Prováveis adversários na eleição ao governo do Rio em 2022 , e buscando acirrar uma polarização já na pré-campanha, o governador Cláudio Castro (PL) e o deputado federal Marcelo Freixo (PSB) têm o combate às milícias como nova trincheira de disputa. Em evento na Cidade da Polícia, na quarta-feira, Castro anunciou dados de prisões de milicianos e provocou críticos da política de segurança de seu governo, como Freixo, que foi relator da CPI das Milícias quando deputado estadual e procura usar este trabalho como uma de suas credenciais na próxima corrida eleitoral. Depois de deixar o PSOL para o PSB , Freixo tem buscado vencer resistências a seu nome nas forças policiais, evitando críticas e fazendo acenos a reivindicações da categoria.
Castro deve disputar a reeleição com apoio do presidente Jair Bolsonaro, que também se filiou ao PL
, enquanto Freixo busca o apoio do ex-presidente Lula (PT). No discurso de ontem para integrantes da Polícia Civil, Castro anunciou, segundo dados do governo, a prisão de 1 mil milicianos pela força-tarefa lançada em outubro do ano passado. Não houve detalhamento sobre as operações e regiões do estado onde foram efetuadas as prisões, tampouco se os alvos seguem presos.
Entre 2008 e 2017, segundo o governo do Rio, o maior número de prisões de milicianos num mesmo ano havia ocorrido em 2009, com 246. No ano anterior, Freixo havia apresentado o relatório da CPI das Milícias na Alerj pedindo o indiciamento de 225 pessoas, incluindo políticos e integrantes de forças de segurança. Em abril de 2018, a Polícia Civil anunciou a prisão de 159 pessoas, numa única operação, que seriam da milícia na Zona Oeste do Rio. Um ano depois, contudo, ninguém continuava preso e apenas 17 pessoas haviam sido denunciadas pelo Ministério Público (MP-RJ).
Na tentativa de expandir seu eleitorado para além da esquerda, Freixo tem citado a CPI em entrevistas e feito gestos ao trabalho da polícia. Castro, por sua vez, procurou antagonizar o deputado no discurso de ontem e criticou, sem citar nomes, pessoas que apontam relações entre o governo e membros do crime organizado, acusação já levantada por Freixo nas redes sociais:
"Chamavam o nosso governo de governo miliciano. E a gente está dando a resposta aí: mais de mil presos. Quando ele chama o governador de miliciano ele está chamando você, policial. Ele está te desrespeitando. Porque é você que está no front de batalha ."
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Em outra provocação, o governador citou pessoas quem “reclama da polícia, mas tem policial fazendo a segurança deles”. Freixo, alvo de ameaças após a CPI das Milícias, é acompanhado por escolta policial desde então. Sem mencionar nomes, Castro sugeriu levar críticos às operações.
"Todo mundo que critica (a polícia), vou levar na próxima operação junto. É uma grande ideia: botar o coletinho nele para ver. Dar um fuzilzinho na mão dele. Para ver o que ele vai achar."
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Em 2020, segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, o Rio registrou 1.245 mortes causadas pela polícia, o maior número absoluto e a quinta maior taxa de letalidade por 100 mil habitantes do país. Neste ano, em maio, após uma operação da Polícia Civil que deixou 25 mortos no Jacarezinho, Freixo usou suas redes sociais para classificar a política de segurança de Castro como “uma insanidade que precisa ser parada”. Ele também lamentou mortes de policiais e de moradores de favelas em operações.
Já neste mês, após uma incursão do Bope no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, ter terminado com oito corpos encontrados num mangue, Freixo evitou se manifestar nas redes. Ao UOL, o deputado voltou suas críticas à “máfia que governa o estado”. Em outro aceno, Castro prometeu ontem aumentar o vale-alimentação dos policiais. (Colaborou Marcus Nunes)
Ações da polícia viram ativo eleitoral no país
Com a presença cada vez mais indissociável de tráfico e milícia na paisagem de grandes centros urbanos e também de pequenos e médios municípios pelo interior do país, governadores de diferentes estados, muitos deles alvos de pressões da polícia por aumentos salariais e melhores condições de trabalho, têm procurado inverter essa equação desfavorável ao cobrir de elogios operações policiais, ainda que com alta letalidade, transformando-as em ativo de gestão.
A retórica de incentivo a ações ostensivas, comum em diversos momentos históricos do país, ganhou novo impulso nos últimos anos com a politização das polícias, que passaram a eleger mais representantes para cargos legislativos, e com o apelo bolsonarista a forças de segurança. Um dos principais expoentes desta retórica foi o ex-governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), que deu lugar a Cláudio Castro (PL) depois de sofrer impeachment em 2020. Após a campanha de 2018, em que colou sua imagem à do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, Witzel disse que a polícia do Rio passaria a “mirar na cabecinha” e chegou a comemorar a morte de um sequestrador durante ação policial na Ponte Rio-Niterói.
Os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também eleitos na onda bolsonarista, mantiveram discursos de incentivo a ações policiais que tiveram vítimas fatais mesmo se descolando de Bolsonaro. Em abril de 2019, quando começava a dar os primeiros sinais de maior distância para o bolsonarismo, Doria parabenizou policiais paulistas por colocarem “no cemitério” 11 suspeitos de um ataque a agências bancárias em Guararema (SP). No fim de outubro, após outra ação policial contra quadrilhas que agem no interior, desta vez em Varginha (MG), terminar com 25 mortos, Zema afirmou que “a criminalidade não tem vez” e elogiou a “inteligência e integração” da polícia.