Marielle Franco foi brutalmente assassinada em 14 de março de 2018
Guilherme Cunha/Alerj
Marielle Franco foi brutalmente assassinada em 14 de março de 2018

A iniciativa da ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge que, no último ato antes de entregar seu cargo, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização da investigação que apura quem mandou matar a vereadora Marielle Franco há pouco mais de 1 ano e meio, provocou reações, vindas tanto da família da parlamentar, como também do governador Wilson Witzel e do Ministério Público do Rio (MPRJ), que hoje investiga o caso em parceria com a Polícia Civil.

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Além da polêmica, a ação envolvendo o caso Marielle também provocou dúvidas. Na prática, como funciona este processo? Quem julgará se de fato a investigação passará para a esfera federal? Como ficam Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz neste cenário? E depois? Entenda.

Em sua fala na terça-feira, Dodge falou em "inércia" na investigação da Delegacia de Homicídios do Rio — desde março liderada pelo delegado titular da especializada, Daniel Rosa, que assumiu após a saída de Giniton Lages — e das promotoras do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado ( Gaeco /MPRJ) sobre os mandantes do crime.

Ela se baseia, principalmente, no relatório da Polícia Federal — responsável pela "investigação da investigação", pedida pela própria procuradora no dia 1º de novembro do ano passado, após desconfiar de denúncias feitas pelo miliciano Orlando de Curicica — que apontou, com base em depoimentos, interceptações, busca e apreensões e análise de conversas via aplicativo de mensagens WhatsApp, que o ex-deputado estadual e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Domingos Brazão é o principal suspeito de ser o autor intelectual dos assassinatos de Marielle e Anderson.

O inquérito ainda liga, através de interceptações telefônicas, Brazão a um grupo de pistoleiros que atua junto à milícia na Zona Oeste. Os federais acreditam que a ligação destes milicianos com pessoas da alta cúpula da Polícia Civil estariam comprometendo a investigação.

A denúncia da PGR , apresentada ao STJ, também cita a suposta encenação, a mando de Brazão, de Gilberto Ribeiro da Costa, policial federal aposentado, o PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, Camila Moreira Lima Nogueira, advogada de Ferreirinha e Hélio Khristian Cunha de Almeida,  delegado federal, à investigação, para conduzir a falsos mandantes: o vereador Marcelo Siciliano (PHS) e o miliciano Orlando de Curicica .

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"Estamos pedindo a federalização de investigação sobre os mandantes dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes . O que verificamos é que há inércia em identificar quem são os mandantes", disse a então procuradora-geral da República na terça, durante coletiva.

"É imperiosa a federalização por meio do IDC para unir, de vez, toda a atividade estatal de apuração do mandante dos assassinatos em tela, evitando que a manutenção de inquérito da Polícia Civil possa gerar o risco de novos desvios e simulações", concluiu Dodge.

O pedido de Incidente de Deslocamento de Competência ( IDC ), como é chamado, chegou ao STJ na terça-feira, mesmo dia em que Dodge revelou, em coletiva de imprensa, que tentaria levar a investigação sobre os mandantes do crime para a alçada federal, e contou, também, ter protocolado denúncia contra Brazão e outras quatro pessoas, por tentarem obstruir o trabalho dos investigadores. Já está definido que a relatora será a ministra Laurita Vaz. Após apreciação, junto ao júri da 3ª seção, será definido se o caso mudará ou não de mãos.

Processos de IDC são raros. Na história, apenas 24 foram protocolados no STJ — quatro só por Dodge, todos às vésperas de deixar a procuradoria-geral — , e o tempo para a conclusão de cada um é tido pelos órgãos envolvidos como imprevisível. Assim como a forma como ele será conduzido: apesar de sua constitucionalidade, IDCs não possuem uma regulamentação que defina um padrão para este tipo processo. Uma fonte afirmou ao Globo que uma decisão deve sair em aproximadamente três meses, e que os oito juízes tendem a decidir pela federalização.

Antes deixar a PGR, Raquel Dodge protocolou os seguintes pedidos de federalização : processos da Chacina na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, que aconteceram nos anos 1990, investigações sobre assassinatos em Rondônia ligados à exploração ilegal de madeira, e as apurações referentes a supostas violações dos direitos humanos a adolescentes internos do sistema socioeducativo do Espírito Santo.

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Ao fim do rito, caso o pedido seja aceito pela ministra, a investigação, exclusivamente sobre os mandantes da morte de Marielle — o que é definido pela Delegacia de Homicídios e o Gaeco/MPRJ como uma segunda fase da apuração, e que já está em curso — será totalmente transferida das autoridades locais para Ministério Público Federal ( MPF ), Polícia Federal ( PF ) e, posteriormente, Justiça Federal.

Entre promotoras do MP do Rio e delegados da DH, há grande expectativa para o próximo dia 4 de outubro, quando enfim Ronnie Lessa, apontado como o autor dos disparos que mataram a parlamentar e o motorista Anderson, e Élcio Vieira de Queiroz, tido como o condutor do Cobalt prata utilizado na empreitada, serão ouvidos em interrogatório na 4ª Vara Criminal, no IV Tribunal do Júri.

Para Daniel Raizman, advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dodge deveria ter deixado tal atribuição para seu sucessor. Ele também não vê efetividade em tentar levar a investigação para o âmbito federal.

"Ela agiu como se tentasse reforçar a gestão dela. Tanto que fez isso no último dia. Na verdade, em termos institucionais, o correto seria deixar para a questão ser avaliada pelo próximo a ocupar o cargo. Me parece uma questão política. Mas para mim é claro que, neste momento, quem está tentando descobrir quem são os mandantes do crime são o MP e a Polícia Civil. Falar que eles não conseguem encontrá-los não está certo", disse.

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Raizman conclui, dizendo não ver motivos para que a apuração sobre as mortes de Marielle e Anderson mudem de mão.

"Dizer que a investigação que está sendo feita fracassou, não fracassou. Eles chegaram ao Ronnie e ao (Élcio Vieira) Queiroz, e tem avançado. Até onde seria necessário fazer esta mudança? Não vislumbro como rigorosamente necessário", afirmou.

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