Kim Kataguiri (DEM-SP), de 23 anos, é o segundo deputado mais jovem na Câmara. É um dos representantes mais ativos da nova direita brasileira. Como fundador do Movimento Brasil Livre (MBL) em 2013, no auge das manifestações pelo passe livre em São Paulo, ele liderou passeatas contra o impeachment da presidente Dilma, comandando a famosa reunião de 1,4 milhão de pessoas na Avenida Paulista, ao lado de outra organização popular, o Vem pra Rua. Se destacou tanto que, em 2015, foi classificado pela revista Time como um dos jovens mais influentes do mundo.
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Neto de imigrantes japoneses, Kim Kataguiri passou a assumir seus pensamentos de direita, com base em fundamentos liberais, quando ainda tinha 21 anos, na condição de colunista da “Folha de S. Paulo”. Em razão do sucesso, em 2018 se elegeu como o quarto deputado mais bem votado de São Paulo. Foi para a Câmara na condição de líder da nova política. Logo se aliou ao presidente Bolsonaro , que prometia mudanças radicais na forma de governar, mas Kim se decepcionou: “Bolsonaro quer ter a hegemonia na direita, da mesma forma como Lula queria ter na esquerda, sufocando as lideranças abaixo dele”. O promissor deputado acaba de romper com Bolsonaro e garante que o MBL não irá mais para a rua em sua defesa.
O senhor apoiou Bolsonaro na eleição do ano passado e vinha sendo seu aliado na Câmara. Por que o senhor rompeu com o presidente?
Minha postura em relação ao presidente sempre foi independente. Apoiei-o só no segundo turno, foi voto útil, justamente para poder fazer as críticas que faço hoje. A maior crítica que tenho a fazer ao presidente é o fato dele estar radicalizando, com um discurso muito sectarista, querendo ter hegemonia na direita, da mesma maneira que Lula queria ter na esquerda, sufocando as lideranças abaixo dele.
Nesse processo de rompimento, o presidente chegou a chamá-lo de merda no twitter. O senhor se sentiu agredido?
Foi uma postura incompatível com a de um presidente da República ou de qualquer homem público. Uma coisa é discordar no mérito, como é o que estou fazendo, mas nunca uma crítica pessoal, uma ofensa. Ele mostrou o despreparo em relação ao relacionamento não só para comigo, mas para com o parlamento.
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O presidente acusou-o de ser um dos responsáveis pelo endurecimento da punição a quem divulgar fake news durante o processo eleitoral, com prisão de 2 a 8 anos para esse tipo de crime.
Essa afirmação do presidente mostra que ele não lê nada do que faz e assina. Em 2014, o projeto foi aprovado na Câmara, com o voto dele na condição de deputado. Votamos o veto dele na quarta-feira da semana passada, porque só agora o Senado aprovou. Eu apresentei destaque para ser votado nominalmente o veto do presidente. Primeiro, ele não leu o projeto à época quando era deputado e não leu agora ao impor o veto, porque não se trata de fake news. Trata-se de denunciação caluniosa com fins eleitorais. Ou seja, precisa haver o inquérito formal, uma investigação da polícia e a denúncia do Ministério Público. E isso significa que ele não leu o próprio veto, porque não vetou nem a pena. Ele vetou o compartilhamento da denunciação caluniosa. A pena de 2 a 8 anos, que ele tanto criticou na sua live, isso não foi vetado. Na tentativa de se justificar, acabou espalhando notícia falsa sobre o projeto, demonstrando que nem confere os próprios vetos.
O senhor continua defendendo a prisão de até 8 anos para esse tipo de crime?
Defendo. A denunciação caluniosa é algo que existe no nosso Código Penal há muito tempo. Quando esse tipo de coisa afeta a democracia, deve ter uma punição específica.
O presidente irritou-se com o senhor e com os deputados que derrubaram o veto por 326 a 84 votos, chegando a dizer que quem votar contra ele a partir de agora não terá mais cargos no governo.
Eu não entendo porque esse ponto específico despertou a ira do presidente. Talvez seja porque eu apontei outras incoerências do governo no combate à corrupção. Eu pedi para o Coaf ir para o Ministério da Justiça, mas o presidente extinguiu o órgão e criou nova unidade dentro do Banco Central, que não tem a obrigatoriedade de manter em seus quadros apenas servidores de carreira, podendo ter indicações políticas. E também teve o episódio da nomeação do filho para a embaixada em Washington, classificada claramente como nepotismo, além de diversos outros pontos em que ele aparece salvando os filhos.
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Depois do episódio da derrubada do veto, na quinta-feira 29, o senhor chegou a fazer um pronunciamento contundente na Câmara, classificando o deputado Eduardo Bolsonaro como covarde e até um rato. O que o motivou a reagir dessa forma?
O deputado me atacou, utilizando-se de mentiras em relação à derrubada do veto, dizendo que era um projeto meu, quando na verdade esse era um projeto de 2014 em que até seu pai votou a favor. E, depois, disse que o projeto era para atender desavisados que compartilhassem denúncia falsa, o que não é correto, porque não há modalidade culposa de denunciação caluniosa. Aquele que, de boa fé, compartilha qualquer coisa, não pode ser responsabilizado por causa disso. Seria um estado policial e isso não acontece em nenhuma democracia do mundo. Quando eu o chamei para debater no Plenário, e esperei uma hora sabendo que ele estava na Câmara, achei estranho ele não aparecer. Na minha opinião, isso demonstrou que ele sabia que estava errado, mas quis se utilizar disso para alimentar sua militância virtual e me atacar.
O MBL sempre apoiou o presidente. A direita está abandonando Bolsonaro?
A posição do MBL sempre foi de voto contra Haddad, deixando claro que tínhamos divergências com Bolsonaro. Na época do impeachment de Dilma, criticamos a fala do então deputado Bolsonaro exaltando o coronel Brilhante Ustra. É incompatível com o ideário liberal e conservador defender a tortura ou qualquer tipo de ditadura. Porém, houve uma aproximação com Bolsonaro na medida em que ele fez uma aliança com os liberais, chamando o Paulo Guedes para o governo e promovendo a reforma previdenciária, um pouco a contragosto é verdade.
O presidente era contra a reforma?
Ele nunca gostou de fazer a reforma, chegando a discursar contra no governo Temer. De qualquer forma, apresentou uma agenda reformista, que é nossa também. Porém, agora o discurso radical do presidente compromete essa agenda, na medida em que ele se torna cada vez mais sectário e se isola cada vez mais.
Vocês querem distância da extrema-direita que Bolsonaro representa?
Nós defendemos o liberalismo político, que claramente o presidente não defende. Ele não reconhece o interlocutor do qual discorda dele como legitimo no debate público.
Além do episódio das fake news, o que mais está motivando a direita a abandonar o governo?
A gota d’água foi o governo enviar projeto de lei orçamentário com o aumento no fundo eleitoral para 2020. Trabalhei bastante para que uma emenda minha fosse acatada na Lei de Diretrizes Orçamentárias, do deputado Cacá Leão, para que não houvesse o aumento. Foi aprovado na comissão um aumento para R$ 3,7 bilhões – era R$ 1,7 bi. O governo cedeu, porque o Centrão e o PSL se sentiram derrotados já que teriam mais dinheiro em caixa do que nunca – R$ 500 milhões a mais só para o PSL – e houve uma insatisfação em relação à minha emenda contra mais R$ 2 bilhões para campanhas. Em retaliação, o governo mandou para a Câmara o aumento de R$ 1,7 bi para R$ 2,5 bi, que é o valor que está na LOA (Lei Orçamentária Anual) enviada pelo governo.
O governo está perdendo a confiança até de defensores da Lava Jato?
O presidente tem agido de maneira incoerente. Este ano, o Congresso aprovou a lei 2121/2019, que limitava os poderes do Supremo, mas ele vetou essa legislação. Ou seja, está blindando o STF. E, em conflito com seu discurso, acabou com o Coaf, sinalizou que não vai vetar todos os pontos problemáticos do projeto da Lei de Abuso de Autoridade e, ao mesmo tempo, tem feito a intervenção no MPF, na PF, na Receita, o que a gente sempre criticou nos governos petistas.
O que o move nesse processo?
A intervenção que ele está fazendo, sobretudo no Rio de Janeiro, acontece simplesmente porque seu filho Flávio Bolsonaro é investigado lá. Ou seja, postura contrária à que esperávamos do presidente. Ele está utilizando-se do estado de maneira patrimonialista para blindar o próprio filho no cometimento de crimes. E fritando o ministro da Justiça Sergio Moro, desautorizando-o publicamente.
Até o Novo está desistindo de apoiar o presidente. O senhor acha que ele vai acabar ficando com o apoio só da extrema-direita?
Ele trabalha para que isso aconteça. Joga para um eleitorado mais radical. Busca ter uns 10% ou 15% dessa massa radical, por acreditar que esse é o eleitor que poderá levá-lo ao segundo turno em 2022. Ele joga com a radicalização para sufocar qualquer outra liderança no campo da direita.
O Datafolha mostrou que o presidente está perdendo a popularidade, dando-lhe 38% de ruim ou péssimo. Isso significa que os eleitores que votaram nele estão descontentes com sua atuação?
Sem dúvida. Quem votou nele na esperança de que fosse reformista e liberal na economia, probo no combate à corrupção, e efetivo na redução da máquina pública, está decepcionando com sua atuação.
O ex-presidente Fernando Henrique disse que Bolsonaro não tem sido estadista. O senhor acha disso?
Quem usa o estado para blindar o próprio filho não é estadista. É patrimonialista. Confunde o público com o privado, fazendo tudo o que criticávamos no governo petista.
Como o senhor vê o desempenho do presidente na questão da Amazônia?
Está sendo desastroso. Errou no discurso, radicalizou, levando para o lado ideológico uma questão que deveria exigir decisões pragmáticas. Felizmente recuou, reconhecendo a importância da Amazônia no pronunciamento na TV, e mandou suspender as queimadas. Mas só fez isso por pressão do agronegócio, que percebeu que sua imagem estava ficando arranhada no exterior. Afinal, isso prejudica as vendas do agronegócio lá fora.
Esses discursos estabanados do presidente põem em risco as reformas?
Bolsonaro só atrapalha a agenda reformista. Quando ele nos agride, o Congresso dá seus recados. Não vai querer colaborar com um presidente que generaliza e coloca todos os políticos como se fossem corruptos. Agora que ele é governante, ele deveria pensar as políticas públicas. Só fazer embate ideológico não soluciona os problemas brasileiros, nem o saneamento das contas públicas.
Não fosse Bolsonaro, poderíamos estar em situação melhor?
Não fossem esses arroubos do presidente contra o parlamento e contra a imprensa, poderíamos ter a projeção de um crescimento de 3%, como era esperado no começo do ano. A instabilidade política provocada pelo presidente nos levará a ter um crescimento abaixo de 1%. A projeção de hoje é de 0,83%. Não fosse Bolsonaro, poderíamos ter aprovado a reforma previdenciária em março e ter avançado nas medidas de desburocratização da economia.