Jair Messias Bolsonaro
Reprodução/ Carolina Antunes/PR
Jair Messias Bolsonaro

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no  Supremo Tribunal Federal ( STF ), agendado para o período entre 2 e 12 de setembro, movimenta o cenário político brasileiro e deve reconfigurar alianças e a corrida eleitoral de 2026. Apesar de não afetar diretamente o calendário das votações, a dinâmica de uma possível condenação molda a conjuntura política que precede as eleições.

Segundo especialistas, a tão aguardada sessão do STF força a direita a uma reorganização, testa a habilidade da esquerda em capitalizar o desgaste do adversário e mantém o eleitorado em um cenário de incertezas e de uma polarização que promete se intensificar. Veja abaixo o que esperar dos possíveis cenários.

Repercussão

Já declarado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político, Bolsonaro, atualmente em prisão domiciliar e alvo de novo indiciamento pela Polícia Federal, aguarda uma sentença que, embora não altere sua inelegibilidade imediata, intensificará o embate político e abrirá caminho para novas lideranças.

"Um julgamento dessa natureza não se limita ao aspecto jurídico, mas repercute diretamente no ambiente político e social. Envolve a credibilidade das instituições e a percepção da sociedade sobre o comportamento do ex-presidente, até mesmo seu governo e o papel das instituições" , avaliou o professor Murilo Borsio Bataglia, pró-reitor de Pesquisa, Extensão e Internacionalização da Estácio Brasília e Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).

O julgamento no STF, previsto para começar na próxima terça-feira (2), definirá se Bolsonaro e outros sete réus do "Núcleo 1" da suposta trama golpista são culpados por crimes como tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A Primeira Turma da Corte, composta pelos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux, será responsável por definir o futuro do ex-presidente.

Para Guilherme Barcelos, doutor em Direito Constitucional e advogado eleitoralista, uma eventual condenação colegiada pelo STF traria uma nova hipótese de inelegibilidade, com prazos ainda mais extensos. "A causa de inelegibilidade, de acordo com a legislação atual, vigoria desde a condenação colegiada até o prazo de oito anos após o cumprimento da pena" , explicou.

Assim, dependendo da extensão da pena, a ausência de Bolsonaro em pleitos eleitorais "seria - ou poderia ser - perpétua, basicamente" . Essa inelegibilidade seria diferente da imposta pelo TSE, que é de oito anos a partir da eleição em que os ilícitos ocorreram. 

Conjuntura política

Para Bataglia, o cenário político é sensível e pode ser alterado até mesmo por pequenas movimentações. No caso de Bolsonaro, o julgamento por interferir "especialmente na definição de candidaturas e apoio político para as eleições em 2026". "Muitas vezes, o simples andamento do processo já altera cálculos eleitorais, estratégias partidárias e até o comportamento do eleitorado. A expectativa e a narrativa em torno do julgamento podem ser tão relevantes quanto a decisão definitiva" , destacou.

Na visão de Barcelos, o julgamento "não terá nenhum efeito no calendário eleitoral", mas impactará diretamente as estratégias dos partidos. A defesa do ex-presidente ainda possui caminhos jurídicos, como buscar a concessão de efeito suspensivo a recursos como Embargos de Declaração, ou recursos que já contenham automaticamente esse efeito, como os Embargos Infringentes ou de Divergência, se cabíveis.

Tais manobras poderiam, de fato, "postergar os efeitos da decisão até depois da eleição" no que tange à elegibilidade. Nos bastidores de Brasília, existe a expectativa de que essa será a estratégia usada pela defesa de Bolsonaro, para evitar a perda de relevância política. 

Barcelos ressalta ainda que o afastamento de um candidato com forte presença eleitoral "com certeza" altera significativamente a disputa e a formação de alianças partidárias. Para ele, "não há vácuo no poder. Alguém irá ocupar o espaço vazio. Ou em vias de esvaziamento", ou seja, o julgamento pode reconfigurar alianças e abrir espaço para novas lideranças.

Ele também pondera que "é possível que esse discurso [de abalo na legitimidade do processo eleitoral] seja propagado por setores da sociedade, ou mesmo por candidatos" , embora só o tempo dirá se isso realmente abalará a percepção de legitimidade. 

Manobras jurídicas 

Apesar do esforço do STF em acelerar o processo, existe uma possibilidade real de o julgamento se estender até 2026. Especialistas apontam que um pedido de vista de um ministro, seguido por embargos de declaração e até embargos infringentes, podem empurrar a conclusão definitiva para o fim do primeiro trimestre ou semestre do próximo ano. 

No caso de um pedido de vistas, o ministro que o pedir teria prazo regimental de 90 dias, prorrogáveis por mais 30, para analisar melhor o caso. Isso poderia adiar a conclusão do julgamento para dezembro ou janeiro de 2026. Para os embargos de declaração, usado para esclarecer omissões ou contradições da decisão, o período é de cinco dias úteis após a publicação do acórdão. Já para a interposição de embargos infringentes, caso exista um placar apertado para condenação, é de 10 dias. 

Esse atraso estratégico é visto por alguns analistas como favorável ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pois prolongaria o desgaste da imagem de Bolsonaro e da direita. A expectativa da esquerda seria que o resultado do julgamento saísse às vésperas das eleições, desarticulando a oposição.

Disputa pelo espólio da direita

Com Bolsonaro inelegível e cercado pelo STF, não só na ação sobre a tentativa de golpe, mas também no inquérito que apura a atuação de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, nos EUA, outras figuras da direita e do Centrão buscam assumir o protagonismo.

Nomes como os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado, e de São Paulo, Tarcísio de Freitas, surgem em meio aos debates sobre os candidatos à presidência em 2026. Neste mês, os partidos União Brasil e PP oficializaram a federação União Progressista, que é o maior agrupamento de direita do país, a maior bancada do Congresso Nacional e passa a ter os maiores repasses de verbas públicas, do chamado Fundo Eleitoral, para campanhas políticas.

Essa movimentação, diante de uma possível condenação de Bolsonaro, afastando-o das urnas por tempo indeterminado, reconfigura a conjuntura política e confere maior força à federação nas eleições presidenciais. 

Outros governadores apontados como possíveis candidatos são o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o do Paraná, Ratinho Junior e, principalmente, o de Minas Gerais, Romeu Zema. No último dia 16 de agosto, inclusive, Zema lançou oficialmente sua pré-candidatura à presidência. Por outro lado, Tarcísio de Freitas é quem aparece mais bem posicionado nas pesquisas.

A estratégia da direita ainda não está unificada. Enquanto alguns, como Caiado, defendem que cada partido lance seu candidato no primeiro turno para depois unir forças contra Lula no segundo, outros, como Zema, assumem bandeiras bolsonaristas mais radicais, com pautas como "fora PT" e pedidos de anistia para os eventos de 8 de janeiro. 

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou que o partido terá candidato próprio em 2026 e que Bolsonaro decidirá o apoio após o julgamento. Ele chegou a convidar Tarcísio de Freitas para se filiar ao PL.

Impacto na polarização 

O julgamento intensifica a polarização política no Brasil. Para os bolsonaristas, é visto como perseguição política, enquanto os críticos celebram a decisão como uma vitória da democracia. Essa divisão deve inflamar a participação eleitoral em 2026.

O contexto econômico do país, com a desaprovação de Lula em alta devido à inflação e ao preço dos alimentos, também pode mobilizar o eleitorado em busca de mudanças.

Para o professor Murilo Bataglia, o maior risco desse julgamento no STF é o de "politização da Justiça ou judicialização excessiva da política". " Cruzar esse julgamento e o período eleitoral pode gerar interferência na visão do eleitorado em relação ao seu direito de escolha" , alertou. 

Para evitar maiores desgastes, o doutor em direito apontou que a Suprema Corte deve "reforçar seu papel de guarda da Constituição e do regime democrático no Brasil". "Ao decidir com a devida fundamentação e apresentando os argumentos claros para tanto, cumpre seu papel" , disse.

"Acredito que uma decisão judicial dessa natureza sempre terá um efeito político que irá repercutir inclusive na opinião pública. O STF enquanto guarda da Constituição, quando é chamado a se pronunciar, lida essencialmente com essas relações institucionais, figuras políticas e diversos direitos fundamentais. Os efeitos políticos fazem parte dessa dinâmica, prevista constitucionalmente" , concluiu Bataglia.


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