Documentos apontam que o Ministério da Saúde mudou de posição e deixou de exigir que a vacina indiana Covaxin estivesse na fase 3 de testes na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para dar início ao processo de compra do imunizante — que está na mira da CPI da Covid.
Em 11 dezembro de 2020, o coronel Elcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde e braço direito do general Eduardo Pazuello, esclareceu à Precisa Medicamentos, representante do laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil, que só compraria a vacina Covaxin após a aprovação da Anvisa.
"Esta possível aquisição de doses fundamenta-se na busca pelo acesso a uma vacina comprovadamente segura e eficaz, devendo-se observar (...) devido registro ou autorização temporária de uso emergencial junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), comprovando-se a segurança, a eficácia e a qualidade da vacina, em consonância com a legislação vigente", disse o então secretário-executivo do Ministério da Saúde num ofício endereçado à Precisa.
Em 6 de janeiro deste ano, foi editada uma Medida Provisória permitindo a compra de vacinas antes da autorização da Anvisa para uso emergencial. Mas isso não mudou de imediato a posição do Ministério da Saúde, que seguiu exigindo estudos no Brasil para avançar nas negociações com a fabricante indiana.
Em público, Franco seguiu sustentando que era preciso que as vacinas passassem pela Anvisa, por orientação do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do presidente Jair Bolsonaro.
"A orientação era que adquiríssemos a maior quantidade de doses, desde que assegurada a eficácia e segurança pela Anvisa", relembrou Franco em depoimento prestado à CPI da Covid.
A Bharat Biotech enviou uma carta em 12 de janeiro de 2021 oferecendo 12 milhões de doses ao Ministério da Saúde pelo preço de US$ 15 por unidade, valor tabelado pela fabricante no mercado internacional.
Diante dessa oferta, em 18 de janeiro, um novo ofício de Elcio Franco endereçado à Precisa Medicamentos reiterava que a Bharat devia confirmar as autorizações da Anvisa e Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), "confirme o início da realização de estudo clínico de fase 3 no Brasil". Esse estágio, porém, só começou cerca de quatro meses depois, em maio deste ano.
"Tenho a satisfação de informar, nesse contexto, que, caso a Bharat Biotech confirme as autorizações da Conep e da Anvisa, assim iniciada a fase 3 e comprovada a submissão à Anvisa do pedido registro para uso emergencial e temporário da vacina, este Ministério está disposto a iniciar tratativas comerciais com essa empresa para a eventual aquisição de lotes do imunizante, de forma a aumentar o mais brevemente possível a oferta de imunizantes à população brasileira", disse o então secretário-executivo do ministério da Saúde.
Mudança de posição
Em 3 de fevereiro, sem nenhuma explicação para a mudança de posição, Elcio Franco pediu à Precisa que enviasse ao Ministério da Saúde uma minuta do contrato de compra e venda para que a Covaxin integrasse o PNI (Programa Nacional de Imunização). Procurada sobre o motivo pelo qual houve a mudança de postura, a pasta não respondeu.
A partir daí, a negociação andou de forma mais célere. Dois dias depois, em 5 de fevereiro, houve uma reunião entre representantes da Precisa e do ministério da Saúde. Naquele mesmo dia, a Precisa enviou uma minuta de um contrato de compra da Covaxin. A empresa cobrou o ministério em 10 de fevereiro por uma resposta "firme" para a fabricante.
"Enquanto não houver um firme do Ministério, estamos consideravelmente vulneráveis. Peço que compreendam tal pedido, devido a atual situação mundial. Gostaríamos muito de permanecer com esse quantitativo e prazos reservados ao Brasil", escreveu Emanuela Mendrades, diretora executiva da Precisa.
Em 11 de fevereiro, a empresa disse por meio de um ofício que precisava receber do ministério a confirmação de que iria adquirir 20 milhões de doses. O pedido foi respondido pelo secretário Elcio Franco no mesmo dia. A velocidade contrasta com a de outras negociações como a da Pfizer ou a do Instituto Butantan.
No dia seguinte, em 12 de fevereiro, Elcio pede que o processo seja encaminhado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) de forma "urgente" para a aquisição das 20 milhões de doses da vacina. A área assina uma nota técnica em 17 de fevereiro autorizando a compra e ressaltando que, embora "a presente vacina não teve dados de eficácia publicados e não foi aprovada para uso pela Anvisa", o cenário pandêmico e a "necessidade de aceleração das ações de vacinação no país" permitem a aquisição dos imunizantes.
O contrato, então, foi elaborado e passou pela análise do setor jurídico do ministério. Ele foi assinado em 25 de fevereiro, 97 dias após o início das conversas, um tempo recorde nas negociações de vacinas.