A Justiça negou, neste domingo, uma liminar em que a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) pedia que Glaidson Acácio dos Santos , preso sob a acusação de coordenar uma pirâmide financeira bilionária , apresentasse, com urgência, documentos que explicassem a origem de R$ 72,3 milhões repassados ao templo de Cabo Frio ao longo de 14 meses, entre 4 de maio de 2020 e 14 de junho de 2021. Na ação, a entidade diz querer "provar a ausência de envolvimento com as atividades exercidas" pelo ex-garçom, que também já foi pastor da Igreja. A Universal afirma ainda que "teme acabar sendo envolvida em crimes que não cometeu pelo simples fato de ter recebido de boa-fé as referidas doações".
Ao negar o pleito da Igreja, a juíza Luciana Cesario de Mello Novais, titular da 1ª Vara Cível de Cabo Frio, entendeu que "não constam nos autos elementos que evidenciem o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Embora reconheça "o receio da parte autora em ser indiciada por crimes que, porventura, tenham sido praticados pelos réus", a magistrada acrescenta que, por mais que a Universal possa vir a ser convocada a prestar esclarecimentos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e demais autoridades monetárias, tratam-se de "fatos que ainda não ocorreram". A juíza conclui a decisão afirmando que "a documentação pretendida poderá ser apresentada à parte autora, a qualquer tempo".
De acordo com o processo, os R$ 72,3 milhões foram transferidos tanto pelo próprio Glaidson, como pessoa física, quanto pela GAS Consultoria, empresa do ex-garçom que prometia aos clientes lucros exorbitantes mediante o investimento em criptomoedas. Os valores repassados são de, respectivamente, R$ 12,8 milhões e R$ 59,5 milhões. O montante citado pela Universal é ainda maior do que o que consta na investigação contra o ex-garçom, já que um levantamento da Receita Federal havia detectado R$ 29 milhões entregues pelo ex-pastor à Igreja entre 2018 e 2020.
Na ação, a Iurd relata que a "quantia que foi depositada de maneira aleatória, parcelada e sem comunicação prévia". Ao ser interpelado pela "liderança local" sobre as doações, Glaidson teria afirmado "que passava por uma fase de grande prosperidade econômica com atividades desenvolvidas nas áreas de tecnologia e produção de softwares", ainda conforme consta nos autos. Contatado posteriormente por um bispo, que "procurava maiores esclarecimentos sobre a real motivação das doações, diante da exorbitância dos valores", o ex-garçom teria desligado-se da Igreja "sem explicação".
Assinado por 50 advogados, o documento foi endereçado à Vara Cível de Cabo Frio dois dias após a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) deflagrarem a Operação Kryptos, que levou Glaidson à cadeia. De acordo com a Igreja, o ex-garçom colaborava, assim como os demais fiéis, "com o sustento do templo" da cidade, onde frequentava os cultos.
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De acordo com a Iurd, Glaidson já atuou como pastor em um templo na Venezuela, país de origem de sua esposa, há mais de 15 anos. "Em razão da alegada impossibilidade de dedicação exclusiva ao serviço religioso, Glaidson se desligou da função e, posteriormente, voltou a frequentar o templo em Cabo Frio, onde fixou residência”, informou a Universal depois que o vínculo antigo veio à tona.
O relatório da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) que baseou a Operação Kryptos aponta que a Iurd foi uma das 27 maiores destinatárias de recursos das contas bancárias do acusado e de sua empresa. A lista das transferências vultuosas, que totalizam R$ 2,3 bilhões entre 2018 e 2020 e, para a PF, indicam lavagem de dinheiro, inclui empresas de consultoria, escritórios de advocacia e pessoas físicas, além da Iurd.
Uma das linhas de investigação da PF é a de que o suposto esquema de pirâmide financeira com criptomoedas comandado pelo ex-garçom pode ter começado com dinheiro desviado dos dízimos e ofertas dos fiéis da Universal. Em 20 de maio deste ano, a própria Iurd pediu a instauração de inquérito policial na Polícia Civil do Distrito Federal contra o ex-pastor evangélico Nei Carlos dos Santos, após ter detectado a falta de R$ 3 milhões da congregação do Distrito Federal. Ao se aprofundar no caso, a Igreja encontrou indícios de que outros 11 ex-pastores eram suspeitos da mesma prática. Em comum, eles abriram empresas no ramo de tecnologia e uma delas, a de Nei, tem como endereço a sede da GAS Consultoria e Tecnologia Ltda, no Distrito Federal, que pertence a Glaidson. A conexão chamou a atenção dos investigadores.
Um inquérito contra Nei Santos e os demais ex-pastores, pedido pela própria direção da Iurd, acabou sendo instaurado pelo Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), unidade especializada da Polícia Civil do Distrito Federal, conforme consta num processo em trâmite no Tribunal de Justiça do Rio. A Igreja informou que os acusados acabaram se desligando do quadro eclesiástico da Universal, o que levantou ainda mais suspeita sobre a participação deles no crime.