A GAS Consultoria , empresa de Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como "Faraó dos bitcoins" , tornou-se alvo de mais uma ação coletiva na Justiça do Rio. O processo foi aberto na última terça-feira pela Associação Nacional Centro da Cidadania em Defesa do Consumidor e Trabalhador (Acecont) e tramita na 2ª Vara Empresarial da Capital. O novo imbróglio judicial envolvendo o grupo foi revelado pelo portal " G1 " e confirmado pelo GLOBO , que teve acesso à petição inicial apresentada pela entidade.
No texto, os advogados estimam que há até 300 mil lesados — o maior número já mencionado até agora — pelo esquema que, segundo as autoridades, simulava investimentos com criptomoedas para mascarar uma pirâmide financeira. A defesa da Acecont dá à causa o valor de R$ 17 bilhões, que representariam o montante total aportado por clientes da empresa.
Na ação civil pública, a associação pede que a Justiça determine o depósito em juízo de todo o valor devido pela GAS a investidores não só do estado do Rio, como do Brasil inteiro. Os advogados ponderam que, até o momento, cerca de R$ 300 milhões já foram bloqueados em contas do grupo no âmbito do processo criminal que corre na 3ª Vara Federal Criminal da Comarca do Rio de Janeiro. Esta cifra, contudo, não chegaria "nem a 1% do valor total a ser ressarcido aos lesados".
"O pagamento urgente aos clientes se revela necessário, tendo em vista que somente a devolução do capital dos consumidores não será de molde a estancar as dívidas celebradas até a presente data, e os efeitos sociais e econômicos são gigantescos e avassaladores", pontua a defesa da Acecont, que solicita não apenas a devolução dos valores aportados, mas também os rendimentos prometidos pela GAS nos contratos. Nos acordos, que tinham validade de 24 ou 36 meses, o grupo prometia lucro mensal assegurado de 10%, com o extorno de todo o valor repassado ao fim do período.
Os advogados argumentam também que a justificativa dada pela empresa para a interrupção nos pagamentos, responsabilizando uma ordem judicial para que todas as atividades fossem suspensas, "não é verossímil". Eles citam, por exemplo, o fato de que os acertos seguiram ocorrendo normalmente durante mais de 20 dias mesmo após a prisão de Glaidson e outros integrantes do grupo, em 24 de agosto do ano passado, quando foi desencadeada a Operação Kryptos.
"Sustentam os réus que, em virtude do bloqueio das contas das empresas e das respectivas blockchains, não é possível efetuar o pagamento de seus clientes", afirma a associação, acrescentando que, no entanto, "o Poder Judiciário jamais seria conivente com qualquer descumprimento contratual". O texto prossegue: "A decisão de impedimento de manutenção das atividades empresariais não se confunde com o pagamento dos consumidores". A petição alega ainda que "se de fato é verdadeira a alegação de que a empresa paralisou o pagamento dos rendimentos aos consumidores devido ao bloqueio de suas contas [...], não pode o Judiciário prejudicar mais de 300 mil pessoas".
"A empresa alega que se pagar aos clientes estará incorrendo em crime de desobediência, já que existem essas ordens judiciais. Só que, no nosso entendimento, não poder operar não significa não pagar o que deve. E estamos falando de pessoas extremamente prejudicadas, que necessitam com urgência do dinheiro", explica a advogada Renata Mansur Fernandes Bacelar, uma das quatro que assina o documento: "Esse valor de R$ 17 bilhões é uma estimativa, uma conta aproximada com base nas poucas informações que temos sobre esse grupo, já que os dados detalhados e balanços não foram divulgados."
Leia Também
A Acecont também destaca na petição que a própria empresa divulgou — tanto por comunicado oficial quanto através de declarações públicas de uma das advogadas de Mirelis Yoseline Diaz Zerpa, esposa de Glaidson e atualmente foragida — ter capital para arcar com todos os pagamentos devidos. A mesma profissional chega a figurar como um dos alvos da ação por, segundo a defesa da associação, ter cometido supostos crimes contra as relações de consumo. Os advogados da Acecont afirmam que ela seria casada com um consultor da GAS e sócia de um suspeito foragido em uma das muitas empresas que compõem o grupo. O GLOBO não conseguiu contato com a profissional.
"Em lives nas redes sociais, ela garantiu que a GAS tem dinheiro para pagar todo mundo. Se tem, que deposite numa conta judicial. Se não tem, ela induziu o consumidor ao erro, ao desestimular que cada um busque seu próprio direito. É publicidade enganosa. Além disso, se ela, na condição de sócia, ajuda a ocultar o dinheiro, passa a se favorecer pessoalmente", diz Renata Mansur.
Em fevereiro, o GLOBO revelou que Glaidson e GAS eram alvo de uma outra ação coletiva, movida pelo Instituto Abradecont (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e Trabalhador). O processo, que já reunia à época cerca de cem vítimas, é apontado por especialistas como tendo potencial para se tornar um dos maiores do gênero do país no campo das chamadas relações de consumo.
No ordenamento jurídico brasileiro, ações civis públicas são restritas a determinados entes, como Defensorias, Ministérios Públicos, União, estados e municípios, além de autarquias, a exemplo do Procon. Também estão aptas associações privadas como a Abradecont e a Acecont, desde que constituídas há mais de um ano e tenham entre seus princípios institucionais objetivos ligados ao tema do processo — no caso da GAS, a defesa dos consumidores vitimados pela empresa.