Roberto Monteiro
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Roberto Monteiro

Sem muito alarde, o delegado Roberto Monteiro de Andrade Júnior tirou a primeira licença da carreira, depois de 39 anos e mais de 1.700 operações policiais no currículo. A mais famosa delas, a Caronte, ajudou a prender mais de mil pessoas, 196 das quais líderes da facção criminosa que coordena a distribuição de drogas na famigerada  Cracolândia.

A licença não é um descanso. Na verdade, é a desincompatibilização exigida pela legislação para os servidores públicos que vão se candidatar nas eleições municipais de outubro. E, pela primeira vez, Monteiro vai enfrentar uma outra luta, não na lida policial ou contra criminosos. Pelo menos, não diretamente.

“Um vereador pode e deve fazer barulho”, Monteiro explica ao justificar a pré-candidatura pelo União Brasil. No caso, o fazer barulho é auxiliar na formulação de estratégias municipais de segurança e levantar assuntos e propostas de mudança legislativa que possam reverberar até Brasília. “Eu defendo aumento de penas, internação compulsória para dependentes químicos e a transformação da Guarda Civil Metropolitana em uma polícia.”

O delegado confia no poder de fogo e exposição que um vereador de São Paulo pode obter no debate público. “Um vereador da maior cidade do País pode, com articulação, fazer com que o debate sobre esses temas suba ao Congresso”, Monteiro enfatiza.

Aos 62 anos, o delegado de classe especial, ex-chefe da 1ª Delegacia Seccional, a do Centro, sabe que vai enfrentar polêmicas. E está disposto, disse ao iG em entrevista. “É preciso atacar o problema de frente, respeitando os direitos e as leis, sem discussões superficiais. Ou melhor, sem o mimimi ideológico.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

iG - A segurança pública é um dos principais problemas do País. No passado, era tida como responsabilidade dos governos estaduais. De uns anos para cá, com o recrudescimento do crime organizado, parece que o Governo Federal passou a se preocupar. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que uma de suas principais falhas foi não ter dado prioridade ao tema quase 3 décadas atrás. Qual a sua avaliação sobre as competências das esferas de governo e da sociedade na Segurança?

Roberto Monteiro – A segurança pública é, ao mesmo tempo, uma preocupação transnacional e local. É um problema de fronteira. Veja que o Paraguai hoje sofre sérias consequências com o  PCC, da mesma forma que a América Latina com as gangues mexicanas. E é um problema local, porque cada cidade, por menor que seja, tem uma cracolândia. O crack, aliás, está presente em todas as cidades do País, como uma situação crônica, algo impensável há duas décadas. A questão é que o cachorro morre de fome quando se tenta jogar a responsabilidade de alimentá-lo para o vizinho. É preciso saber de quem cobrar, e cada ente federativo tem o seu papel. Na verdade, sem integração e trabalho árduo de cada autoridade, de cada organização da sociedade civil, de cada pessoa, vamos ver a situação só piorar.

iG — O senhor é pré-candidato a vereador da maior cidade da América Latina. Um vereador não pode fazer leis que lidam com a criminalidade.

Monteiro — Realmente, não, mas em termos. Um vereador pode e deve fazer barulho, no bom sentido, para ajudar as polícias e as autoridades municipais a combater o crime. Pode e deve pautar o debate, porque é no município que o cidadão sente a dor dos problemas. E pode e deve ajudar a formulação de políticas públicas para lidar com questões que são causa da insegurança. Veja a cracolândia. Trabalhei lá durante 5 anos, prendi 196 pessoas, muitos líderes de facção. E o problema lá está, ainda, apesar do esforço da polícia. É preciso que tenhamos uma discussão séria sobre internação compulsória, para salvar as pessoas doentes, que já perderam a consciência, a vontade própria para procurar ajuda. É preciso atacar o problema de frente, respeitando os direitos e as leis, sem discussões superficiais. Ou melhor, sem o mimimi ideológico. É um problema de saúde pública com efeitos daninhos na segurança e no comércio do Centro, que a cada dia fecha portas e é refém do crime organizado.

iG – A segurança é sua única bandeira, como aqueles parlamentares vistos como da “bancada da bala”, por serem policiais?

Monteiro – Bancada da bala é um rótulo no debate superficial da política de hoje. Rotulem como quiserem, mas o fato é que a segurança pública afeta e é influenciada por todos os problemas macro que enfrentamos. O medo de sair a rua cria ansiedade, que vira um problema de saúde pública, por exemplo. Uma rua escura, com falta de luz, aumenta o problema da insegurança, então acaba tendo uma interface violenta, em todos os sentidos, no cotidiano da cidade. A falta de educação de qualidade contribui com comportamentos inadequados, que podem formar criminosos. Da mesma forma, a insegurança e o domínio do tráfico e os pancadões na periferia infernizam a vida de quem quer estudar e ter uma vida normal. Vou brigar para que a lei do silêncio e o PSIU (Programa Silêncio Urbano, da Prefeitura) sejam cumpridos. Nos bairros nobres e nas áreas pobres, vítimas de pancadões organizados muitas vezes por criminosos.

iG – O senhor falou em pancadões e PSIU. São o mesmo problema?

Monteiro — São problemas de postura municipal e de segurança. Porque sempre o barulho ilegal está associado a alguém que, pela força, acha que não será incomodado ou coibido. O morador de Paraisópolis vai sair de sua casa humilde para parar o som? Óbvio que não. Ele seria ameaçado, espancado ou morto na hora ou no dia seguinte. Se não houver uma ação conjunta das polícias Civil e Militar, Ministério Público e Judiciário com a Prefeitura, não resolve. Se há algo que quero fazer como vereador, é acabar com os pancadões. A juventude pode e deve se divertir, mas não em espaços públicos dominados por criminosos, onde a droga, a prostituição e o barulho correm soltos, em desrespeito às famílias.

iG — E a cracolândia, é possível acabar, como muitos políticos prometeram, e falharam?

Monteiro — É, se houver internação compulsória para tratar as pessoas, reocupar o espaço público e prender os traficantes. Mas não é algo mágico. Vai depender, primeiro, de entender que a internação obrigatória é um direito da pessoa, e não um castigo. O consumo de drogas sempre existirá. Mas o Estado tem que garantir os direitos daqueles que hoje se transformaram em seres sem discernimento, pelo abuso de entorpecentes, como o crack e o K9. A internação compulsória será uma bandeira minha.

iG – A internação compulsória é muito criticada porque há riscos de pessoas serem presas aos montes, num processo higienista, segundo quem ataca a medida.

Monteiro — Sem ela, a gente continua enxugando gelo. Com ela, você consegue dar um choque na demanda, tratar as pessoas e devolvê-las sadias à sociedade. Claro que sempre haverá recaídas, mas o viciado em crack precisa estar isolado. Sei que vou comprar uma briga com a esquerda e com demagogos. Mas vou à Câmara para colocar fogo nesse debate. Sou cristão. E ser cristão é ir até as últimas consequências para salvar nossos irmãos.

iG — Então, como policial, o senhor reconhece que as drogas são um problema principalmente de saúde pública? Não é reconhecer que a Polícia é ineficiente?

Monteiro — Ótima pergunta. Na Operação Caronte, prendemos mais de 1 mil pessoas e 196 chefes de facção. Fomos para cima do crime. Ocorre que a adição de drogas pesadas, notadamente o crack, é um problema social e de saúde pública, também. É preciso continuar prendendo traficantes e aprendendo drogas? Sim. Mas é preciso atacar as fronteiras, por onde entra a cocaína. É preciso aumentar penas para traficantes, e é preciso pôr em xeque a estrutura financeira do negócio das drogas. Como parlamentar, essa discussão não vai esfriar em São Paulo. É preciso pôr um fim nas cenas de terror, de saque ao comércio do Centro, que está derretendo por causa do crack. Aliás, eu defendo que os municípios tenham polícia.

iG – Mas a Constituição Federal prevê as Guardas Municipais, não?

Monteiro — O artigo 144 da Constituição, que trata da Segurança Pública, precisa ser rediscutido e emendado para que as guardas municipais possam ser polícia. É uma discussão que cabe ao Congresso, mas um vereador da maior cidade brasileira pode articular e encampar esse movimento, fazer com ele suba ao Congresso. A GCM, em São Paulo, já tem armas e faz um papel complementar ao de polícia. Ela precisa ganhar status de polícia, e não concorrer com a Civil e a Militar. Hoje, o papel da GCM, pelo artigo 144, parágrafo 8º, é proteger prédios, serviços e instalações da cidade. Mas, na prática, a GCM já prende pessoas, faz apreensões. É preciso incrementar esse papel num modelo que fortaleça as guardas.

iG — São Paulo tem outros problemas graves, como a mobilidade urbana, a falta de vagas em creches, a dengue

Monteiro — E todos eles interligados. Realmente, educação, segurança e saúde são os principais. A grande virtude de um vereador, e também de um policial, é saber ouvir. E ter coragem de atacar os problemas de frente. Mesmo não sendo especialista em saúde e educação, estarei com os meus eleitores. Minha candidatura não será de nicho, no sentido de ficar presa a um tema.

iG – O senhor é evangélico. Num estado laico, até onde a crença religiosa deve ser vista como lastro das políticas públicas, principalmente quando se fala em drogas e segurança?

Monteiro — Somente quanto aos valores éticos e espirituais, de amor ao próximo, pregados por Jesus. A solução dos problemas de São Paulo deve ser racional e laica. Mas os valores cristãos podem e devem embasar uma visão de mundo, desde que essa sirva para todos. Uma coisa não exclui a outra. Na minha ação profissional, como delegado, sempre fui pautado pelo fiel cumprimento à lei. Os ensinamentos da Bíblia, por sua vez, são nossos lastros espirituais e éticos. É a fé que me move a servir melhor. E a situação demanda tanto trabalho que é preciso ter fé. Sempre.

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