RIO — A velocidade do desmatamento na Amazônia, que não dá sinais de trégua enquanto a Covid-19 avança pelo Brasil e pela Região Norte, pode provocar uma escalada na crise do coronavírus durante a temporada de queimadas.
O alerta é do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que salienta a grande procura por hospitais por problemas respiratórios decorrente dos incêndios. Além de aumentar a exposição da população em ambientes hospitalares, estudos indicam que a exposição a partículas finas aumentam a predisposição à infecção pelo coronavírus.
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A nota técnica divulgada pelo instituto leva em conta o histórico da degradação do bioma amazônico. Enquanto a derrubada da mata atinge o pico entre os meses de maio em julho, a queima da floresta desmatada ocorre nos meses seguintes. Com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Ipam estimou a área derrubada que não foi alvo do fogo e concluiu que há 4.503 km² de floresta a serem queimadas, o equivalente a três vezes à da cidade de São Paulo.
Deste montante, 661 km² foram derrubados somente entre janeiro e maio deste ano. Os 3.848 km² restantes referem-se à floresta que foi desmatada no ano passado, mas que não foi queimada. O instituto prevê que o número pode dobrar até o fim de julho, ou seja, o Brasil pode ter até 9 mil km² de materiais prontos para serem incendiados. As projeções indicam que o país pode repetir o roteiro das queimadas de 2019, que mobilizaram o mundo inteiro a favor da preservação do bioma e contra a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro, ou mergulhar em um cenário ainda mais sombrio.
Segundo números do Ipam, para que o governo repita o volume de incêndios registrados em 2019, basta que 60% da floresta desmatada seja incendiada. A tendência crescente do desmatamento em meio à pandemia, no entanto, indica que o volume queimado será ainda pior. Caso esse índice chega a 100%, os pesquisadores preveem uma situação de calamidade pública . Um alerta similar foi feito por três pesquisadores do Inpe na semana passada.
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Se no ano passado várias cidades amazônias, como Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO), foram tomadas por nuvens de poluição durante dias. O fenômico levou parte da população aos hospitais e a fumaça chegou até São Paulo. A combinação do problema com a crise do coronavírus pode levar a uma "tempestade perfeita", aponta o Ipam. O relatório cita um estudo da Universidade Harvard (EUA) que aponta para um aumento de 8% na taxa de mortalidade da Covid-19 entre pessoas expostas a partículas finas de poluição conhecidas como PM 2.5.
O cenário pode levar a uma sobrecarga ainda maior nos sistemas hospitalares da região amazônica. O estado do Amazonas, por exemplo, viu o sistema colapsar com o avanço do coronavírus pelo estado. Outros estados do Norte, como o Pará, também enfrentam dificuldades. O território paraense é o que concentra a maior parte das áreas desmatadas não queimadas, representando 42% ao todo, seguido por Mato Grosso (23%), Rondônia (13%) e Amazonas (10%). Além disso, a maior parte está localizada nas chamadas áreas de floresta pública não destinada (pertencentes à União e sem uso específico).
A ONG pontua, ainda, que mesmo regiões que sofreram com um grande volume de chamas em 2019 ainda contam com volumes expressivos de floresta dematada não queimada, como na região da rodovia BR-163, no Pará, onde aconteceu o chamado "dia do fogo", quando fazendeiros teriam organizado queimadas com o intuito de passar uma "mensagem" de apoio à política ambiental do Governo Bolsonaro.
De acordo com dados do Sistema Deter, do Inpe, os alertas de desmatamento na Amazônia aumentaram 22% entre janeiro e maio de 2020 em comparação com o mesmo período em 2019. O Imazon, que utiliza outro sistema de monitoramento, concluiu que a derrubada da floresta em abril teve o maior índice do mês desde 2008, quando o levantamento começou a ser realizado.
Como saída para evitar a crise, o Ipam defende que a operação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia Legal, amparada pelo decreto 10.341 de 2020, seja prolongada até o fim de outubro com o intuito de combater ações criminosas, além do monitoramento atento às áreas desmatadas e com focos de queimadas tanto pelo governo federal quanto pelos estados amazônicos. Em termos de programa, a ONG defende que haja novas demarcações de terras no Brasil e a ação do Congresso Nacional contra projetos que favoreçam a ação de desmatadores.
Em 2019, o Brasil enfrentou forte pressão internacional pelo v olume de queimadas na Floresta Amazônica .O assunto foi uma das principais agendas da cúpula do G-7 em Biarritz, na França, e levou a um embate direto entre Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron, e com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. A crise também esfriou as tratativas do acordo entre a União Europeia e o Mercosul.