Jair Bolsonaro abraça o presidente do PL, Valdemar Costa Neto
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Jair Bolsonaro abraça o presidente do PL, Valdemar Costa Neto

Uma área equivalente a 28 campos de futebol às margens do Rio Tietê, em Biritiba-Mirim (SP), cidade localizada a 80 quilômetros da capital paulista, teve a vegetação devastada e a terra revirada em busca de minérios por mais de uma década. A exploração, segundo ambientalistas, prejudicou agricultores locais e pode ter contribuído para a poluição das águas do rio. A empreitada rendeu uma condenação a Valdemar Costa Neto, presidente do PL, sigla do presidente Jair Bolsonaro — a sentença foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em setembro do ano passado e não havia sido revelada até o momento. Procurado, o dirigente partidário não quis comentar e não respondeu se vai recorrer novamente.

Antes de ser preso em função do escândalo do mensalão, Valdemar operou por anos uma mineradora de areia e argila em área considerada de proteção permanente do Tietê. Em 2018, o dirigente partidário, sua empresa e seu filho mais velho foram condenados em primeiro grau numa ação civil pública movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pelos danos causados à região. A decisão os obrigou a interromper as atividades na área, reparar financeiramente o estado pelos prejuízos provocados e restaurar o meio ambiente degradado.

No recurso apresentado ao TJ-SP, o presidente do PL alegou que não tinha responsabilidade pelo dano ambiental, pois deixou de integrar o quadro societário da empresa em 2008. Naquele ano, ele respondia pela ação penal do mensalão e se desfez de boa parte do patrimônio, incluindo a sua mineradora, a VCN Ltda, adquirida por três empresários que mudaram o nome da firma para JCO Mineração.

A justificativa do dirigente partidário, no entanto, foi refutada pelo Judiciário, que considerou que a devastação na região foi causada no período em que Valdemar estava à frente da empresa. “Definitivamente, não há como se permitir que qualquer dos cocausadores do evento degradador se valha de alterações em contrato social, ou substituição por outros sócios, como subterfúgio para se desvencilhar dos deveres e responsabilidades legais”, escreveu o desembargador Roberto Maia.

O magistrado frisou ainda que “abundam documentos e laudos especializados” atestando o dano ambiental na região. Em laudo técnico do processo a que o GLOBO teve acesso, a área técnica ambiental MP-SP afirmou que a região é protegida por lei desde 1976. "Deve-se ressaltar aqui que as áreas de várzeas sustentam a vida dos rios, pois é neste ambiente que ocorre a reprodução do maior número de espécies animais, além de milhares de espécies vegetais", afirma o documento. "No caso em questão, a área do empreendimento minerário em tela está inserida totalmente na Zona de Cinturão Meândrico da APA Várzea do Rio Tietê", pontuou o parecer.

Segundo o processo judicial, a extração de areia e argila foi feita pela empresa de Valdemar na Área de Preservação Ambiental da Várzea do Rio Tietê, o que é considerado irregular. Além disso, houve abertura de estrada na mata à margem do rio. O Judiciário constatou ainda que a empresa nunca conseguiu uma licença de funcionamento definitiva, porque foi verificado em uma inspeção que a mineradora estava utilizando um método não permitido para a drenagem dos minérios.

Na condenação de Valdemar, confirmada em duas instâncias do Judiciário, foi determinada a “paralisação de todas as atividades de exploração mineral na área objeto da ação”, na região de várzea do Tietê, e que o dirigente partidário fosse obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, “além do pagamento dos danos causados pela degradação, a ser quantificada em perícia”. O cálculo do prejuízo estimado ainda não foi feito pela perícia recomendada pelo TJ-SP — e deverá superar o valor da causa, de R$ 100 mil.

"Dano irrecuperável”

Imagens de satélite mostram que as jazidas abertas pela firma ocupam um espaço de 230 mil metros quadrados, ou 12,2 hectares. No ponto mais próximo, ficam a apenas 40 metros das margens do rio Tietê. Em foto de abril de 2022, é possível ver uma área desmatada no terreno de 440 mil metros quadrados, ou 46,1 hectares.

Para Cesar Pegoraro, biólogo da SOS Mata Atlântica especializado na preservação de rios, o dano provocado pelas jazidas é “praticamente irrecuperável”. Além disso, a mineração perto do rio, como no caso em questão, afeta a qualidade das águas pelos rejeitos do processo e por desmatar a mata ciliar, que é importante para manter a saúde do rio Tietê.

"É uma área grande de mineração numa região bastante frágil e importante. As cavas (de mineração) usam muita água e produzem muito rejeito, e todo o material acaba indo parar dentro do rio, em época de chuvas ou no descarte. Isso faz com que desse ponto em diante do rio, a gente tenha um risco grande de contaminação, assoreamento e perda de biodiversidade".

Embora só tenha havido mineração de argila e areia, Pegoraro frisa que o processo acaba expondo também metais pesados, cujos rejeitos podem contaminar as águas.

"Estamos falando de um rio estratégico, que abastece municípios. Tem muitas chácaras e sítios ali no entorno, com licença para irrigar sua produção de hortaliças com a água desse rio".

A bióloga Nadja Soares, da ONG Biobras, de Mogi das Cruzes (SP), cidade vizinha, diz que a atividade de Valdemar na região de Biritiba é conhecida e que ele deixou um "passivo ambiental" na cidade. Ela conta que, quando as atividades da mineradora começaram, houve um impacto na atividade agrícola.

"Em Biritiba, eram muitos poços de areia na área de várzea, e a maioria era do Boy (apelido de Valdemar). Eles abriram essa área de extração, arrancaram a vegetação, e o primeiro confronto não foi nem por conta da vegetação, foi com os agricultores, porque avançou na área em que havia plantio de alface, prejudicando o solo".

Negócios

A família de Valdemar Costa Neto tem um longo histórico de atuação na área de mineração. Seu pai, Waldemar Costa Filho, trabalhava na empresa Mineração Geral do Brasil quando chegou em 1942 a Mogi das Cruzes, cidade da qual se tornaria prefeito, e já foi sócio de outras três firmas do ramo, de acordo com registros da Junta Comercial.

Fundada em 1996 por Valdemar, a VCN Ltda funcionava às margens do Rio Tietê pelo menos desde 2001, segundo laudo MP-SP. Entre o fim de 2003 e o início de 2004, foram comprados os terrenos onde funcionava a mineradora. Nas matrículas dos imóveis, é citado um termo de responsabilidade com a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo em que a empresa, à época, se compromete a preservar a reserva legal de vegetação na propriedade.

Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), a VCN Ltda faturou R$ 13,2 milhões (em valores corrigidos) de 2004 a 2008, extraindo água mineral, argila e areia na cidade. A partir daí, de acordo com registros da junta comercial de São Paulo, Valdemar vendeu o seu negócio por R$ 44 mil. Os novos sócios, Juvenil Silva, Marcelino Simões da Conceição Filho e Odenir Castro Gondim, entraram com participações de respectivamente R$ 366 mil, R$ 183 mil e R$ 366 mil. Questionado, Juvenil disse ao GLOBO que lembra de ter pago "uns R$ 3 milhões" pela firma, mas não apresentou documentos comprovando a compra.

"Praticamente não frequento (a mina). Não entendo muito de lá", afirmou Juvenil.

Por mensagem, Marcelino disse que conheceu Valdemar por causa da mineradora. “Eu, como minerador desde 1971, fiquei sabendo que ele queria vender e me interessei. Fizemos todas as tramitações legais e adquiri a área. Não compramos ações na empresa, compramos a JCO por inteiro. O Valdemar não teve e não tem mais nenhuma participação na empresa”, escreveu.

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