Aluno acusado de racismo e nazismo escreveu em aplicativo de conversas: 'Tu não é ariano, te coloco pra assar'
Reprodução/O Globo 18.03.2022
Aluno acusado de racismo e nazismo escreveu em aplicativo de conversas: 'Tu não é ariano, te coloco pra assar'

Três alunos do Instituto Federal do Mato Grosso do Sul (IFMS), em Campo Grande, acusam o estudante de informática José Evaristo Diel Freitas, de 18 anos, de ofensas racistas e apologia ao nazismo. As vítimas apontam que foram alvo de ameaças e insultos preconceituosos tanto virtualmente como presencialmente.

Em uma das mensagens, à qual O GLOBO teve acesso, o suspeito escreveu que "tu não é ariano, te coloco pra assar". Também teria falado em "massacre" e "tortura", embora seu pai — também seu advogado — negue.

A Polícia Civil investiga a denúncia após mães das vítimas registrarem um boletim de ocorrência no último dia 28. O caso é tratado inicialmente como ameaça e injúria racial. Segundo a delegada Fernanda Félix, titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), "por ora, não existe materialidade para apologia ao nazismo".

Em entrevista ao GLOBO sob condição de anonimato, uma das vítimas afirmou que José Evaristo se apresentava como nazista em rodas de conversa na instituição. Segundo o relato, ele começou a frequentar o campus apenas em meados de fevereiro deste ano e não tinha amigos. Os dois são colegas de turma no curso médio técnico de informática do IFMS.

Foi em um grupo no aplicativo Discord, usado geralmente para games, que José Evaristo escreveu a um colega de sala de aula: "tu não é ariano, te coloco pra assar". Antes, ele havia mandado uma mensagem em que dizia "faço saudação nazista e te mando se 'concentrar'", supostamente em alusão a campos de concentração.

Mensagens foram trocadas em grupo da turma no aplicativo Discord
Reprodução/O Globo 18.03.2022
Mensagens foram trocadas em grupo da turma no aplicativo Discord

No dia 24 de fevereiro, conta a vítima, o suspeito novamente fez uma série de comentários racistas em uma lanchonete localizada a cerca de 500 metros do campus do IFMS, onde alunos costumam comer. José Evaristo teria seguido um grupo de estudantes até o local, quando abordou uma menina se dizendo nazista.

"Ela olhou com espanto, e ele respondeu: 'O que foi? Você é judia por acaso?'. Quando ela disse que sim, ele falou que podia ficar tranquila que ela seria a última a morrer. Apontou para mim e disse que eu seria o primeiro, porque sou maior e negro, então tenho mais massa escura. Em seguida apontou para o colega à minha esquerda e disse que ele seria o segundo por ser negro e menor. Depois apontou para um terceiro colega e não falou mais nada. E, no último, disse que ele deveria torturado", disse a vítima, que conta ter entrado em "estado de choque".

No dia seguinte ao ocorrido, a vítima e sua mãe foram ao IFMS denunciar o caso. Em 3 de março, houve uma nova reunião com pais de outros alunos que relataram ameaças de José Evaristo. Na ocasião, foi comunicada a suspensão provisória do acusado, que se desculpou dias depois.

Relatos feitos por outros alunos expõem que José Evaristo também comentava sobre zoofilia e tinha o mesmo comportamente desde o ensino fundamental.

Em ato realizado nesta quinta-feira em frente ao campus do IFMS, alunos exibiram cartazes e bradaram que "racistas e nazistas não passarão". Uma das organizadoras, a estudante Maria Eduarda Macedo, representante da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), disse que "alguns alunos da sala dele foram atacados pela cor da pele e sofreram ameaça de massacre".

"Antes de formular a denúncia, outros colegas falaram com a gente que ele tinha assuntos estranhos. Ele tinha comentado que essa escola é boa para fazer um massacre", falou a vítima.

Conversa sobre Apartheid

O advogado José Freitas, pai de José Evaristo, afirmou à reportagem que as acusações apresentadas carecem de provas. Ele disse ainda que a frase 'tu não é ariano' teria sido dita pelo filho após ser incitado por um grupo de colegas durante uma partida online de videogame.

"Não existe materialidade nenhuma. Eles trouxeram diversas provas que serão usadas contra eles no devido momento. Todos aqueles que ofenderam a honra de José Evaristo serão responsabilizados civil e criminalmente", disse.

"Tirando essa infelicidade, não existe vinculo ao nazismo."

Freitas confirmou que um dos episódios que teria dado origem à acusação aconteceu em uma lanchonete nas proximidades da escola, após uma aula sobre economia e politica social. O advogado relata que um deles teria dito que o Apartheid — regime segregacionista implementado na África do Sul — teria sido pior que o Holocausto, o que teria feito seu filho intervir na conversa.

"Ele disse que não era bem assim. Disse que todos ali poderiam morrer no Holocausto por ter sangue misto. Meu filho se incluiu", afirmou Freitas. "É muito triste usarem o fato de ele ter ascendência alemã por parte de pai e colocarem a pecha de nazista.  O crime de racismo se aplica a todas as raças. Nós somos seres humanos."

Aluno afastado

Em posicionamento feito nesta terça-feira, o IFMS afirmou que a suposta situação envolvendo os estudantes aconteceu fora da instituição, em um comércio nas proximidades do campus.

Disse ainda que, ao ser informada do episódio, a direção-geral do campus iniciou um processo de apuração e afastou, de maneira cautelar, o acusado. E destacou que, até aquele momento, não havia constatado a veracidade dos fatos.

Diante de críticas à manifestação, o instituto informou, em nova nota divulgada nesta quarta-feira, que a situação está sendo apurada desde 25 de fevereiro, quando a direção-geral recebeu um e-mail com denúncias sobre uma possível ameaça.

Disse ainda que o estudante encaminhou um pedido de transferência do IFMS e que a polícia foi comunicada pelos pais dos alunos e investigava o caso. Por fim, ressaltou que oferece assistência psicológica e social aos envolvidos e que estão sendo preparadas ações de conscientização.

"O IFMS está empenhado na promoção de atividades coordenadas, de caráter administrativo e pedagógico, que possibilitem mitigar impactos causados pela situação e proteger a comunidade escolar", diz a nota.

Após a repercusão do caso, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional (Sinasefe-MS) repudiou em nota "os eventos de racismo e apologia ao nazismo" ocorridos no campus do IFMS. A entidade criticou a resposta da instituição sobre o episódio e exigiu uma "rigorosa investigação".

"Destacamos que toda diversidade humana, seja étnica, racial, religiosa ou de gênero em nossa comunidade acadêmica é motivo de orgulho para nós, mas também reconhecemos que as ações de combate ao racismo estrutural, que perpassa a sociedade brasileira, devem ser permanentes, uma vez que a diversidade não se confunde com a falácia da “democracia racial” à brasileira", diz o texto.

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