Márcia Cavallari, diretora do Ipe, afirmou em entreviste domingo (26) que a terceira via precisa focar em tirar votos "de Lula ou de Bolsonaro". Segundo a gestora, há pouco espaço para os candidatos de 'centro' atraírem aqueles que já apoiaram ou o petista ou o atual presidente da República. Foco também seria naqueles que declaram votar em branco ou nulo.
A pesquisa do Ipec feita em dezembro mostrou que eleitores mais pobres e moradores da periferia que votaram em Bolsonaro são os que mais mostram intenção de migrar para Lula. O que explica esse movimento?
De modo geral, Bolsonaro está perdendo um eleitor que já foi de Lula e do PT em um momento anterior. Com tudo o que mobilizou a campanha de 2018, que teve um forte apelo anticorrupção e um mote de ir contra o status quo , esse eleitor saiu do PT e foi para o Bolsonaro. Agora, ele retorna às origens, de certo modo.
Esse eleitorado já está cristalizado com Lula, que hoje tem ampla vantagem nas intenções de voto?
Talvez esse eleitor esteja hoje com Lula porque não vê outra alternativa a Bolsonaro. A pesquisa serve para retratar o momento, não para projetar o que acontecerá lá na frente. Lula hoje não está sendo tão atacado como tende a ser na campanha, quando resgatarão com mais força assuntos como a Lava-Jato e os desvios na Petrobras.
Qual deve ser o tamanho da pauta anticorrupção na campanha?
Só a bandeira da corrupção não será suficiente para um candidato crescer, até porque essa pauta perde força hoje frente a outros problemas. Fome e miséria aparecem hoje entre os cinco principais problemas do país para os eleitores, algo que não acontecia desde 2002 nas pesquisas. Não é que o brasileiro não se importe com corrupção, mas um discurso monotemático nessa área não bastará.
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Diante do desempenho estável de Lula e Bolsonaro, há espaço para uma terceira via?
O desafio atual da terceira via, que não é simples, é ter votação mais alta do que Bolsonaro. Vamos supor que o mínimo dele seja 19%, que é hoje seu patamar de aprovação. Então, esse candidato da terceira via teria que ultrapassar este número. Só que, somados, todos os outros candidatos marcaram 17% na pesquisa de dezembro. E há pouco espaço para crescer no eleitorado que vota em branco ou nulo, que hoje está em 9%. Este é o patamar de brancos e nulos que historicamente aparece na eleição. Ou seja, para crescer, o candidato da terceira via tem que tirar votos de Lula ou de Bolsonaro.
Bolsonaro e Lula têm alimentado uma polarização entre si. Isto se reproduz em algum estrato do eleitorado?
Lula é muito mais forte no Nordeste, o que pode dar uma certa clivagem geográfica, similar ao que ocorreu em 2014, quando a polarização entre PT e PSDB ficou mais regional do que social. Mas creio que a questão central em 2022 será a clivagem social, que de certo modo veio acompanhando as últimas eleições presidenciais. Inclusive em 2018, em meio a esse apelo da bandeira da corrupção, (Fernando) Haddad teve melhor desempenho entre os menos escolarizados e com menor renda. Hoje, o voto de Bolsonaro aumenta à medida que crescem as faixas de renda, chegando ao mesmo patamar de Lula entre os mais ricos. Lula, por sua vez, tem mais votos quanto menor a renda familiar. As eleições de 2006 e 2010 tiveram desenhos semelhantes.
As pesquisas do Ipec no ano mostram que a avaliação positiva do governo vem caindo — de 28% em fevereiro, chegou a 19% em dezembro —, mas o voto em Bolsonaro segue estável, em torno de 20%. Isso significa que esse é o piso do presidente?
Há uma diferença muito pequena, no caso do Bolsonaro, entre pesquisa espontânea e estimulada. Sai de 20% na espontânea (quando o entrevistado só é perguntado em quem votaria) para 21% a 23% na estimulada (quando é apresentada uma lista de opções) . Bolsonaro tem um núcleo duro que torna bem difícil que caia abaixo do patamar atual. É um voto consistente, de pessoas que avaliam o governo como ótimo e bom, aprovam sua maneira de governar e dizem confiar em Bolsonaro. São eleitores cujo apoio não se deve a um fator específico, mas sim porque comungam das ideias dele. O próprio Lula também varia pouco, de 40% na espontânea para 48% na pesquisa estimulada. Normalmente, a um ano da eleição, você tem um número maior de indecisos, mas agora as pessoas já têm falado de cara em quem pretendem votar.
Com um cenário econômico adverso, há perspectiva de crescimento para Bolsonaro?
O que temos visto nas pesquisas é que a preocupação da população é com a sobrevivência, em como vai lidar com a inflação e o aumento do custo de vida em geral. Bolsonaro, em tese, pode melhorar se puder atenuar esse problema, e também com a entrada do Auxílio Brasil, que ainda é muito recente para ter seu impacto medido nas pesquisas, mas é preciso ver também o quanto e como conseguiria crescer. Em setembro de 2020, ele estava num momento de queda e se recuperou com o auxílio emergencial de R$ 600. Quando cortou o valor e a pandemia recrudesceu, caiu de novo.