Zambelli possui cidadania italiana. A deputada não informou quanto tempo pretende ficar fora do Brasil,
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Zambelli possui cidadania italiana. A deputada não informou quanto tempo pretende ficar fora do Brasil,

A deputada federal  Carla Zambelli (PL) anunciou, nesta terça-feira (03), que se mudou para a Europa e vai pedir licença não remunerada do cargo na Câmara dos Deputados. Ela afirmou que deixou o Brasil há alguns dias, inicialmente para fazer um tratamento médico, mas decidiu se afastar do país neste momento e se basear no continente europeu. A decisão ocorreu cerca de 20 dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar a parlamentar a 10 anos de prisão pela invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça ( CNJ). 

“Estou fora do Brasil já faz alguns dias. Eu vim, a princípio, buscando um tratamento médico, e é um tratamento que eu já fazia aqui. E agora eu vou pedir, inclusive, para que eu possa me afastar do cargo. Tem essa possibilidade na Constituição”, declarou Zambelli. A deputada citou o caso do colega de Câmara, Eduardo Bolsonaro (PL), que deixou o Brasil para se exilar nos Estados Unidos. “Ele pediu uma licença não remunerada, então eu passo a não receber mais salário”, completou. 

De acordo com Zambelli, o seu gabinete passará a ser ocupado pelo suplente, o Coronel Tadeu (PL).  “O suplente assume e eu fico fora do país durante esse período. Eu vou me basear na Europa. Eu tenho cidadania europeia, então estou muito tranquila com relação a isso”, afirmou. 

Zambelli não informou quanto tempo pretende ficar fora do Brasil, nem a data oficial do início de sua licença, mas disse ao Portal iG que está preparando a documentação à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Ela também não revelou, por hora, qual país decidiu morar. 

O que diz o Direito Internacional

A deputada possui cidadania italiana, o que a impede de ser deportada, mesmo diante da condenação na Suprema Corte brasileira.  De acordo com o direito internacional, a deportação de um cidadão europeu para outro país, como o Brasil, é incomum e só ocorre em casos extremamente graves, como ameaça grave à segurança nacional e, mesmo assim, é juridicamente complexo. 

Mesmo que o governo brasileiro solicite a extradição de Zambelli, países como a Itália não costumam extraditar seus nacionais para o Brasil, a não ser que existam circunstâncias excepcionais.

Embora esteja deixando o país, Zambelli garantiu que não está abandonando o Brasil e que vai continuar recorrendo ao STF contra a condenação de 10 anos de prisão e, assim, evitar a cassação de seu mandato. “Vou continuar lutando pelo meu mandato e pela verdade, mas agora de fora do país, diante do atual cenário”, assegurou a deputada em nota enviada ao Portal iG

“Não é um abandono do país, não é desistir da minha luta. Muito pelo contrário. É resistir. É poder continuar falando o que eu quero falar. E voltar a ser a Carla que eu era, antes das amarras que essa ditadura nos impôs”, disse Zambelli, em referência ao STF e ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A decisão de Zambelli de deixar o Brasil foi apoiada por colegas de bancada. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL), líder do Partido Liberal na Câmara, prestou solidariedade à deputada ao dizer que ela foi "forçada a deixar o país". 

"Mais uma vez, vemos o Judiciário ultrapassar os limites constitucionais para perseguir parlamentares conservadores. Quando a voz da maioria é silenciada por decisões de poucos, não estamos mais em uma democracia — estamos em estado de exceção", escreveu o deputado, em sua conta no X. 

O deputado Gustavo Gayer (PL), seguiu a declaração do líder do partido na Câmara ao alegar que Zambelli foi obrigada a "fugir dessa ditadura que se tornou o Brasil". "Continuaremos aqui lutando, agora mais do que nunca, para que todos que foram obrigado a fugir do Brasil possam voltar as suas famílias quando essa ditadura do STF tiver sido derrubada", disse.

O deputado Carlos Jordy (PL), também alegou que Zambelli está sofrendo perseguição. "Ela é mais uma vítima da ditadura promovida no Brasil e agora se instala na Europa para continuar denunciando as atrocidades do consórcio", opinou. 


Perseguição política

Zambelli informou que optou por permanecer fora do Brasil em razão do que considera ser um quadro crescente de perseguição política. "É estranho abrir mão do que sempre foi meu lugar", declarou a deputada, em nota enviada ao iG. "Mas no fundo eu sei que a minha voz vai ecoar ainda mais forte, porque não vai ter mais amarras”, acrescentou. 

A deputada informou que vai atuar na Europa para conexões, estabelecer diálogo com lideranças estrangeiras e, desta forma, atrair atenção internacional para o que está acontecendo no Brasil, denunciando e buscando apoio de parlamentares e políticos europeus.

“É necessário ter pessoas fora do Brasil para continuar lutando, continuar denunciando e agora, dessa vez, na Europa. Eu vou levar isso para todos os países da Europa, vou denunciar em todas as cortes que a gente tiver para denunciar na Europa, vou viajar, vou participar de congressos com deputados de toda essa parte do mundo”, assegurou Zambelli. 

A deputada avaliou que o Brasil está bem representado nos Estados Unidos, com o deputado Eduardo Bolsonaro, que tem atuado junto ao governo norte-americano para impor sanções a autoridades brasileiras, principalmente o ministro do STF Alexandre de Moraes. Além dele, outros nomes ligados à direita política brasileira estão no país e denunciam o que eles chamam de “ditadura” da esquerda. 

“A América está muito bem coberta, não só por Eduardo, mas por Alan dos Santos, Luís Ernesto Lacombe, Paulo Figueiredo e tantas outras pessoas que têm dedicado as suas vidas pela liberdade do nosso país”, disse. “Agora eu vou continuar dedicando a minha vida para a gente voltar a ter democracia, justiça, cidadania no nosso país e, principalmente, liberdade, porque eu sei que quem está no Brasil hoje teme o tempo todo emitir suas opiniões e eu não vou permitir que isso passe simplesmente despercebido”, afirmou.

“Eu quero voltar a ser a Carla ativista, que conquistou milhões de pessoas, que briga para que a gente possa ter mais liberdade no nosso país”, comentou  Zambelli

A deputada contou ainda que suas redes sociais passarão a ser administradas por sua mãe, Rita Zambelli, que continua no Brasil. A estratégia, segundo ela, é para evitar que seus canais nas plataformas digitais sejam derrubados pelo STF. “Minhas redes sociais agora quem administra é minha mãe, são todas da minha mãe. Ela vai dar continuidade a esse legado, porque, provavelmente, eu perderia minhas redes sociais e são mais de 10 milhões de pessoas que estão conectadas comigo todos os dias”, revelou. 

Zambelli deixou o Brasil na companhia do marido, o coronel da Polícia Militar Antônio Aginaldo de Oliveira. O filho da deputada, João Hélio Salgado Neto, de 17 anos, ficou no Brasil com a avó. Segundo a parlamentar, ela emancipou o adolescente antes de ir embora para Europa, para que ele pudesse permanecer em solo brasileiro. 

“Tomei todas as providências”, disse. A deputada explicou que precisava deixar o Brasil porque estava doente após as condenações do STF. “Eu estava até agora adormecida, estava ficando doente por não poder falar as coisas que eu penso sobre o que está acontecendo. São amarras que nenhum ser humano pode ter. Nós estamos vivendo no Brasil hoje um tempo de ditadura, de falta de liberdade, de censura”, alegou. 

“Me cansei de ficar calada, me cansei de não atender o meu público porque o meu público, meu eleitor, os mais de 946 mil votos que eu tive”, ressaltou. “Agora, mais do que nunca, vou poder voltar a denunciar todos os desmandos que a gente observa nesse país e que eu tenho ficado calada diante de uma pressão judicial que eu tenho sofrido”, comemorou Zambelli. 

Ações contra Zambelli no STF

Carla Zambelli enfrenta dois processos no STF. Em maio de 2025, a Primeira Turma da Corte condenou, por unanimidade, a deputada a 10 anos de prisão, em regime fechado, à perda do mandato parlamentar e ao pagamento de multa de R$ 2 milhões. A condenação foi pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica, relacionados à invasão dos sistemas do CNJ. 

A condenação decorreu do envolvimento da deputada com o hacker Walter Delgatti, que invadiu ilegalmente o sistema do CNJ e inseriu documentos falsos, supostamente a mando de Zambelli. Embora a parlamentar tenha negado ter contratado o hacker, admitiu conhecê-lo. A deputada, em declaração após o STF proferir a decisão, tentou se desvincular das ações do hacker, alegando que ele teria agido por vaidade e sem orientação direta dela.

Apesar da negativa da deputada, o STF entendeu que ela atuou como mandante da invasão. Ela classificou a sentença como uma perseguição política. Walter Delgatti também foi condenado pelo Supremo a 8 anos e 3 meses de prisão, pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.

Além dessa condenação, Zambelli responde a outro processo no STF por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com uso de arma de fogo. O caso refere-se a um episódio ocorrido em outubro de 2022, na véspera do segundo turno das eleições presidenciais, quando a deputada foi filmada perseguindo um homem com uma arma em punho nas ruas de São Paulo. 

Em março de 2025, o S TF formou maioria para condená-la nesse processo. Até o momento, cinco ministros votaram pela condenação da parlamentar a cinco anos e três meses de prisão em regime semiaberto. O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, foi acompanhado por Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, que solicitou mais tempo para análise.

O julgamento foi iniciado após a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar Zambelli, sob argumento que a autorização para porte de arma não permitia o uso ostensivo do armamento em via pública e que, mesmo que houvesse a possibilidade de flagrante, esse não poderia ser feito com uso de arma de fogo fora de situação de legítima defesa. 

A defesa de Zambelli alegou que ela possui porte de arma de fogo e agiu sob a crença de que a vítima estaria armada, presumindo que ele havia feito um disparo. Sustentou, ainda, o exercício regular de direito ao tentar conter suposto agressor em flagrante delito. Entretanto, o STF rejeitou esses argumentos e entendeu que, nesse caso, a presunção de flagrante delito não se aplica, pois não havia comprovação de que a vítima estivesse armada ou tivesse cometido crime.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, destacou que houve claro abuso da conduta armada. A atuação da parlamentar foi considerada incompatível com o exercício regular de direito, pois ela perseguiu e ameaçou uma pessoa com arma em punho em local público e diante de várias testemunhas, inclusive uma criança.

8 de janeiro

Zambelli também é investigada por suspeitas de envolvimento na tentativa de golpe de Estado que resultou nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, bem como em ações anteriores que visavam deslegitimar o processo eleitoral brasileiro.

Em julho de 2024, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a abertura de uma investigação contra Zambelli. A investigação apura o suposto envolvimento da parlamentar em uma trama para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder após sua derrota nas eleições de 2022. 

Segundo a PF, Zambelli teria intermediado a viagem da influenciadora digital Elisa Robson à Espanha para se encontrar com o general venezuelano Hugo Carvajal, ex-chefe da inteligência militar da Venezuela. O objetivo seria obter informações sobre um suposto financiamento do governo venezuelano a partidos de esquerda na América Latina, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), para descredibilizar o resultado das eleições brasileiras.

Após o retorno ao Brasil, Elisa Robson teria entregue um dossiê com essas alegações ao então ministro da Justiça, Anderson Torres, que determinou a abertura de uma investigação. A PF considera que essa ação teve desvio de finalidade, sendo usada para fins eleitorais e para alimentar narrativas golpistas.

Além disso, Zambelli é suspeita de pressionar o então comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, para que apoiasse o suposto plano golpista. Segundo relatos colhidos pela PF, após a recusa do militar, ele passou a ser alvo de ataques nas redes sociais, sendo rotulado de "traidor da pátria".

Essas investigações fazem parte de um conjunto maior de apurações conduzidas pela PF e autorizadas pelo STF, como a Operação Lesa Pátria, que investiga os financiadores, participantes e organizadores dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 .

Até o momento, Zambelli não foi formalmente denunciada ou se tornou ré nesse inquérito específico, mas as investigações seguem em andamento.

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