Para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), envolvida no desentendimento entre o ex-ministro Sergio Moro e Jair Bolsonaro, o presidente não interferiu politicamente na Polícia Federal (PF) ao tentar tirar Maurício Valeixo do comando. Segundo a deputada, Bolsonaro quis ter acesso a informações que diziam respeito somente a ele, não a adversários políticos. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, mesmo assim a prática poderia configurar crime de responsabilidade.
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Sergio Moro declarou, na última sexta-feira (24), que o presidente quis interferir politicamente na PF para ter acesso a informações sobre investigações sigilosas. Ao Jornal Nacional, da TV Globo , Moro enviou imagens de uma troca de mensagens com o presidente e também com Carla Zambelli , que tentava convencê-lo a aceitar o nome do atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, no comando da PF, em substituição a Maurício Valeixo.
Em contrapartida ao aval do ministro, a parlamentar disse que ajudaria a convencer Bolsonaro a indicá-lo ao Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.
"O ponto é que ele (Bolsonaro) falava que gostaria de ter acesso a informações relativas a ele, não contra outras pessoas. Um (dos casos) é a tentativa de assasssinato a ele, que até hoje não se descobriu o mandante. Ele não queria que a PF repassasse informações sobre o José Dirceu, por exemplo. O que ele queria eram os últimos acontecimentos do país dentro de cada órgão, aquelas (informações) que podem se tornar públicas. Por que ele pode saber informações de outros órgãos, e não da PF?", diz ela.
Numa transmissão ao vivo em seu Facebook logo após a reportagem do "Jornal Nacional", Zambelli se explicou aos seguidores sobre a ajuda que havia oferecido a Moro para tentar convencer Bolsonaro a indicá-lo a uma vaga no STF.
"O Planalto não queria que o ministro saísse. Então, como eu tenho amizade por ele (Moro), eu me dispus a entrar em contato com ele e conversar, chegar a um entendimento, já que ele e o Bolsonaro não tinham chegado a um entendimento. Me propus a ajudar . Eu sabia que o problema estava em cima do nome do Valeixo. Eu estava propondo para ele aceitar o Ramagem, que era um bom nome para ele (Moro) e para o presidente Bolsonaro. Como uma cidadã, como qualquer um de vocês, eu disse que ajudaria ele a ir para o STF", declarou ela na transmissão.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a abertura de um inquérito ao STF contra Bolsonaro, para investigar as tentativas de interferência na Polícia Federal . Caso as declarações de Moro não se comprovem, pode ficar caracterizado crime de denunciação caluniosa. Caso se confirmem, existem indícios de que a conduta do presidente Bolsonaro pode ser enquadrada em delitos como obstrução à investigação de organização criminosa e advocacia administrativa.
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"Acho que ele vai ter que responder por denunciação caluniosa. Ele não vai conseguir provar, se a prova dele estiver em cima de um print, como fez comigo, calculado. Eu continuo acreditando no Bolsonaro", diz Carla Zambelli.
A deputada diz que cobrou de Sergio Moro informações sobre investigações a respeito do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Segundo ela, o interesse era em saber onde a investigação sobre Maia estaria em andamento.
"Eu mandei para ele (Moro), mas não era uma cobrança. Eu descobri que a investigação contra o Maia não está parada no STF, mas sim na PF. E por que está parada na PF? Eu estou investigando o Maia. Já declarei que sou inimiga dele e vou tentar pegá-lo", afirma ela.
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Especialistas contestam
O professor da USP Daniel Falcão, especialista em direito constitucional, afirma que o presidente Bolsonaro não tem direito a ter informação privilegiada , sendo o inquérito sobre ele ou sobre qualquer outra pessoa.
"Isso é quebra do princípio da impessoalidade . Se ele está se utilizando de agentes públicos para conseguir uma informação direta, sem um advogado, ele está cometendo improbidade administrativa. Se o inquérito não for sigiloso, qualquer pessoa tem direito a ter informações sobre o inquérito, desde que vá ou até a delegacia ou contrate um advogado para isso", declara Falcão.
Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV de São Paulo, diz que o presidente da República não está sujeito a ações de improbidade, em razão do regime específico de responsabilização previsto na Constituição. Segundo ela, "presidente que comete improbidade comete, em verdade, crime de responsabilidade".
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"Se o presidente da República tem interesse pessoal na troca do diretor-geral da Polícia Federal, seja para saber de investigações que recaiam sobre si, seja para saber casos de opositores políticos, pode existir, ao menos em tese, a prática do crime de prevaricação, já que a troca não teria outra razão senão a satisfação de interesse pessoal do presidente da República", afirma Machado.