Foi na terça-feira da semana passada (19), que o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, anunciou que o governo brasileiro montaria força-tarefa para oferecer ajuda humanitária à Venezuela. Sete dias depois, no entanto, a maior parte do carregamento com alimentos e remédios continua estocada em um galpão em Boa Vista (RR).
A primeira tentativa de cruzar a fronteira com caixas de leite em pó, arroz e kits médicos foi realizada no sábado (23), na fronteira em Pacaraima. Mas as tropas da Guarda Nacional Bolivariana, leal ao regime de Nicolás Maduro, não liberaram a passagem e, no domingo (24), as duas caminhonetes que levariam ajuda humanitária retornaram para o Pelotão Especial de Fronteira , base da Operação Acolhida, no município roraimense.
Ao firmar cooperação internacional com os Estados Unidos e com o principal opositor de Maduro, o autodeclarado "presidente encarregado", Juan Guaidó, o governo brasileiro já sabia que levar os insumos para dentro do território venezuelano não seria tarefa simples. Tanto que as tratativas com a representante de Guaidó no Brasil, Maria Teresa Belandria, definiram que o transporte dos carregamentos fosse realizado exclusivamente por veículos venezuelanos, e por motoristas venezuelanos.
Guaidó já fez reiterados apelos para que os militares que guardam as fronteiras liberem a passagem dos veículos. O presidente interino prometeu imunidade àqueles que descumprirem com as ordens do regime Maduro e abram caminho para os caminhões. Mais de 160 militares bolivarianos já desertaram e cruzaram as fronteiras com o Brasil e com a Colômbia (que também foi fechada), mas, ainda assim, nenhum alimento ou remédio chegou aos venezuelanos.
O governo brasileiro assegurou, em nota divulgada no domingo, que "novos deslocamentos serão planejados à medida que os meios de transportes estejam disponíveis e a situação diplomática e de segurança esclarecida".
Ajuda humanitária tem "comida cancerígena", diz Maduro
O governo brasileiro separou 178 toneladas de alimentos e remédios para enviar aos venezuelanos. Os insumos embarcaram num Boeing 767 da Aeronáutica na sexta-feira (22) , em Brasília, e desembarcaram na capital de Roraima já com a previsão de que haveria longa espera para a entrega.
Isso porque, desde a noite anterior (21), a fronteira entre a Venezuela e o Brasil já estava fechada pelos militares alinhados com Maduro, que não gostou nada da negociação alheia à sua autoridade.
“O tempo dos medicamentos e alimentos que estamos levando tem um prazo de validade bastante alongado. Dois, três meses [estocados] não nos preocupa”, disse o porta-voz do Planalto, ainda na semana passada.
Os alimentos disponibilizados não são perecíveis e incluem feijão, leite em pó, açúcar e arroz (este último, doado pelo governo dos EUA). Já os kits médicos incluem medicamentos como antibióticos que, segundo o encarregado de negócios da embaixada dos EUA no Brasil, Wiliam Popp, estão disponíveis em quantidade capaz de garantir atendimento até 6 mil venezuelanos durante um mês.
Maduro justifica o veto à entrada dos insumos sob o argumento de que a ajuda oferecida pela cooperação internacional tem comida "podre" e "cancerígena" e representa "brincadeira de enganar bobo". De acordo com o chavista, o envio de ajuda é apenas um pretexto para que o governo americano de Donald Trump realize invasão militar à Venezuela.
"Ajuda humanitária? A quem Donald Trump ajudou em sua vida?", indagou Maduro durante discurso em Caracas, no sábado. "O que ele quer é a imensa riqueza que tem a Venezuela. Abram os olhos, queridos compatriotas. Estão fazendo operação para invadirem com militares, colonizar nosso país e roubarem nossas riquezas por mais 100 anos."
Aliados de Guaidó rebatem críticas de Maduro à ajuda humanitária
Popp, por outro lado, garantiu que o envio de ajuda aos venezuelanos trata-se de um movimento "completamente humanitário", e não político. "Pedimos às forças de segurança da Venezuela que permitam que esses produtos cheguem, que essas forças não usem da violência contra o seu povo. O mundo está de olho", disse.
O apelo foi corroborado pelo ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo . O chanceler do governo Bolsonaro disse que as tropas que guardam a fronteira têm o "dever moral" de permitir que os insumos cheguem aos venezuelanos e também o "dever político" de "compromisso com o governo constitucional de seu país", referindo-se ao grupo de Juan Guaidó.
Para além da guerra de declarações, o veto à entrada da ajuda humanitária à Venezuela tem provocado confrontos violentos nas fronteiras – que já deixaram ao menos quatro mortos. Em Roraima, o governador Antonio Denarium (PSL) chegou a declarar estado de calamidade pública para a saúde devido ao alto número de atendimentos a pessoas feridas em conflitos com agentes das forças de segurança de Maduro.
Já do lado colombiano da fronteira, os confrontos incluíram a queima de dois caminhões carregados com toneladas de insumos que seriam entregues à Venezuela como ajuda humanitária . Nesta segunda-feira (25), Guaidó condenou as ações, classificadas por ele como um "banho de sangue" promovido por Maduro, e resumiu a situação assim: "Em apenas um dia, o mundo viu o que a Venezula vem sofrendo há anos".