A sequência de episódios violentos em escolas no Brasil nos últimos dias jogou luz sobre um debate que há anos acontece em países como os Estados Unidos. Qual a forma correta de noticiar massacres e crimes de ódio? Estudos mais recentes apontam que é preciso cuidado para evitar o chamado efeito contágio.
No último dia 27, um adolescente atacou a escola estadual Thomazia Montoro , na Vila Sônia, em São Paulo. A ação resultou na morte da professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos . Rapidamente, diversas imagens do crime passaram a circular nas redes sociais e logo chegaram aos veículos de imprensa. Na ocasião, estudiosos alertaram que a exposição midiática poderia “estimular” a ocorrência de casos semelhantes. Apelo semelhante foi feito pelo secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite , que pediu aos jornalistas que não exibissem as cenas, que causariam “gatilhos” em outras pessoas.
Menos de dez dias após o episódio, o Brasil novamente viveu o drama de um novo ataque. Na última quarta-feira (5), um homem de 25 anos invadiu uma creche em Blumenau (SC) e matou quatro crianças com idades entre 4 e 7 anos. Outras quatro ficaram feridas. Novamente imagens do crime caíram nas redes. Desta vez, os principais grupos de comunicação do Brasil optaram por não divulgar nome e imagens do assassino nem as cenas de violência.
Essa foi a decisão editorial adotada no Portal iG e nos jornais O Dia e Meia Hora . Veículos do Grupo Globo, O Estado de S.Paulo, CNN e Band adotaram a mesma estratégia na cobertura do caso. "O nome e a imagem de autores de ataques jamais serão publicados, assim como vídeos das ações", disse William Bonner durante o Jornal Nacional, explicando que a restrição também se estende a "ataques frustrados subsequentes, para conter o efeito contágio".
No Jornal da Band, Eduardo Oinegue foi além. “Por mais absurdo que pareça, muitas vezes esses caras querem isso: fama, holofote. Eles gostam desse palco macabro.”
De acordo com a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Telma Vinha, foram registrados 22 ataques violentos a escolas nos últimos 20 anos. Desse total, nove deles aconteceram de setembro de 2022 para cá. Os dados apontam a enorme escalada desse tipo de crime no Brasil, destacou a acadêmica durante participação no webinário “A cobertura jornalística de ataques a escolas”, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).
No mesmo evento, a pesquisadora Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília, alertou que a difusão de fotos e vídeos do crime funciona como um “incentivo à repetição” do ato e provoca uma idolatria ao autor. Além disso, a divulgação dos detalhes de como aconteceu o massacre colaboram para a criação de um modelo de ação.
Motivos semelhantes fizeram com que, em 2012, os pais de uma das vítimas de um ataque a escola no Colorado, nos Estados Unidos, criassem o movimento No Notority (Sem notoriedade, tradução livre). O grupo defende que as coberturas de tiroteios em massa em escolas sejam centradas nas vítimas e nunca nos atiradores.
Em 2019, um atentado islamofóbico na Nova Zelândia matou 50 pessoas em duas mesquitas na cidade de Christchurch. Em discurso no parlamento, a então primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, disse que nunca iria mencionar o nome do atirador. “Eu imploro, fale os nomes daqueles que perdemos em vez do nome do homem que os levou. Ele é um terrorista. Ele é um criminoso. Ele é um extremista. Mas ele vai, quando eu falar, ser alguém sem nome", afirmou emocionada.
O papel da mídia
Também em 2019, a escola estadual Raul Brasil, de Suzano (SP), foi vítima de um massacre que provocou a morte de sete pessoas, entre alunos e funcionários. Na ocasião, a Jeduca divulgou um manual de boas práticas para a cobertura desse tipo de caso. Entre as principais orientações, além de não deixar o criminoso em evidência, estão evitar conclusões precipitadas sobre o caso, confirmar informações fornecidas pelas vítimas e preservar a identidade dos estudantes ouvidos.
Após o atentado em Blumenau, a professora e pesquisadora Danila Zambianco, da Unicamp, destacou para a Agência Brasil como a mídia deve se portar nesses casos. "O papel da imprensa precisa focar nas vítimas, na reconstrução daquele espaço, na reconstrução do sentido dessa escola, Cantinho Bom Pastor, para que ela possa adquirir agora um novo significado para essas pessoas, para que essa política pública de promoção da convivência [seja difundida] , o acompanhamento disso junto às instituições estaduais.”