O auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, investigado por produzir um documento que levantava suspeitas de superdimensionamento no número de mortes por Covid-19 no Brasil citado em junho pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), afirmou em depoimento que o material citado pelo presidente foi alterado.
"Quando eu vi o pronunciamento do presidente Bolsonaro, eu fiquei totalmente indignado, porque achei totalmente irresponsabilidade o mandatário da nação sair falando que o tribunal tinha um relatório publicado, que mais da metade das mortes por Covid não era por Covid. Eu achei bem, uma afronta a tudo que a gente sabe que acontece, a todas as informações públicas, à ciência", disse Marques.
O relato do servidor foi prestado no âmbito de um processo disciplinar aberto contra ele que pode resultar no seu afastamento do cargo efetivo que ocupa e até na sua demissão. Em razão do episódio, ele também foi afastado de suas funções.
No dia 7 de junho, Bolsonaro divulgou para apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada que um suposto "estudo paralelo" do TCU concluiu que 50% das mortes por Covid em 2020 não teriam sido causadas pela doença.
"Ali, o relatório final não é conclusivo, mas disse que em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid, segundo o Tribunal de Contas da União", afirmou o presidente no dia 7 de junho.
No mesmo dia, em nota, o TCU esclareceu que não há informações em relatórios do tribunal que sustentem a afirmação do presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, o tribunal reforçou que não é o autor do documento. O tribunal também acrescentou que o documento citado por Bolsonaro como oficial era uma análise pessoal feita pelo servidor.
O auditor está lotado no setor do TCU que lida com inteligência e combate à corrupção. Quando começou a pandemia do novo coronavírus, ele pediu para acompanhar as compras com dinheiro público de equipamentos para o enfrentamento à doença.
No depoimento prestado à corregedoria do TCU no dia 28 de julho, Marques foi questionado sobre possíveis adulterações do documento e confirma presumir que o documento foi alterado na Presidência da República.
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"[O material] não tinha nenhuma alusão ou identidade visual do Tribunal de Contas da União (TCU). Nesse arquivo em pdf que viralizou, não tinha nenhuma identidade visual, data, assinatura, nada. Era somente um só arrazoado. Esse arquivo foi alterado depois que eu passei pro meu pai. No meu arquivo não tinha qualquer menção ao TCU, não tinha destaques e grifados, nada disso. Depois que saiu da esfera privada, particular, como era um arquivo em Word ele poderia ser editado por qualquer pessoa", disse.
Na oitiva, Marques disse que encaminhou ao pai dele, o coronel da reserva Ricardo Silva Marques, uma mensagem de texto com um levantamento redigido por ele em 31 de maio sobre as mortes causadas por Covid-19, "porque esse era um assunto do qual eles costumavam tratar informalmente". O pai do servidor foi colega de turma de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).
"Eu peguei informações da internet e fiz um arrazoado para gerar uma discussão. A minha preocupação era com a qualidade dos dados da saúde. Dentro daquele momento que nós estávamos em uma fase de planejamento [...] e aí me veio essa ideia de ver se nós teríamos alguma inconsistência nos dados, porque isso refletiria nos repasses dos recursos federais," relatou.
Segundo o auditor, o material foi debatido entre ele e os demais colegas de trabalho, que acabaram chegando à conclusão de que não havia nenhuma evidência da existência de "conluio" entre gestores públicos e médicos para superdimensionar os números sobre a covid.
"Mostrei para o meu pai, e em nenhum momento eu imaginei que ele fosse encaminhar isso para outra pessoa. Na segunda-feira foi quando eu tomei conhecimento da fala do presidente Bolsonaro e fiquei atônito. E então meu pai me explicou que encaminhou o arquivo em word para o presidente Bolsonaro", explicou.
A CPI da Covid aprovou ainda em junho a convocação do auditor do TCU. O depoimento deverá ocorrer na próxima terça-feira. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou Marques a ficar em silêncio no depoimento aos senadores.