Escondidos em três malas de viagem, quase R$ 7 milhões foram apreendidos pela Polícia Federal (PF), em Búzios, na Região dos Lagos (RJ), em abril deste ano.
O dinheiro seria transportado de helicóptero para a capital de São Paulo. À época, três pessoas foram levadas à sede da PF para explicarem a origem do dinheiro. Elas afirmaram que o dinheiro pertencia a GAS Consultoria. Mas se negaram a informar o nome do dono do montante. Meses depois, os investigadores descobririam que a alta quantia pertencia ao ex-garçom e empresário Glaidson Acácio dos Santos, de 38 anos, preso na última semana acusado de liderar um esquema criminoso de pirâmide que movimentou bilhões. Duas semanas antes de ser detido, Glaidson chegou a prestar depoimento aos investigadores e pedir a restituição do valor apreendido.
Para a PF, fortuna é oriunda de lavagem de dinheiro. A assessoria de imprensa da GAS afirmou que o transporte seria feito de helicóptero por "questão de segurança" e que "o dinheiro era capital de terceiros (dos clientes), com origem lícita, que terceirizaram os serviços da GAS em espécie". "A PF tem a origem de cada cliente e a destinação para cada contrato", acrescentou.
Meses depois, de acordo com a PF, a empresa de Glaidson apresentou o nome de investidores numa tentativa de reaver os cerca de R$ 7 milhões. "A própria empresa GAS apresentou-se como proprietária e solicitou a restituição dos valores e veículos apreendidos, anexando diversos recibos de aportes de valores por pessoas físicas, com o intuito de comprovar a licitude da origem do numerário apreendido", afirmou.
No dia que foi preso, seu defensor, o advogado Thiago Minagé, chegou a declarar: "Há duas semanas tivemos uma oitiva do Glaidson, aqui na Polícia Federal, em um pedido de restituição de um dinheiro apreendido (os R$ 7 mi). Acredito que não tenha nada a ver com a ação de hoje". No entanto a apreensão foi o gatilho para que a PF começassea investigar a fundo a vida financeira do operador de criptomoedas.
Desde 2015, a movimentação bilionária de Glaidson era vista com suspeita pela Receita Federal
. Mas o cerco se fechou para o ex-garçom quando foram apreendidos R$ 6,9 milhões em malas com os empresários Robermann Dias Guedes, José Augusto Mariano Fernandes e Helen Barbosa Pinto, que estavam prestes a embarcar em um helicóptero fretado de Búzios para São Paulo.
Aos investigadores, após ser detido, Robermann contou que é empresário do ramo de turismo e que também prestava serviço para a GAS Consultoria. No entanto ele não quis falar como era a consultoria para o ex-garçom. O homem contou em depoimento que, no dia da apreensão, 28 de abril, ele havia "recebido três malas em seu prédio, por volta das 7h, e que elas lhes foram entregues por um funcionário da GAS Consultoria”. Robermann contou, ainda, que foi solicitado que ele acompanhasse as malas até um hotel em São Paulo. O empresário, no depoimento, no entanto, não soube dizer quem receberia a mala. Durante todo o tempo ele salientou que não sabia o que estava sendo transportado.
Durante a declaração à PF, Robermann não informou aos policiais quem era o representante da GAS com quem ele fazia as tratativas. O empresário do setor de turismo disse que, no dia da viagem chamou a esposa, Helen Barbosa, para passear de helicóptero. Em depoimento, a mulher negou que soubesse o que tinha dentro das malas e afirmou não ter nenhum vínculo com a empresa de Glaidson.
Por sua vez, José Augusto Mariano Fernandes confirmou que presta serviços para a GAS Consultoria, mas ele não apresentou justificativa para transportar os valores em espécie. Fernandes, que disse ser empresário no "ramo de consultoria, tecnologia e informática", contou que presta serviço exclusivamente para a GAS. Ele lembrou que os carros da empresa ficam no prédio em que ele mora. No dia da detenção, ele afirmou que foi orientado por um funcionário da GAS a usar um dos automóveis para levar Robermann e a esposa até o heliponto. O empresário não quis informar o nome do funcionário da GAS que o orientou. José Augusto Mariano Fernandes também negou que soubesse o que tinha dentro das malas.
De acordo com a PF, Roberto Dias Guedes e José Augusto Mariano Fernandes possuem, respectivamente, as empresas RD Guedes Turismo e JAMF Consultoria e Tecnologia. A reportagem entrou em contato nos telefones que as duas empresas disponibilizam no cadastro da Receita Federal. No entanto nenhuma ligação foi completada. Helen Barbosa Pinto não foi localizada. A assessoria da GAS Consultoria informou que enviará uma nota.
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Movimentações suspeitas
Em quase seis anos, Glaidson Acácio movimentou R$ 38 bilhões. Os dados de maio de 2015 a novembro de 2021 constam de documento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) citados no relatório do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF), no qual a prisão foi pedida à Justiça Federal. O procurador da República Douglas Santos Araújo e o delegado federal Guilhermo de Paula Machado Catramby afirmam que as cifras são impressionantes e que 44% do valor foram registrados nos últimos 12 meses.
O Relatório de Inteligência Financeira (RIF), ao qual O GLOBO teve acesso, aponta operações de Glaidson com pelo menos 8.976 pessoas — sendo 6.249 físicas e 2.727 pessoas jurídicas.
Glaidson, de 38 anos, que até 2014 era garçom na orla de Búzios, foi preso na última quarta-feira, dia 25, em sua casa em condomínio na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, acusado de montar um esquema de pirâmide financeira em que prometia ganhos de 10% ao mês ao investir em criptomoedas. A mulher dele, a venezuelana Mirelis Yoseline Diaz Zerpa, é considerada foragida e está na lista da Interpol para a extradição. A GAS atuava fortemente em Cabo Frio, na Região dos Lagos.
De acordo com o MPF, ao citar o negócio de Glaidson, "o esquema criminoso está em franca operação e cresce em proporção geométrica". Segundo o órgão, a GAS movimentou em 2018 pouco mais de R$ 1 milhão. No ano seguinte, o aumento nas contas da empresa foi exponencial: R$ 477.648.698,03 (crédito) e R$ 476.238.943,04 (débito). Já a movimentação financeira relativa a Glaidson, dizem os procuradores, foi de R$ 294.271.823,15 (crédito) e R$ 296.417.678,95 (débito).
Para a Polícia Federal, com base em relatório da Receita Federal, "de maneira cabal, a dupla (Glaidson e a mulher) está fazendo uso de extensa rede de operadores para movimentar enormes quantidades de ativos, denotando, à primeira vista, possíveis delitos contra o sistema financeiro nacional, lavagem internacional de ativos, sonegação fiscal e organização criminosa". Segundo a PF, o empresário também tem pelo menos duas empresas no exterior: a GAS Consultoria em Tecnologia da Informação LLC, na Flórida (EUA), e a Mireglad Technology LTD, em Londres.
O MPF informou ainda à Justiça que "são numerosos os elementos que demonstram que Glaidson dos Santos, junto com sua companheira Mirelis Zerpa, estão liderando estrutura da organização criminosa que movimenta bilhões de reais tanto no sistema financeiro oficial, como também em criptoativos”.
No pedido de prisão, os procuradores federais expõem que Glaidson abriu sua primeira empresa em 19 de março de 2015, com o nome fantasia Sol e Lua Restaurante. O estabelecimento ficava no mesmo endereço onde o ex-garçom morava, na Praia do Siqueira, em Cabo Frio. Os investigadores destacaram ainda que, naquele ano, a empresa "teve movimentação financeira bastante modesta e compatível com seu porte: R$ 73.799,39 (crédito)". Em junho de 2018, Glaidson alterou o nome da empresa para GAS Consultoria e Tecnologia e se mudou para um prédio no centro de Cabo Frio. Foi quando a movimentação financeira começou a explodir.