A defesa de Mirelis Yoseline Diaz Zerpa, mulher de Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como "faraó dos bitcoins", anexou ao processo no qual o casal é réu na Justiça Federal um termo de declaração em nome do ex-garçom que isenta a venezuelana de responsabilidades pelas atividades da GAS Consultoria, empresa da qual os dois são sócios. A nova estratégia dos advogados de Mirelis, que se encontra foragida desde agosto do ano passado, quando Glaidson e outros integrantes do grupo foram presos pela Polícia Federal, é alegar que ela não tinha qualquer função de gestão dentro da organização, por mais que as investigações tenham indicado o contrário.
O documento, apresentado à Justiça na última terça-feira, foi assinado por Glaidson no dia 7 de março. No texto, ele afirma que a esposa "jamais, a qualquer tempo, foi administradora" da GAS ou "de qualquer outro empreendimento possivelmente vinculado às empresas". Os ex-garçom assegura ainda que ela nunca possuiu "controle ou acesso às contas bancárias das companhias". Mirelis, contudo, chegou a sacar, já depois da prisão do marido, o equivalente a pouco mais de R$ 1 bilhão em criptomoedas nos Estados Unidos, para onde, segundo as autoridades, seguiu após deixar o Brasil.
Em seguida, Glaidson tenta explicar por que, se ela não tinha envolvimento com as operações, era o nome da venezuelana que constava em todas as notas promissórias repassadas aos clientes ao fechar o contrato de investimento, no qual a GAS prometia rendimento mensal de 10%, muito acima do praticado pelo mercado formal. "As assinaturas a título de aval estampadas nas notas promissórias elaboradas para os contratos de investimento do empreendimento GAS eram feitas de maneira mecânica, utilizando-se de máquinas para a produção, sem que de fato existisse assinatura dos avalistas, no intuito de otimização do procedimento", argumenta o "faraó".
Por fim, embora alegue que Mirelis sequer participava de fato das assinaturas, Glaidson assegura que, para garantir que o nome dela constasse nas notas promissórias, "a mesma era constantemente ameaçada com o divórcio e de que seria enviada de volta ao seu país de origem, Venezuela". O ex-garçom cita, neste ponto, o frágil contexto social e político venezuelano, uma vez que, estando lá, a companheira seria "forçada a viver o regime totalitário que ali assola". Glaidson, então, diz que era a "condição de parceiros" que permitia à companheira "viver de forma regular dentro do Brasil". Ele arremata: "Eu a coagia, ameaçando terminar com essa condição".
Ao apresentar o termo de declaração à 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, os advogados de Mirelis, Ciro Costa Chagas e André Luiz Hespanhol Tavares, ponderam que, no documento, Glaidson "corrobora com a tese defensiva", "afirmando que esta nunca possuiu qualquer controle administrativo das empresas". Os profissionais reforçam ainda que o ex-garçom confessa "que se valia de 'ameaças' de divórcio e deportação para obter da paciente as confirmações das assinaturas de avalista".
O GLOBO tentou contato com os dois advogados para que comentassem a guinada no caso. Ciro Chagas chegou a informar que não poderia falar no momento por estar em outra ligação, mas não retornou o telefonema nem voltou a atender nas tentativas seguintes. Não foi possível localizar André Hespanhol.
Leia Também
Além de ser formalmente sócia da GAS, Mirelis é apontada, em diversas ações movidas por clientes da GAS na esfera cível, como uma das idealizadoras do esquema. Ela figura como alvo, enquanto pessoa física, na enorme maioria dos processos contra o grupo que tramitam Brasil afora. A nova estratégia adotada pela defesa da venezuelana não convenceu advogados de investidores ouvidos pelo GLOBO.
"Essa declaração é um típico estratagema jurídico grosseiro. Ao afirmar que a esposa sofreu coação relativa ou moral, o Glaidson busca, de forma espúria, tentar criar um terreno que favoreça à nulidade do negócio jurídico, no caso, o contrato com os clientes. É apenas uma manobra jurídico-processual", analisa o advogado goiano Artêmio Picanço, cujo escritório representa cerca de 300 famílias lesadas pela GAS.
Já Luciano Régis, que defende dezenas de investidores da empresa, vê na nova abordagem "um claro sinal de desespero". A intenção de Glaidson, para o advogado, seria tentar proteger tanto a esposa quanto o patrimônio.
"Com esse objetivo, ele confessa diversos crimes, inclusive de violência contra a mulher. Mas o fato é que quem introduziu o Glaidson no "mundo das criptomoedas" foi a Mirelis, que chegou a movimentar R$ 1 bilhão após a prisão do marido, como mostram as investigações. Vale lembrar que essa versão nunca foi apresentada nos processos nos quais ela é ré", pontua Régis.
De acordo com investigadores, no dia 23 de junho do ano passado Mirelis viajou sob forte esquema de segurança de Cabo Frio, cidade na Região dos Lagos que era a base dos negócios do casal, para a capital do estado. Em seguida, ela foi para o México e, então, para os Estados Unidos, firmando domicílio em Miami. De lá, a venezuelana teria continuado a conduzir as atividades do grupo.