz que aceitou se relacionar com o morador de rua porque estava vendo a imagem de Deus e, em outros momentos a imagem do esposo, há um sinal de alteração na percepção, alucinações visuais, auditivas, que compõem um surto psicótico. Quando ela fala da bíblia, que sentia que aquela era uma missão dela, já é um discurso que pode-se suibentender como um discurso delirante místico, de conteúdo religioso, onde de fato, se a pessoa está nesse quadro mais agudo, pode gerar esse discurso desagregado, com ideias delirantes, e a pessoa acaba acreditando nessa fantasia criada na mente dela — esclarece Maksud.
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Questionado também sobre um dos principais pontos que hoje pauta a investigação policial, se seria possível que o morador de rua tivesse percebido o estado possivelmente alterado da mulher, o psiquiatra afirma que é muito provável a percepção por parte de quem interage com uma pessoa em surto; mas pondera que é difícil afirmar, sem saber sobre a condição psíquica também do sem-teto, se ele teria ou não esta capacidade naquele momento.
— Eu não sei quais eram as condições deste homem que teve relações sexuais com a mulher e seu estado de sanidade. Mas, se ele se encontra em estado de sanidade plena, é bem provável sim que possa ter acontecido de ter tirado proveito da situação, mesmo sabendo que alguma coisa ali poderia estar acontecendo de errado, que aquela moça não estava no seu estado de plenitude, falando coisa com coisa, e com comportamentos inapropriados. É normal que a gente veja em pessoas com surtos psicóticos ela vivendo uma fantasia como se fosse pura realidade, inclusive tendo comportamentos como a hiperssexualidade em alguns casos, euforia... depende muito e o quadro precisa ser muito bem analisado — afirma. — Nesses surtos agudos, é necessária uma internação psiquiátrica para que a gente possa tirar essa pessoa do estado agudo e trazê-la para uma consciência mais plena, e trabalhar o seu retorno à vida em sociedade, claro, com suporte profissional e familiar.
O médico também afirma que, se de fato a pessoa estiver tendo um episódio psicótico, ela pode perder a percepção sobre o que é certo ou errado, e sobre o que ela pode ou não fazer. Isso explicaria a iniciativa tomada por Sandra.
— Quando nos deparamos com uma pessoa que já está desenvolvendo um transtorno na linha das psicoses, realmente esta pessoa muitas das vezes não está no seu estado de consciência plena, não está apta a entender o que é certo ou errado nas suas tomadas de decisões. Então, ela se encontra fragilizada,vulnerável, ou seja, em risco de exposições a si e, muitas vezes, a outras pessoas também. Esta mulher, se constatado de fato um adoecimento psíquico nessa linha de psicoses, se torna vulnerável com certeza; porque ela não responde por si. E mesmo uma pessoa leiga observando, quando notar um discurso mais desagregado, desconexo, realmente vai perceber que tem alguma coisa errada.
Por fim, o Dr. esclarece que é preciso uma análise médica aprofundada para traçar um diagnóstico sobre Sandra.
— O que a gente pode subentender é que, com essas possíveis alterações, se essa pessoa realmente estiver adoecida psiquicamente, é algo que tem que ser muito bem investigado. Inicialmente, num contexto de internação em regime fechado, sendo feito um tratamento muito intensificado. Investigar histórico, conversar com essa pessoa, principalmente após ela ir retomando seu padrão de sanidade. É importante ouvir familiares, tentar entender todo o histórico dessa pessoa. Em 95% das vezes o diagnóstico psiquiátrico é muito baseado através de uma boa anamnese, ou seja, um histórico de vida muito bem detalhado, desde a infância, adolescência, até a vida adulta — conclui.
A 16ªDP de Planaltina (DF) investiga o caso, que a pedido do delegado Diogo Cavalcante está sob segredo de Justiça. Perícias têm sido feitas no carro, que continua estacionado no pátio da unidade ainda com o vidro quebrado pelo personal trainer em seu momento de fúria. A reportagem tentou entrar em contato com Eduardo Alves, mas não obteve retorno; Sandra está internada em tratamento. O morador de rua, que garante que o ato sexual foi consensual e a convite da mulher, foi acolhido num abrigo fora de Planaltina por conta de sua vulnerabilidade após a repercussão do caso.
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