Casal de torcerdores na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, na Copa de 2014
Tomaz Silva/Agência Brasil - 23.06.2014
Casal de torcerdores na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, na Copa de 2014

Tradicionalmente, a Copa do Mundo acontece no meio do ano, mas, em 2022, por questões climáticas, ela acontecerá em novembro. Pela primeira vez, ela será realizada após o período eleitoral brasileiro, em um ano caracterizado por uma grande polarização e que trouxe à tona desavenças políticas e ideológicas para o círculo social e familiar. Seria o futebol responsável por unir o brasileiro novamente?

Para Maria Raquel, antropóloga, professora de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ, o futebol sempre foi um fenômeno muito potente em criar um senso de coletividade e um pertencimento simbólico a algo em comum: a identidade de ser brasileiro. "O mundo futebolístico, no entanto, não passou ileso e tende a ser cada vez mais atravessado pela política, o que é positivo. Não é possível saber se a Copa terá o poder de curar todas as fraturas, mas certamente será uma boa oportunidade de olhar para a frente e fazer seguir o jogo", afirma.

No próximo domingo, 30, acontece o segundo turno das eleições de 2022 . Além do desgaste natural de uma campanha eleitoral, esta é de fortes emoções para os brasileiros. De acordo com a última pesquisa divulgada pelo Datafolha, 49, 50% dos eleitores se negam a votar em Bolsonaro e 46% dizem não votar de jeito nenhum em Lula. Ou seja, independentemente de quem seja eleito, quase metade da população não ficará contente com o próximo chefe do Executivo.

Para a bancária Andrea Santos, 43, as pessoas estão em um nível de saturação sem precedentes na história da democracia brasileira e afirma que em seu convívio social e familiar todos estão se sentindo cansados e ansiosos . "Todos os dias somos bombardeados com uma avalanche de mensagens sórdidas e tóxicas. Uma verdadeira indústria de fake news que nos cansa, nos exaure, nos esgota. Isso tem impactos diretos na nossa saúde física, mental e espiritual", comenta.

Os profissionais de saúde também têm sentido que a tensão constante provocada pela polarização tem levado muitas pessoas a buscarem ajuda. A psicóloga clínica Vanuza Santos observa queixas de pacientes atreladas ao processo eleitoral. "Esses enfrentamentos rotineiros pela defesa do candidato influenciam o funcionamento emocional e comportamental, podendo ocasionar conflitos nos relacionamentos interpessoais, gerando ansiedade, estresse, humor deprimido, entre tantos outros", comenta.

Torcedores vibram durante jogo entre Brasil e Colômbia da Copa de 2014 em Taguatinga (DF)
Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil - 04.07.2014
Torcedores vibram durante jogo entre Brasil e Colômbia da Copa de 2014 em Taguatinga (DF)

A psicóloga relata que após o primeiro turno recebeu uma nova paciente em seu consultório com crises severas de ansiedade. "Logo após o resultado das urnas, deu início ao surgimento de diversos sintomas físicos e psicológicos diários. Ela buscou auxílio psiquiátrico para obter suporte medicamentoso, além de iniciar a terapia cognitivo-comportamental semanalmente. Nesse caso, o motivo para iniciar o tratamento foi a difícil convivência com pessoas da família e do e ambiente de trabalho com o posicionamento contrário. A paciente demonstrava uma preocupação excessiva com o resultado do segundo turno, ao ponto de não conseguir realizar atividades simples da rotina, e se percebia completamente paralisada", declara.

A professora Roberta Bastos, 26, sente que desde 2018 o brasileiro não tem mais saúde mental. "Com a pandemia, foi embora o resto de saúde que ainda tinha. E com as eleições, foi extinta. Para quem se preocupa com o próximo, acho que pesa mais. Eu vejo o que as eleições estão trazendo essa massa esmagadora de pessoas egoístas e perpetuadoras com discurso de ódio. Afeta, a gente pensa que não, mas afeta. Somos passíveis a ofensas e xingamentos só pelo fato de ter um lado contrário do outro", afirma.

A professora acredita que a Copa poderá unir novamente o brasileiro. Sempre amamos a Copa. Bons eram os tempos em que nos uníamos para ver os jogos na casa dos vizinhos ou no meio da rua. Eu espero que esse ódio todo vá embora depois das eleições", comenta.

O clima político interferiu até na caracterização dos torcedores. A fotógrafa Laís Torres, 23, prefere usar algo diferente nessa Copa. Ela vai optar por usar a camisa azul ou branca nos dias dos jogos da seleção. "Os bolsonaristas acabam usando a camisa amarela com os detalhes verdes. E é uma pena termos nossa bandeira sendo assimilada por um candidato", lamenta. Para a fotógrafa, "aos poucos, dependendo do resultado das eleições, a oposição a Bolsonaro se sinta confortável em usar a camisa amarela novamente."

Assim como Laís, a jornalista Luiza Sarmento também pretende usar uma camisa azul. Ela afirma que a sua saúde mental foi muito mais impactada em 2018. Porém, o mesmo não aconteceu em sua família. "Tenho casos de núcleos familiares que pararam de se falar. Essa questão (a polarização) escancarou desavenças já de outros tempos que afetou tudo e que gerou até discussão sobre divórcio", relembra.

A jornalista acredita que a Copa do Mundo não poderá unir novamente o brasileiro que foi separado pela eleição polarizada. "Essa foi uma divisão muito forte. Eu não quero estar do mesmo lado que essas pessoas. É como se estar do mesmo lado que eles em qualquer aspecto fosse ruim, ainda que seja sobre futebol", declara.

Para a psicóloga Vanuza, a incapacidade de manejar os conflitos emocionais faz com que a pessoa crie uma ruptura com parentes, amigos e tenha dificuldades de compreender o grau de relevância das relações rompidas e se elas devem ser mantidas pós-eleição. "Nesse sentido, vejo uma unânime evitação da convivência nos ambientes de trabalho e familiar com quem apresenta um posicionamento contrário e embates de conversão político-partidária. Estão todos inseridos em uma tensão coletiva, um estresse generalizado, buscando pelo respeito das suas opiniões. Todavia, se retroalimentam em bolhas com certezas inquestionáveis", afirma.

Vanuza acredita que a dificuldade em aceitar a derrota consiste em repensar a própria opinião, ocasionando um desconforto emocional imediato. "Escutar a versão do outro sem se sentir acusado pode ser uma das suas maiores limitações humanas ", afirma.

A profissional indica como estratégia para lidar com um resultado negativo nas urnas é encará-lo como um processo de luto, que precisa ser elaborado, especialmente, por ainda vivermos esse cenário fragmentado pela pandemia. "Ainda que haja uma profunda frustração pela perda do direito em nomear o seu candidato ideal, é indispensável compreender que todos têm o direito de exercer a sua cidadania através do processo democrático do voto, que dependerá da sua maioria para dar continuidade ao governo subsequente", enfatiza. (Por Bianca Guilherme)

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